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Entendendo a Previdência: INSS e os direitos das pessoas que vivem com HIV

Entendendo a Previdência: INSS e os direitos das pessoas que vivem com HIV
Foto: Arquivo Pessoal
O  HIV é o causador da AIDS, e como se sabe é uma doença que, apesar dos avanços no tratamento para o seu controle, não tem cura. Segundo dados do Ministério da Saúde, no Brasil, cerca de 1 milhão de pessoas convivem com o vírus. Destas, 89% já foram diagnosticadas, 77% fazem tratamento com antirretroviral e 94% das pessoas em tratamento não transmitem o HIV por via sexual, por terem atingido carga viral indetectável.

Entendendo a Previdência explica Revisão da Vida Toda: STF vai dizer como INSS pagará aos Aposentados

Entendendo a Previdência explica Revisão da Vida Toda: STF vai dizer como INSS pagará aos Aposentados
Foto: Arquivo Pessoal
Como é sabido, desde 01/12/2022, o STF já reconheceu que a Revisão da Vida Toda é constitucional e garantiu aos beneficiários do INSS  a recomposição das perdas que tiveram quando o cálculo dos seus benefícios foi limitado às contribuições posteriores à julho/1994. 

Entrevistas

Enegrecer a Justiça é uma agenda irreversível, enfatiza advogada baiana indicada para o TSE
Enegrecer a Justiça é uma agenda irreversível, enfatiza advogada baiana indicada

Baiana, natural de Livramento de Nossa Senhora, no Sertão Produtivo, a advogada Vera Lúcia Santana Araújo compõe pela segunda vez a lista tríplice para a vaga de ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e foi defendida por movimentos sociais e de juristas para o lugar de Rosa Weber no Supremo Tribunal Federal (STF). 

 

Com a carreira construída em Brasília, tendo se mudado para a capital federal aos 18 anos onde se formou em Direito, Araújo defende que “enegrecer” o sistema de Justiça é uma “agenda irreversível”. 

 

Em entrevista ao Bahia Notícias, a advogada pontua a falta de representatividade não apenas no TSE e STF, mas em todo o sistema de Justiça. “Benedito [Gonçalves] entrou no STJ foi no governo Lula e continua sendo o único. Não tem nenhum tribunal, nenhum Tribunal Regional Federal que tenha uma desembargadora federal negra. Só tivemos até hoje a desembargadora federal negra, a desembargadora Neuza [Maria Alves], daí da Bahia, no TRF-1. Você não tem no Ministério Público Federal um único negro no país”, critica. 

 

Integrante da Associação Brasileira dos Juristas pela Democracia (ABJD), Vera Lúcia consolidou a sua carreira no Direito com forte atuação no campo político, especialmente nos quadros do governo federal. 

 

Ao BN, a advogada fala da sua trajetória e sobre a expectativa de poder compor uma bancada histórica no TSE ao lado da ministra substituta Edilene Lôbo - a primeira mulher negra no cargo. “O que significa isso? Se o presidente Lula me nomear para o TSE, ter a possibilidade de compor uma bancada histórica, duas ministras, ainda que substitutas, mas duas ministras substitutas negras do Tribunal Superior Eleitoral pela primeira vez… De novo estarei escrevendo a história”.

 

A senhora é advogada, neta de lavadeira, filha de professora, nascida em Livramento de Nossa Senhora, sudoeste da Bahia, ativista de movimentos sociais, ligada a movimento de mulheres negras e de juristas pela advocacia, tem mais de 40 anos de atuação como jurista, foi para Brasília aos 18 anos para estudar e vive na capital federal desde então. O que dessa sua história de vida e trajetória acadêmica dizem sobre o seu fazer jurídico?

Eu acho que eu estar a longo de todo esse tempo atuando como advogada privada e igualmente atuando na esfera pública, em cargos importantes de função jurídica e também em cargos de gestão, naturalmente que tudo isso me deu um aprendizado que vai para muito além do aprendizado dos livros, dos tempos acadêmicos, na medida dessa articulação entre o saber e o praticar do direito, o operar, a materialização de direitos. Então, a minha história é marcadamente destacada, eu acho, que por esse recorte de uma execução material do que é o direito. Acho que diz muito sobre isso. 

 

Ter essa vivência social, a sua experiência acadêmica diferencia a senhora em algum sentido?

As minhas escolhas se deram sempre muito em torno de projetos políticos coletivos, projetos políticos de formulação, de execução de políticas públicas. Por exemplo, eu fiz um mestrado. Quando eu estava no mestrado de Política Social aqui na UNB [Universidade de Brasília], foi na época da elaboração da Lei Orgânica do Distrito Federal - o Distrito Federal a gente só veio a ter representação política a partir dos anos 90. Resultado: eu fui convidada para trabalhar na assessoria de um parlamentar exatamente pela minha formação jurídica, pela experiência porque eu já tinha sido também do Parlamento, na criação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar. Ao mesmo tempo dei uma contribuição muito grande, inclusive tendo sido a primeira coordenadora da Comissão Permanente de Direitos Humanos da Câmara Legislativa. Então assim, eu sempre fui muito estudiosa, sempre gostei muito de ler, desde Livramento. Durante a faculdade aqui em Brasília, eu fiquei amiga de todas as senhoras que trabalhavam na biblioteca do Ministério da Justiça, porque às vezes eu passava o dia inteiro na biblioteca do MJ estudando e dando concretude a isso dentro do meu trabalho. Então, assim, digamos que eu ia fazendo uma coisa meio que autodidata no sentido de estudar Direito Administrativo e tal, no tempo em que advogava mais como advogada privada. Depois, em 1993 eu fui aprovada na seleção do mestrado da Faculdade de Direito de Florianópolis, Santa Catarina, e era o auge daquele debate sobre direito alternativo, então fazer mestrado em direito alternativo, era um sonho de todo profissional do campo progressista. E aí fui aprovada, a gente tinha toda já uma demanda de organização, à época eu já filiada ao PT, fui fundadora do PT, e para organizar, como eu já fazia a coordenação jurídica das campanhas do PT, mas assim dispensar uma campanha mais robusta que foi a campanha do Cristovam Buarque, quando a gente elegeu o Cristovam primeiro governador do PT do Distrito Federal. Resultado: eu não fui nem para fazer minha matrícula lá no mestrado e aí é um capítulo da minha vida que eu acho que eu fiz a coisa certa, porque eu fui consultora jurídica do gabinete do governador ao longo dos quatro anos e, sabidamente, nenhum mestrado, não para desqualificar a academia, mas enfim o meu aprendizado de Direito, de vida de política, de gestão na consultoria jurídica de um governador do Partido dos Trabalhadores que tinha como presidente, ou seja, o governo central que era do Fernando Henrique [Cardoso] à época - nós éramos um governo de oposição -, era um exercício extremamente desafiador e, por óbvio, a exigir e saber jurídico que desse sustentação, robustez, segurança jurídica às políticas do governo, que realmente foi assim a minha grande escola, foi efetivamente a minha grande escola jurídica. Então eu acabei fazendo sempre essas escolhas de executar o direito, operar com o direito, embora eu goste, já participei, já ajudei na concepção, inclusive, de cursos pontuais com operadores do Sistema de Segurança Pública, que é uma área que naturalmente me atrai muito. A questão dos direitos humanos num país onde o racismo impera, como é aqui no Brasil, por óbvio, que me afeta profundamente. E aí eu adoro elaborar, fazer, participar, compor cursos especiais para formadores, mas esse ano eu me projetei para uma vida acadêmica como professora, então as minhas escolhas acabaram ficando muito marcadas por esse pragmatismo de operação com o direito.

