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Com mais de 17 mil alunos da educação especial, Salvador possui apenas 3,1% dos professores capacitados

Por Eduarda Pinto

Foto: Elza Fiuza/ Agência Brasil

A capital baiana possuía 486.192 mil alunos matriculados na educação básica em 2024, considerando a rede pública e privada. Destes, 3,7% das matrículas são da educação especial, ou seja, compõe alunos com necessidades especiais, um total de 17.944. Esses estudantes são compostos por pessoas com deficiência (PCD), seja ela física, intelectual, mental, sensorial ou múltipla, pessoas com transtornos globais de desenvolvimento ou altas habilidades/superdotação. Isso é o que aponta o Painel de Indicadores da Educação Especial, realizada pelo Instituto Rodrigo Mendes. 

 

Entre 2007 e 2024, série histórica dos registros, o número de estudantes da educação especial saltou de 5.229, em quando eles representavam 0,8% do total de alunos, para 17.944, no último ano. 

 

Considerando que 47,3% destes alunos com necessidades especiais estão na rede municipal de ensino, o levantamento destaca, especialmente, um crescimento no número de estudantes frente a um índice de capacitação dos profissionais da educação que não acompanha este crescimento. 

 

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O Bahia Notícias entrou em contato com a Secretaria de Municipal de Educação do Município de Salvador, solicitando uma entrevista com a gestão ou coordenação responsável pela Educação Especial municipal, porém não obteve retorno até o momento desta publicação.

 

PERFIL DOS ALUNOS
No que diz respeito ao “perfil” dos estudantes da educação especial em Salvador, a maioria dos alunos, cerca de 70,73%, são estudantes masculinos, frente a 29,27% de estudantes mulheres. Na classificação étnica ou racial, os estudantes com necessidades especiais em Salvador são, em sua maioria, pessoas negros de pele parda (57,6%); em seguida são registrados os estudantes negros de pele preta (22%), e de etnia não declarada (10,2%). Por fim, temos os estudantes brancos (9,6%) e amarelos (0,1%). Considerando o cenário da capital baiana, 99,7% dos alunos vivem em localidades urbanas. 

 

Entre os mais de 400 mil estudantes da educação especial, a imensa maioria, cerca de 77,3% estão matriculados na rede pública, sendo quase metade, o equivalente a 47,3% = na rede pública municipal de ensino, ou seja, em escolas de ensinos iniciais e 30% estudam na rede pública estadual, entre o ensino fundamental final e o ensino médio. 22,1% estudam em unidades da rede privada de ensino e apenas 0,6% são estudantes da rede federal. 

 

No que diz respeito às etapas da educação, 31,8% dos estudantes da educação especial registrados pelo Painel estão nos anos iniciais do ensino fundamental, entre do 1º ao 5º ano; 30% estão nos finais do ensino fundamental, entre o 6° e 9° ano; 14,4% estão no Ensino Médio e 11,4% estão na pré-escola. 

 

Os estudantes do Ensino de Jovens e Adultos, o EJA, se destacam, com 7,1% das matrículas, seguidos pelos alunos matriculados em creches, 4,3%. Apenas 0,9% das matrículas da educação especial correspondem a 0,9%. 

 

O perfil das matrículas também ajuda a compreender a faixa etária dos estudantes. Conforme o estudo, 67,7% dos estudantes da educação especial em Salvador possuem até 14 anos. Em seguida, aparecem os alunos entre 15 e 17, totalizando 17,3% dos estudantes e os estudantes de 18 a 24, com 11,2% dos registros de matrícula. Uma minoria de 1,3% possuem entre 25 a 29 anos, 0,7% possuem entre 30 e 24 anos e, por fim, 1,9% tem mais de 35 anos. 

 

O levantamento do Instituto Rodrigo Mendes categoriza ainda os tipos de deficiência dos alunos da educação especial na capital baiana. Assim, 44,1% dos alunos, quase a metade, possui algum tipo de deficiência intelectual e outros 38,8% apresentam diagnóstico de autismo, em diferentes espectros e níveis de apoio. Em seguida, a deficiência física, em que alguma limitação motora é apresentada, é registrada por 6,2% dos estudantes; 3,9% indicaram baixa visão; 3,1% possuem deficiência múltipla, ou seja, mais de um tipo de deficiência.

 

Entre as minorias estão os alunos com deficiência auditiva, com 1,7% dos registros; altas habilidades ou superdotação, com 1,2% das matrículas ativas; sudez, com 0,7% dos alunos e cegueira, com 0,3%. Nenhum estudante registrou surdocegueira em Salvador. 