 

Agora falando sobre o STF, a senhora teve seu nome defendido por movimentos sociais e organizações de advogados para ocupar a vaga deixada por Rosa Weber. A indicação de uma mulher negra é uma pauta que vem sendo debatida e cobrada do governo Lula durante meses. A que a senhora atribui esse apoio? 

Quando no ano passado o Supremo Tribunal Federal me incluiu, e aí fui a primeira jurista negra a compor uma lista tríplice do Supremo para o Tribunal Superior Eleitoral, o fato de ser primeira acabou trazendo luzes para a ausência de representatividade negra e especialmente de mulheres negras na composição do sistema de Justiça, com destaque do Poder Judiciário. Isso criou naturalmente a expectativa de que eu pudesse ir para o TSE, que também todo mundo sabia que seria muito difícil dado o contexto político daquela época. Quando nesse ano algumas pessoas começaram a trazer à tona essa reflexão e aí os ministros do Supremo Tribunal, ministra Rosa Weber, ministro Edson Fachin, isso foi ganhando corpo, acho que fez eco junto à sociedade, meu nome surgiu, embora não por uma reivindicação, postulação minha, efetivamente não foi, muito pelo contrário. Mas, assim, digamos que era um nome muito natural em virtude do processo anterior, foi o meu nome que trouxe um pouco o processo. Supremo/TSE foi o que trouxe luzes para isso, então era meio que natural que meu nome emergisse. Inclusive quando o meu nome começou a circular foi por uma nota de um jornalista que sequer tem uma relação, então assim, digamos, foi muito natural para olhares externos e aí depois foi ganhando corpo e a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, que eu integro, entendeu que encampar de verdade essa agenda só faria sentido tendo um nome. Foi muito natural, muito tranquilo de que recaísse sobre mim essa indicação, daí foi que eu efetivamente fui colocada no processo, mas não por uma auto candidatura. 

 

Quero compreender da senhora o que representaria para o Supremo e para a sociedade brasileira 130 anos após a criação do STF ter uma mulher negra entre aqueles 11 ministros ocupando uma cadeira independentemente de ser a senhora ou não?

Primeiro, há que ser um perfil de uma representação democrática, assentada numa construção jurídica construída coletivamente também pelos movimentos sociais, pelos debates sobre o racismo no Brasil. Por quê? Porque a prestação jurisdicional do Brasil, toda ela, em qualquer área que você investigue, estude, tem essa clivagem da seletividade racial fazendo sempre a menor, quer pelo acesso quer pela decisão. E aí eu não digo somente na área criminal, que é a mais evidente, diante de um encarceramento em massa que é da juventude negra. Junto com isso você tem a impunidade dos agentes do Estado, dos avanços policiais que matam os negros e que tem a impunidade, significa que há cumplicidade do sistema de Justiça. Você tem na questão da reparação, por exemplo a reparação por danos morais você faça qualquer pesquisa em qualquer tribunal, vai identificar que para os mesmos casos, mesmo que seja numa relação de consumo, a indenização para as pessoas negras é sempre menor. Nossa moral, nossa dignidade humana vale muito menos do que a do branco, então você levar essa reflexão no operar do direito, no interpretar e aplicar a lei e, especialmente, o Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição Federal que tem a dignidade humana como o princípio fundante da própria República, a diferença que isso vai fazer é incomensurável. É para passar a julgar a favor de  A ou B? Não, não se trata disso. É de efetivamente levar um olhar que obriga o pensar sobre as diversidades, é você levar matrizes e referenciais teóricos também diferenciados. Me recordo que quando do julgamento da lei de cotas das universidades públicas, da constitucionalidade daquela política, que o ministro Joaquim Barbosa ainda estava no tribunal e de o ministro Gilmar Mendes ter declarado naquela sessão que aprioristicamente ele tinha uma posição contrária, mas foi o debate, o olhar trazido, levado, compartilhado pelo ministro Joaquim que é negro, que foi que alterou a percepção dele sobre essa questão. Então, assim, é manifesto e tem como legítima a presença de mulheres nos tribunais, e hoje a gente tem de maneira crescente, mas são sempre mulheres brancas. Por que não se entende que o olhar da mulher negra é diferenciado, até porque são experiências muito diferentes? Então o distanciamento das realidades que a elite branca leva para composição do sistema de Justiça, por óbvio que emprenha a interpretação jurídica a partir dessas experiências. Se você pega em Salvador uma pessoa branca, uma mulher branca que nasceu na Graça, que nunca pegou um ônibus para chegar até Itapuã, que não sabe o que que é a insegurança de uma escola pública, a falta de professor, a própria formação escolar educacional lá, vai fazendo o recorte em que o limite do convívio que essa pessoa tem com a realidade do mundo negro é com a empregada doméstica, é com o secto doméstico, muitas das vezes sem sequer ter uma carteira assinada. Na hora que essa mulher branca ou homem branco, mas aí fazendo o recorte mesmo de gênero, independente de ser magistrada na Justiça do Trabalho ou na Justiça comum ou vá para o Supremo Tribunal Federal, então a absoluta insensibilidade dos gravames que é a carência material, o que é o viver da discriminação racial em que muitas vezes a pessoa não te fala meia palavra e simplesmente te discrimina, marcadamente te discrimina. Todos esses debates você faz levando a sua carga existencial. A imparcialidade do magistrado, da magistrada é um preceito constitucional democrático do ponto de vista pessoal. Quando se fala da imparcialidade da magistratura é para leitura interpretativa e aplicação do direito, não é um desprovimento da existência humana. Quer dizer, o meu pensar sobre qualquer assunto, assim como o seu, de qualquer juiz, juíza, é marcado pelas próprias realidades. 

 

Aliada a essa discussão com recorte de gênero e raça, a senhora acredita também que é preciso pensar numa indicação de uma mulher negra que seja ligada ao campo progressista ou isso não faria diferença?

Faz toda a diferença. Eu não tenho nenhum interesse em ter um negro ou uma negra que não tenha esses compromissos democráticos para sacralizar um sistema racista, como o que a gente vive. Não me interessa ter uma promotora de justiça, e aí é importante acrescentar o seguinte, eu tenho batido nisso: esta pauta é irreversível. E quando eu digo que ela é irreversível, não é se o Lula agora não nomear não vai importar no sentido de que isso não vai arrefecer essa agenda. A agenda do enegrecer o sistema de justiça é irreversível. Agora, não me interessa ter uma desembargadora negra que seja antidemocrática, que nega a existência do racismo e que venha vaticinar uma meritocracia porque de repente ela passou no concurso e não fez uso de cota. Quer dizer, esse pensamento não constrói e não avança. Então, essa pauta que é coletiva, que para mim é uma pauta coletiva, ela se assenta nesse laço, na construção democrática. Acho que a representação legítima tem sim um recorte ideológico, não obrigatoriamente partidário no caso do sistema de Justiça, mas ideológico no sentido deste compromisso, desse patamar. É desse ponto de partida que eu saio, é daí que eu me projeto, então fora desse campo não me interessa. Muito pelo contrário, eu acho que atrasa, inclusive, as pautas da negritude, da existência do povo negro.

 

Foto: Arquivo pessoal

 

Como a senhora acredita que esse debate pode sair da bolha da militância e chegar à massa, à sociedade civil de um modo geral, para que de fato seja compreendido o verdadeiro significado de ter uma mulher negra ocupando uma vaga de ministra do STF?

Eu acho inclusive que isso tem saído um pouco, até porque muitas de nós que têm tido nomes lembrados, projetados para isso, temos origens nas classes populares, somos filhas de trabalhadores, operários - meu pai era garimpeiro -, então isso naturalmente acaba por levar até os grandes rincões, grandes no sentido das quantidades. Nossa Bahia, o fato de eu ser de Livramento fez repercutir no interior do estado. Acaba rompendo a bolha. Eu não conheço nenhuma jurista negra que tenha nascido nas classes abastadas. 

 

Falando sobre a questão do TSE que a senhora, como já adiantou, compõe pela segunda vez essa lista tríplice, inclusive, ao lado de uma outra baiana, Daniela Borges, presidente da OAB e uma mulher branca. Como a senhora recebeu novamente esta indicação e a possibilidade de ser a segunda mulher negra no TSE?

Pela segunda vez o Supremo Tribunal Federal trazer meu nome para essa cena, só reafirma uma responsabilidade com esse meu papel de representatividade nesse ambiente jurídico que é tão marcadamente branco e branco masculino. Isso, assim, digamos, alimenta o ego um pouquinho, mas acima de tudo reforça a minha responsabilidade política, social com o impacto disso. O que significa isso? Se o presidente Lula me nomear para o TSE, ter a possibilidade de compor uma bancada histórica, duas ministras, ainda que substitutas, mas duas ministras substitutas negras do Tribunal Superior Eleitoral pela primeira vez…De novo estarei escrevendo a história. Então, recebi com muito orgulho e com esse peso dessa responsabilidade, o que também ao mesmo tempo elevou a visibilidade do meu nome para essa agenda do próprio Supremo. Se eu tiver que me definir por uma única palavra, me definir como pessoa cidadã, jurídica, mulher negra, ativista profissional do direito, se eu pudesse usar uma: institucionalidade. O fato de não ser de origem dominante, nem da raça nem da classe dominante, me fez ter sempre um senso de institucionalidade desse ambiente que é o meu universo de trabalho, que acaba sendo também o meu universo de convívio social em boa medida, me imbuiu muito essa responsabilidade que eu tinha que ter responsabilidade, de não poder errar, não vacilar, então, assim, ter trabalhado como advogada, jurista na esfera pública em governos em que eu era assumida e declaradamente de oposição. Por exemplo, no governo Fernando Henrique eu fui coordenadora jurídica do Departamento Nacional de Trânsito no momento muito peculiar da implantação do novo código de trânsito. Eu fiquei nessa função por cerca de três anos, eu passei por nove diretores do departamento e cinco ministros da Justiça, porque na época o Denatran era vinculado ao MJ. E eu era filiada ao Partido dos Trabalhadores e todo mundo sabia, eu era dirigente partidária, já fui delegada do PT junto ao próprio TSE. Isso fazia com que eu exigisse de mim níveis muito absurdos de cuidado com o meu trabalho e como chefe eu tinha que responder pelo trabalho de toda a equipe, então isso fez de mim uma profissional sempre muito exigente, muito criteriosa. Com esse senso de institucionalidade muito forte. E também precisamos ter a tranquilidade de saber entrar e sair desses espaços, sem deixar mágoas, sem pisar em ninguém, sem atropelar nenhum processo, respeitar todas as pessoas pelas quais eu passo. Enfim, então estou vivendo com muita tranquilidade esse processo.