 


Gráfico elaborado por Eduarda Pinto/Bahia Notícias

 

CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL
A pesquisa revela ainda o cenário docente na educação especial soteropolitana. Atualmente, Salvador possui 21.861 professores nas redes pública e privada, sendo que 21.555 são professores regentes, ou seja, aqueles responsáveis por uma turma ou disciplina, planejamento e ministração das aulas. 

 

 No que diz respeito a capacitação profissional continuada para a Educação Especial, apenas 3,1% de todos os professores regentes baianos possuíam formação continuada sobre Educação Especial. O índice é consideravelmente menor que o registrado no cenário estadual, que registrou 5% dos professores com a capacitação devida. No entanto, quando observados os últimos 12 anos da série histórica, o índice aumentou em relação a 2012, quando 2,0% dos 20.988 professores de Salvador possuíam capacitação. 

 

Neste levantamento, os índices de formação continuada entre os professores é obtido a partir do “número de professores do Atendimento Educacional Especializado que possuem formação continuada com no mínimo 80 horas específicas para Educação Especial”. Nesse contexto, apenas 3,1% de todos os professores regentes baianos possuíam formação continuada sobre Educação Especial. O índice é consideravelmente menor que o registrado no cenário estadual, que registrou 5% dos professores com a capacitação devida. 

 

No entanto, quando observados os últimos 12 anos da série histórica, o índice aumentou em relação a 2012, quando 2,0% dos 20.988 professores de Salvador possuíam capacitação. 

 

Em entrevista ao Bahia Notícias, a professora e pesquisadora Sheila Quadros Uzêda, especialista em Educação Especial vinculada a da Faculdade de Educação (Faced) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) explica como funciona a formação continuada em Educação Especial. 

 

“A Educação Especial é uma modalidade transversal de ensino que tem um público específico: os estudantes com deficiência, com transtorno do espectro autista e com altas habilidades/superdotação. O nome da especialização varia, pois cada instituição adota uma nnomenclatura diferente, podendo existir cursos denominados ‘Especialização em Atendimento Educacional Especializado’; ‘Especialização em Educação Inclusiva’ ou ‘Especialização em Educação Especial’”, delimita. 

 

Para a especialista, apesar da nomenclatura, uma capacitação continuada “deve englobar em seu currículo, componentes que discutam as estratégias e práticas pedagógicas voltadas a esse público, incluindo temáticas como Acessibilidade, Tecnologia Assistiva e Desenho Universal”. Segundo ela, especializações como Psicopedagogia e Neuropsicologia não necessariamente contemplam essas questões e “daí a importância dos profissionais que vão assumir o Atendimento Educacional Especializado terem a especialização na área”. 

 

O Atendimento Educacional Especializado (AEE), por sua vez, configura um sistema que permite um melhor desenvolvimento aos alunos com necessidades especiais, garantindo o aprendizado contínuo após a sala de aula convencional. 

 

Segundo o Ministério da Educação, o AEE tem “como função identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos”. “As atividades visam ao desenvolvimento de habilidades cognitivas, socioafetivas, psicomotoras, comunicacionais, linguísticas, identitárias e culturais dos estudantes, considerando suas singularidades.”, diz a nota técnica do MEC. 

 

Sheila destaca que a “inclusão requer a garantia de acesso, mas também as condições necessárias para a permanência, a participação efetiva e a aprendizagem dos estudantes. A formação continuada é muito importante, já que a formação inicial não é suficiente para abarcar a complexidade da área e as singularidades do público da Educação Especial. A tarefa de educar requer constante aperfeiçoamento e a formação em serviço é extremamente importante”. 

 

REFLEXOS NO ENSINO
A pesquisa do Painel de Indicadores da Educação Especial indicam ainda que 38,9% dos estudantes da educação especial em Salvador estão matriculados no AEE. Na capital baiana, 99,6% dos alunos da educação especial estão em classes regulares, evitando a segregação entre alunos com ou sem necessidades especiais. Os outros 0,4% estão em classes especiais, justamente por receberam educação formal em Centros de Inclusão. 

 

A PNEEPEI institui que a educação especial é preferencialmente inclusiva, ou seja, os alunos com necessidades especiais e sem necessidades especiais devem estar juntos nas classes. Para a professora Sheila Uzêda, esse formato de Educação Especial é um avanço. 