 

A senhora falou sobre a construção de uma bancada histórica. É sobre também garantir que esse espaço não seja um espaço único, ocupado por um único negro ou uma única negra sempre?

Essa semana o ministro Benedito Gonçalves, que tinha assento como STJ, venceu o período e assumiu uma ministra branca. Isso significa que a gente vai ter, sei lá, um século mais para ter um ministro negro no STJ até chegar ao ponto de ter assento no Tribunal Superior Eleitoral, vai ser coisa assim sei lá de quantos anos, projetando no futuro. Porque não tem um único. Benedito entrou no STJ foi no governo Lula e continua sendo o único. Não tem nenhum tribunal, nenhum Tribunal Regional Federal que tenha uma desembargadora federal negra. Só tivemos até hoje a desembargadora federal negra, a desembargadora Neuza [Maria Alves], daí da Bahia, no TRF-1. Se você projeta, de pensar em perspectiva, essas projeções são funestas. Você não tem no Ministério Público Federal um único negro no país, um procurador da República negro ou um subprocurador, não temos. Então, assim, tudo deu errado nesse país, tudo deu errado porque esses níveis de desigualdade não podem ser naturalizados. Ou você se investe da vontade política, do compromisso político de dar concretude e materialidade à Constituição Federal, ou ela vai continuar sendo uma letra morta. Tomo até muito cuidado na hora de usar a palavra nação, porque eu acho que a gente nunca constituiu uma nação. Eu não posso pensar que uma nação seja essa expressão de exclusão que é a realidade brasileira. A gente tem o território, a gente tem o povo, a gente não tem exatamente uma unidade nacional, porque senão eu tenho que concluir que a unidade nacional é para exterminar o povo negro. Porque as margens de exclusão, de marginalização, de miserabilidade que nos impõem são muito cruéis, são muito perversas.

 

A senhora fez projeções. Se pudesse idealizar o sistema de Justiça brasileiro ideal para os próximos anos, qual seria? Se puder definir, partindo desse princípio.

Em termos ideais e a utopia existe exatamente para que a gente persiga, para que a gente busque a idealidade, nós somos 56% da população brasileira. Então, por que eu tenho que ser tão sub representada? Tão sub representada que não chega nem no tracinho, aquela coisa da pesquisa. Porque é disso que se trata, não da minha perspectiva e minha prospecção de futuro. 

 

Para finalizar eu queria que a senhora comentasse sobre o trabalho desenvolvido junto à Associação Brasileira de Juristas pela Democracia.

A ABJD é uma entidade muito inovadora. Primeiro, porque ela reúne todos os segmentos das carreiras jurídicas, a partir do estudante. Ela tem essa singularidade pela pluralidade. É a única que reúne de fato todos os segmentos. A gente tem uma organização horizontalizada. E é uma entidade que nasceu exatamente por uma demanda, por uma real necessidade de defesa do Estado democrático de direito, contra o golpe que depôs a presidenta Dilma em 2016. Nós fizemos uma campanha belíssima, a campanha “Moro Mente”, denunciando os crimes da Lava Jato, os abusos e arbítrios da Lava Jato, as ilegalidades da prisão do presidente Lula. Então, é uma entidade naturalmente desvinculada de qualquer partido político, mas que se colocava dentro dessa pauta porque a defesa da liberdade do presidente Lula era a própria defesa do Estado democrático de direito, diante das fragrâncias que víamos naquele processo forjado para prender o Lula e tirá-lo do processo eleitoral, como se consolidou. Quando a gente viu culminando com o reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal das ilegalidades cometidas pela ausência da imparcialidade do juiz [Sergio] Moro, ou seja, a parcialidade que o fazer ativo do juiz Moro, em articulação com membros do Ministério Público, da Polícia Federal, para forjar situações, provas para fazer prisões, forçar delações que somente eram aceitas se pudessem implicar e responsabilizar o presidente Lula, a ABJD se tornou uma entidade central nesse debate, nessa articulação de força em defesa da democracia. Então fazer parte desde o nascedouro da ABJD é uma coisa que me envaidece. Muito me orgulha. 

 

Quais os impactos que a senhora acredita que a ABJD deu tanto no mundo jurídico quanto na relação do sistema Justiça com a política?

Eu não chamaria de relação da Justiça com a política. Óbvio, a democracia é intrinsecamente um fazer político. O Estado democrático de direito é o espaço jurídico-político que você dá ao país. O Brasil é um estado democrático de direito, então é o espaço jurídico-político que se confere ao país. Então, assim, a política no sentido do exercício da cidadania, da democracia e da nossa função estatutária, mas não o político com qualquer espécie de recorte partidário, daí a importância é tamanha que, por exemplo, hoje, a gente tem o julgamento de uma ADPF no Supremo Tribunal Federal, a 973, que debate o Estado racista que é o Brasil e a demanda da promoção de políticas de combate a esse racismo, e a ABJD se somou ao processo como amicus curiae. Ou seja é um enraizamento, entrelaçamento com o movimento social negro, com a Coalizão Negra por Direitos, e por sermos juristas não nos limitamos ao universo da organização do sistema de Justiça. Nós somos uma entidade democrática, exatamente, porque postulamos a efetividade do exercício da cidadania, o respeito à dignidade humana. Esse trabalho que a gente tem em questão conjunta com o MST, com as várias organizações progressistas democráticas, o Fórum Social Mundial, Justiça e Democracia, a gente tem um diálogo muito articulado com todas as forças vivas e defensoras do Estado democrático de direito. 

“É o momento do MPT mostrar o seu serviço e a sua utilidade”, defende novo procurador-chefe
Foto: Paulo Victor Nadal / Bahia Notícias

Procurador do trabalho desde 2010, Maurício Brito assumiu o posto de procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho da Bahia (MPT-BA) em 1º de outubro e foi empossado no cargo no dia 18. Ele exercerá o mandato de dois anos (2023-2025) à frente do órgão, e em conversa com o Bahia Notícias detalha alguns dos planos e desafios da sua gestão. 

 

Uma das metas é reforçar e ampliar a equipe durante o seu biênio. Segundo Brito, cinco novos procuradores deverão ser convocados, já a seleção de outros servidores dependerá da definição da nova chefia da Procuradoria-Geral da República (PGR). "Com relação a procuradores, temos uma boa notícia. Foi uma lei aprovada, ano passado, que criou o cargo 70, 100, no Brasil e teremos cinco novos, no biênio, na minha gestão”, indica. 

 

Ainda no âmbito institucional, a ideia, a partir do reforço da equipe, é intensificar a atuação no interior do estado. Atualmente, o MPT-BA possui promotorias em oito municípios: Salvador, Barreiras, Eunápolis, Feira de Santana, Itabuna, Juazeiro, Santo Antônio de Jesus e Vitória da Conquista. 

 

 

Uma outra prioridade, de acordo com Maurício Brito, é a atuação na área da segurança pública: com a garantia dos direitos trabalhistas para os agentes do setor e a ressocialização de pessoas presas e egressos do sistema prisional por meio do trabalho. 

 

Conforme Brito, existem muitos “pontos sensíveis” comuns entre o MPT-BA e a Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA). “Desde as condições de trabalho internas, nas delegacias, a estrutura da própria delegacia, imobiliário…A gente tem a saúde mental do policial. As pessoas veem o policial ali, muitas vezes, como um heroi ou até como um vilão, e a gente vê como trabalhador”, comenta. 

 

“E a questão do sistema prisional, que talvez hoje seja uma das grandes atuações que nós temos no MPT, a gente busca que presos e egressos do sistema prisional tenham trabalho. A gente quer a cidadania dessas pessoas para o trabalho”.

 

 

No cenário em que a Bahia lidera no Nordeste a lista suja dos empregadores do Ministério do Trabalho e Emprego e onde mais de 360 pessoas em condições de trabalho análogo à escravidão foram resgatadas, somente no primeiro semestre deste ano, a atuação para a erradicação da escravidão contemporânea seguirá sendo prioridade. 

 

Neste terceiro bloco, Maurício Brito, fala das atuações do MPT e do planejamento para os próximos dois anos. 

 

 

Quando se fala em escravidão contemporânea, os trabalhadores e trabalhadoras domésticas figuram entre as principais pessoas afetadas. Mas o que configura o trabalho análogo à escravidão no ambiente doméstico? Quais os direitos e deveres envolvidos nesta relação? Por quais motivos ainda é difícil se fazer cumprir a legislação trabalhista em vigor desde 2015?

 

Esses e outros questionamentos, o procurador-chefe do MPT-BA responde neste quarto bloco. “É uma atuação que tomou corpo rapidamente no último biênio no Ministério Público do Trabalho. A gente acha que ainda vai continuar crescendo, porque a partir do momento que se houve a apuração de um e a repercussão na mídia, outras pessoas, outros casos foram aparecendo”. 

 

 

 

Ao se fazer um recorte de perfil dos trabalhadores resgatados e vitimados por essas condições degradantes de trabalho, percebe-se que a maioria são pessoas negras e de baixa renda. 

 

No entanto, Brito ressalta que “a questão racial perpassa por todos os debates no mundo do trabalho, não apenas a questão de trabalho escravo”. 

 

A fala do procurador-chefe endossa uma ação recente do MPT-BA, com o acordo judicial de R$ 20 milhões fechado com o Atakarejo Distribuidor de Alimentos e Bebidas em reparação à morte de Yan Barros e Bruno Barros, de 19 e 29 anos – dois homens negros –, após furto de carne na unidade de Amaralina, em Salvador. O valor será pago ao Fundo de Promoção do Trabalho Decente (Funtrad), do Estado da Bahia, para custear, preferencialmente, iniciativas relacionadas ao combate do racismo estrutural.  

 

 

Neste último bloco, Maurício Brito pontua os principais obstáculos enfrentados pelo Ministério Público do Trabalho diante das novas relações trabalhistas. A pandemia de Covid-19 antecipou e concretizou quadros, a exemplo do teletrabalho e dos aplicativos. Dados divulgados recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmam que o país1,5 milhão de trabalhadores de aplicativo. “O mundo do trabalho mudou e nós também precisamos mudar. Infelizmente, a mudança da legislação não ocorre tão rápido quanto muda o mundo do trabalho”, diz. 

 

Paralelo a isso, em 2023 a reforma trabalhista completa seis anos e em torno da legislação há um debate para revisão de alguns pontos.

 

 

Aposentadoria foi calculada errada? Saiba como identificar erros do INSS e pedir a revisão
Foto: Paulo Victor Nadal / Bahia Notícias

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) costuma cometer erros nos cálculos de aposentadorias e, com isso, diversos trabalhadores podem ter o valor do seu benefício reduzido ou até mesmo negado. Mas quais são os principais erros? Como identificá-los? Como cobrar essa correção?

 

Essas e outras perguntas o advogado Eddie Parish, presidente da Comissão de Direito Previdenciário da seccional baiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA) e sócio do Parish & Zenandro Advogados, escritório especializado em causas contra o INSS, responde em entrevista ao Bahia Notícias. 

 

Neste primeiro bloco, Parish aponta para os erros mais comuns cometidos pelo INSS. Tudo começa pelas informações contidas no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS). O CNIS reúne todos os dados sobre vínculos empregatícios, remunerações e contribuições previdenciárias da vida profissional de qualquer trabalhador. Neste ponto, como destaca o advogado, os erros têm sido provocados, principalmente, pela automatização do sistema previdenciário nacional. 