 

“A proposta inclusiva se apoia em princípios e concepções embasados cientificamente e alinhados aos Direitos Humanos e à defesa de uma educação de qualidade para todos. Os modelos educacionais anteriores, que foram a Segregação e a Integração falharam em sues propósitos porque não garantiram independência e autonomia às pessoas com deficiência. A inclusão, por sua vez, requer a garantia de acesso, permanência, participação efetiva e aprendizagem”, contextualiza.

 

A garantia desse acesso e permanência, no entanto, requer instrumentos de acessibilidade importantes. No caso do AEE, por exemplo, os atendimentos ocorrem, prioritariamente, em salas de recursos multifuncionais (SRM) da própria escola ou em centros de atendimento especializado (CAEE).

 


Gráfico elaborado por Eduarda Pinto/Bahia Notícias

 

Com relação à inclusão nas unidades escolares de Salvador, 81,4% das 1.549 escolas de educação básica possuem matrículas da educação especial. Nelas, o item de acessibilidade mais comum é o banheiro PNE, adaptado para pessoas com deficiência, presente em 59,1% das unidades escolares. Em seguida, se destacam os corrimões (51,3%) e as rampas de acesso (46,2%). Vãos livres estão presentes em 33,6% das unidades escolares soteropolitanas.  

 

Entre os itens menos utilizados estão o sinal sonoro (4,8%), elevadores (5,7%) e os sinais tatéis (6,7%). Cerca de 16,7% escolas não possuem nenhum recurso de acessibilidade. Com relação a SRM, apenas 15,6% das escolas possuem uma sala exclusiva para o AEE, frente a 84,4% que não possuem. Quando analisadas apenas as escolas que possuem matrículas de estudantes com necessidades especiais, o índice aumenta ligeiramente para 18,8% das unidades que possuem a sala de recursos multifuncionais (SRM), enquanto 81,2% não possuem. 

 

O levantamento do Painel também analisa a formação dos professores que atuam especificamente com a Educação Especial, por meio do Atendimento Educacional Especializado (AEE). 

 

Entre os 21 mil professores da educação especial em Salvador, apenas 527 são professores do AEE. Quando avaliados estes profissionais, 40,6% possuem a devida formação para a educação inclusiva. Apesar do avanço com relação aos professores regentes “comuns”, o contingente de professores capacitados vêm oscilando entre 2012 e 2024. No início da década de 2010, 52,5%, ou seja, mais da metade dos profissionais da docência que atuavam no AEE possuíam a formação continuada. Em 2023, o número também era maior que no ano passado: 48,8% dos professores tinham capacitação em Educação Especial. 

 

A especialista destaca como a formação continuada impacta na educação: “A ausência de uma política sistemática de formação continuada na área de Educação Especial compromete o processo de inclusão, por vários aspectos. Primeiro porque a formação inicial, na maioria dos cursos de licenciatura, só prevê a oferta de um componente curricular na área da Educação Especial, o que é extremamente insuficiente para que o professor tenha conhecimentos básicos para responder às necessidades específicas de cada estudante”. Ao falar sobre os avanços no cenário de inclusão educacional em Salvador e em todo o estado, a professora reflete que, apesar das dificuldades, o sistema atual é mais produtivo. 

 

“O Estado ainda se encontra bem aquém das metas previstas no Plano Nacional de Educação (PNE) para essa modalidade de ensino e muitas crianças ainda se encontram fora da escola ou sem acesso ao Atendimento Educacional Especializado”, inicia. 

 

Refletindo sobre os números de todo o estado da Bahia, ela diz: “Muitas crianças não acessam as creches por falta de vagas e presenciamos uma realidade bem desafiadora quando se trata da evasão escolar, principalmente no ensino médio. Em cidades do interior e de regiões rurais, a realidade tem sido ainda mais desafiadora para alguns desses estudantes. No entanto, temos incontestáveis experiencias exitosas de inclusão”, expõe a pesquisadora da UFBA. 

 

“Como profissional que atua há mais de 20 anos na área, já acompanhei muitas trajetórias escolares e posso afirmar que a inclusão escolar é um modelo educacional possível, necessário e comprometido com a melhoria da educação para todos. No ensino superior, tenho testemunhado a chegada, cada vez mais frequente, de estudantes com deficiência, autismo e altas habilidades nas universidades, nos cursos de mestrado, doutorado e pós-doutorado, o que significa dizer que, apesar das barreiras, a escola comum é o lugar que todas as pessoas devem estar”, conclui.