 

“Existem muitas falhas no CNIS. Por quê? Porque a empresa sonegou, pagou errado ou porque não registrou o trabalhador”, detalha. “E aí o CNIS começa a ter vários buracos. Então, esse documento eletrônico que deveria ter toda a sua vida laboral, ele tem falhas, porque ele é alimentado por um cruzamento de dados”. 

 

Entre esses erros estão a desconsideração de período de trabalho contido na carteira, dos valores corretos dos salários, a não soma dos salários de quem trabalhou em dois ou mais lugares ao mesmo tempo, e até a não identificação da melhor regra para aposentadoria. 

 

 

 

No segundo bloco, o advogado destaca outro erro comumente cometido pelo INSS: a desconsideração de períodos especiais trabalhados em condições nocivas à saúde. Reconhecer este ponto pode acrescer no tempo de contribuição dos trabalhadores que foram expostos à condições de risco, como produtos químicos. 

 

“É o tempo em que o trabalhador exerce sua função sob condições especiais, ou seja, que estejam expostos a agentes nocivos que agridem a sua saúde”, reforça. 

 

 

Sabendo quais podem ser os erros, no terceiro bloco Eddie Parish orienta como identificar os equívocos no cálculo da aposentadoria, seja trabalhador autônomo ou de carteira assinada. O advogado também aponta para a necessidade de os trabalhadores manterem toda a sua vida profissional documentada e arquivada, seja digital ou fisicamente.

 

 

 

Para finalizar, no quarto e último bloco, o especialista alerta para o prazo de revisão do cálculo e a importância do planejamento previdenciário para quem ainda não se aposentou. 

 

“A gente carece de educação previdenciária. Se você perguntar aos jovens o que é o INSS, como é que faz, acho que a grande maioria nem sabe; sabe que é algo do governo, sabe que paga uma aposentadoria, mas acha que não vai precisar daquilo. Então, é sempre importante a gente estar trazendo as dúvidas ainda que repetidas para que a gente possa de formiguinha em formiguinha ir trazendo a educação previdenciária para todo mundo, para que as pessoas possam entender a importância desse órgão”, pontua.

 

 

Diversificar o judiciário pode impactar nos julgamentos de casos de violência de gênero, aponta diretora da Tamo Juntas
Foto: Gabriel Lopes / Bahia Notícias

De acordo com o Anuário do Fórum Brasileiro da Segurança Pública no ano passado, 245.713 casos de violência doméstica foram registrados no Brasil. O aumento dos números reforça a necessidade em torno do debate da violência de gênero. E como o poder judiciário tem papel nessa discussão?

 

A advogada e diretora da Tamo Juntas, Letícia Ferreira, conversou com o Bahia Notícias sobre os avanços, obstáculos e desafios no combate à violência doméstica e familiar. A ONG, fundada em Salvador em 2016, atua diretamente na proteção a mulheres vítimas de violência e com ações preventivas, numa perspectiva multidisciplinar. 

 

Sobre o sistema de Justiça, Ferreira comenta a instituição do protocolo para julgamento com perspectiva de gênero, a derrubada da legítima defesa da honra e a urgência de ter um judiciário mais diversificado, com a presença de mais mulheres, pessoas negras e outras representações. Para a advogada, a pluralidade nos membros dos órgãos que compõem a Justiça brasileira também podem refletir nos julgamentos dos casos de violência contra mulher. 

 

Mesmo com a intensificação de campanhas e abordagens sobre o tema, os índices de violência contra a mulher no Brasil apresentaram alta em 2022, como apontou o Anuário do Fórum Brasileiro da Segurança Pública divulgado em junho deste ano – principalmente os casos de estupro e feminicídio. Nos casos de violência doméstica, foram 245.713 registrados no último ano. Como acredita que o sistema de justiça pode trabalhar em conjunto com as forças de segurança, o executivo e legislativo para reverter este cenário?

 

Eu acho que é importante a gente pensar em estruturas que visem uma rede de atendimento de proteção para além somente da responsabilização criminal. O que nós temos incidido muito é que essa rede de proteção pode evitar feminicídios, pode fazer com que a violência cesse no estágio menos letal do que o que ela tem acontecido. Geralmente a rede de Justiça, a rede de segurança pública criminal vai atuar muito após o crime ocorrer, então a gente já tem um dano que a gente tem que dar suporte a essa vítima e a gente entende também os limites dessa responsabilização criminal, e do quanto isso não é reverberado de fato em uma diminuição dos crimes, das ocorrências de feminicídio. Eu particularmente acredito que além do sistema de Justiça e da segurança pública que agem após o crime, deve haver um reforço e uma prioridade no fortalecimento dessa rede de atenção, dessa rede de proteção que envolve assistência social, políticas de enfrentamento à violência preventivas, educação, mídia e comunicação, envolve também a ação de segurança pública e do Executivo sobre outras incidências que a gente percebe que incidem nesse aumento que é a liberação de armas. Quando a gente tem uma maior flexibilização na questão do porte de armas e na compra de armas, até dos clubes de tiro que estão bastante populares agora no Brasil, a gente está vendo um crescimento [dos casos de violência]. Outra situação que eu acho que a segurança pública e o próprio sistema de Justiça devem incidir mais fortemente é sobre a criação de grupos de ódio, grupos misóginos, esses ‘red pills’, como isso tem fomentado mais violência. Acreditamos que isso também é um ponto de incidência, que a gente possa atuar especialmente na prevenção e de forma integrada, compreendendo que não adianta somente penalizar e criminalizar esse agressor, que isso não tem tido uma função de diminuição dos crimes. Hoje a gente tem a Lei do Feminicídio, a Lei Maria da Penha já há 17 anos consolidada e a gente não consegue ver essa diminuição, e principalmente nos últimos anos tem visto um aumento. 

 

Dentro dessa lógica punitivista, se cobra muito a punição do agressor, mas a gente vê um índice de reincidência muito alto. Como assegurar a redução desses números de reincidência? Como vocês, atuantes nesta área, têm debatido o tema? 

 

Eu acho que a gente tem que trabalhar com ações preventivas, ações educativas, trabalhar numa perspectiva geracional da sociedade. Devemos incluir esse debate em escolas, no trabalho, nos diversos ambientes, e também desmistificar o que é a violência de gênero e a violência contra as mulheres, que ainda está muito centralizada na violência física e na ocorrência entre parceiros, ex-companheiros – que sim, representam hoje a maioria, mas a gente ainda tem muita violência invisibilizada. Muitas formas de violência acontecem e elas estão naturalizadas.

 

Patrimonial, psicológica…

 

É, patrimonial, psicológica. Estão naturalizadas nas relações familiares, nas relações afetivas e acabam não vindo à tona, e acabam só vindo à tona num momento mais gravoso, quando tem um feminicídio, uma tentativa de feminicídio. Então, eu acredito que também é importante que o sistema de Justiça reflita sobre a condução desses processos criminais, de como as vítimas se sentem nesses processos. Porque existe também uma centralidade nessa preocupação muitas vezes de condenação, e uma precarização de outras redes que dão suporte às famílias, à vítima. Tem uma série de consequências sociais da violência de gênero, no mercado de trabalho, que não têm a devida repercussão e que acabam revitimizando mulheres, e que também acabam perpetuando violências, a reincidência. A gente vai falar reincidência no Direito quando já tem uma condenação. Infelizmente, atualmente, a gente tem hoje ainda uma dificuldade da própria condenação porque os inquéritos são muito demorados, quando eles chegam no judiciário para se tornar uma ação penal muitas vezes quando as ações são crimes de ameaça, por exemplo, já estão prescritos e o Estado já não pode mais punir esses agressores. Então, até o próprio sistema de punição é falho pela precarização dessa rede de proteção.

 

Foto: Gabriel Lopes / Bahia Notícias

 

Acha que esse debate passa também por uma revisão do Código Penal? Seria necessário pensar isso ou não?

 

Eu não acredito. Eu tento deslocar o meu debate para outras formas de enfrentamento à violência, acho que no Brasil nós temos vários instrumentos repressivos e que, infelizmente, as reformas do Código Penal caminham sempre para o aumento dessa repressão, dessa função repressiva do Direito e eu não acredito que isso tenha surtido efeito, principalmente nessa seara. Acho que as prisões por descumprimento de medida protetiva são importantes, porque garantem a integridade física e psicológica da mulher, e de fato isso tem conseguido ter o efeito, digamos, mais simbólico da própria medida protetiva, reverbera melhor para que esse agressor cumpra a medida protetiva, sob o risco de ser preso em caso de descumprimento. Mas, eu acredito que o enfrentamento à violência contra a mulher vai passar muito mais por um trabalho em rede, por fortalecimento de serviços de proteção e de apoio, prevenção, educação, informações corretas e de acesso às políticas públicas do que a gente focar somente na função repressiva. E isso, eu acho que é amplo no Brasil. A gente sempre foca na repressão, no aumento de pena. O que a gente tem aí? Um superencarceramento que caminha também ao lado com uma violência que tem também crescido. Eu acredito que essa ineficácia vem justamente por essa centralidade na questão repressiva do direito sem se atentar que, principalmente, situações de violações de direitos humanos devem focar em prevenção, educação, informação, acesso e políticas sociais integradas. Então, que essa mulher possa recorrer ao sistema de Justiça, mas que junto com essa denúncia, essa ocorrência com a medida protetiva, ela também possa ter política pública de acesso a emprego e renda, de moradia e habitação, de acesso à informação. Acho que essas demandas precisam ser compreendidas em conjunto para que consigamos fazer um enfrentamento intersetorial, e em rede. O enfrentamento somente repressivo é falho e ineficaz. 

 

Segundo levantamento feito pelo Elas no Congresso, projeto da revista Az Mina, no Congresso há quase 20 projetos de lei em tramitação que propõem a suspensão do porte, a proibição da aquisição e apreensão de arma de fogo de pessoas com denúncia de violência doméstica ou contra a mulher; e projetos que entendem que a solução para a violência de gênero é armar as mulheres. Acredita que este é um caminho possível ou se trata apenas de mais uma lógica punitivista sem pensar nessa rede de apoio?

 

A lógica de privatização da vingança. Seria assim uma transferência desse poder punitivo até para um poder de vingança privada. Isso é um retrocesso civilizatório, porque quando você tem o Estado para mediar essas relações, que tem o poder repressor para fazer isso e o poder legislativo e a sociedade caminham para armar a população para se defender, nós estamos aí assinando um pacto anticivilizatório praticamente. As armas de fogo representam, isso também algumas pesquisas já trazem, um aumento da violência doméstica, um aumento das ocorrências letais de violência. Então, que nem as vítimas nem os agressores possam ter o acesso flexível a armas, porque o que tem se mostrado é que de fato isso piora as ocorrências letais que são aquelas que não existem mais possibilidade de fazer qualquer enfrentamento. Aí, só nos resta de fato punir os agressores, prender. 

 

Sobre a questão de julgamento, o CNJ já instituiu o protocolo para julgamento com perspectiva de gênero. No entanto, ainda existem relatos de má conduta de magistrados. Teve o caso de Mariana Ferrer e recentemente um juiz foi acusado de constrangimento durante audiência sobre assédio sexual, em Juazeiro do Norte. O que tem mudado na prática com a aplicação deste protocolo, tanto no processo judicial quanto no julgamento?

 

Eu acho que até o fato da gente ter conhecimento dessas situações é um sinal importante de mudança. A sociedade perceber que pode sim questionar a postura do judiciário, que o judiciário deve estar pautado pelo respeito, assim [pela] absoluta dignidade das pessoas que estão ali. A gente tem instrumentos de pressionar o judiciário e esses agentes da Justiça a se comportarem de forma condizente com respeito, integral dignidade das vítimas, que excluam situações vexatórias, constrangedoras. Acho que esse protocolo é um instrumento de algo que tem sido denunciado e que tem sido muito abafado. Porque a gente tem no sistema judicial, um sistema muito corporativo e que é muito difícil que você consiga fazer mudanças estruturais, um poder ainda majoritariamente masculino, branco, com pessoas com privilégios de classe, então você tem esses valores reverberados no sistema de Justiça porque são essas pessoas que tão ali conduzindo audiências, fazendo sentenças. Também acho que esse protocolo é uma mudança importante e ele é fruto dessas denúncias. Como o próprio CNJ que já é um órgão que foi um avanço no poder judiciário, porque ele proporciona que o poder judiciário tenha algum tipo de controle, que ele não só se autorregule, mas que também tenha uma regulação externa que é tão importante e necessária porque implica diretamente na vida das pessoas. Então o protocolo de gênero é um avanço, mas a gente ainda tem o desafio que ele seja cumprido integralmente. Acho que atualmente teve um avanço muito importante na defesa de direitos das mulheres que foi a proibição da tese de legítima defesa da honra. 

 

Esse é um outro ponto que eu ia entrar, a tese de legítima defesa da honra derrubada pelo STF no início do mês de agosto.

 

Isso assim, é um avanço histórico, importantíssimo, sabendo quantos feminicídios já saíram impunes historicamente no Brasil, quantos assassinatos de mulheres, quantas mulheres foram assassinadas e os seus algozes não tiveram qualquer resposta criminal com base na legítima defesa da honra. Como se a honra desse agressor fosse mais importante do que o valor da vida. Isso foi sendo combatido, denunciado já desde a década de 60, de 70 pelo movimento de mulheres e finalmente agora a gente tem uma previsão definitiva do STF quanto à legítima defesa da honra. Isso para nós é uma vitória.

 

Foto: Gabriel Lopes / Bahia Notícias

 

É um impacto bem grande… 

 

É um impacto muito grande, principalmente, no tribunal do júri onde são julgados os crimes contra a vida. Os feminicídios mais assassinatos de mulheres são julgados nessa via do Tribunal do Júri e ainda, infelizmente, a tese de legítima defesa da honra era muitas vezes aventada como uma autorização para que homens matassem mulheres em nome da sua própria honra. Isso era uma objetificação de mulheres, um desprezo pela vida das mulheres e que estava ali em muitos julgamentos sob o argumento da defesa plena. Então, a gente começa a ter uma baliza, uma régua melhor que vai considerar mulheres como sujeitos de direito, porque a gente tem esse processo político no sistema de Justiça que é que o sistema compreenda e atue na defesa de mulheres como sujeitos de direitos em iguais condições aos homens, e que essas desigualdades possam ser suplantadas. Mas para isso a gente precisa de ações, precisa do protocolo de gênero, proibir a legítima defesa da honra, precisa que os crimes de violência de gênero tenham prioridade de julgamento, de tramitação e que principalmente essas mulheres não sejam revitimizadas no sistema de Justiça porque isso afasta muitas mulheres. Quando uma mulher vê na televisão a Mariana Ferrer, aquela audiência, quantas vezes ela vai pensar antes de denunciar a violência sexual que ela sofre? É muito importante que a gente garanta um sistema de Justiça, um sistema de segurança pública, de proteção a mulheres que não revitimize e que considere que elas são sujeitos de direitos e iguais, em condições equânimes e que possam assim ter seus direitos protegidos e garantidos. Porque ainda é uma batalha, não está não colocada, não está posto.

 

Você chegou a pontuar o perfil das vítimas. A maioria delas é de mulheres negras, de baixa renda e pouca escolaridade. Do outro lado, no sistema judiciário temos a predominância entre juízes, defensores públicos, promotores, procuradores, desembargadores de homens, brancos e até com uma linha mais conservadora. Acredita que isto impacta no acolhimento das vítimas e, consequentemente, no julgamento dos casos de violência de gênero, doméstica e feminicídios?

 

Certamente. Eu acho que isso tem um impacto sim, ainda que a gente tenha o valor da imparcialidade para o judiciário, nós percebemos o quanto é difícil o enfrentamento diário nos processos, nas audiências. Aí a gente vai ver historicamente mesmo, institucionalmente, somente em 2022 a gente consegue instituir um protocolo de gênero, somente em 2023 a gente derruba uma tese de legítima defesa da honra que já foi legitimada por muitos juízes e pelo sistema judiciário ao longo do tempo. Então a gente tem um enfrentamento, inclusive uma luta recente do movimento de mulheres, do movimento de mulheres negras e do movimento negro, é que tenha uma mulher negra no STF e que elas possam também estar em diversos espaços e instâncias de poder do sistema de Justiça. A gente percebe que quanto maior a hierarquia do sistema de Justiça, quanto maior o posto hierárquico mais branco, mais rico, mais masculino se torna o sistema de Justiça. A gente tem já muitas mulheres, acho que até a maioria como advogadas, por exemplo, nas categorias de juízas de primeiro grau, já temos uma inserção, mas a gente percebe que quando o posto sobe você vai tendo uma menor representação até que ela se torna muito mínima. Isso sem dúvida impacta, impacta principalmente nessas ações que têm repercussão institucional, então num protocolo de gênero, numa derrubada de tese da legítima defesa da honra, quando a gente leva, por exemplo, a pauta dos direitos sexuais e reprodutivos para o STF. Quem está lá decidindo por nós? Quem é que pode falar sobre tantas mulheres que são vítimas? Que morrem em razão de abortos legais e inseguros no Brasil e não tem garantido isso? Muitas vezes não tem garantido nem o direito ao aborto legal, que é um direito também das mulheres garantido desde 1940. É um debate que muitas vezes essas pessoas que dependem do sistema público não vão conseguir travar, porque não têm condição de travar – seja pela proteção da sua vida, seja pela garantia de um direito que está estabelecido. Então, quando a gente começa a ter mais mulheres, mais negros e negras, mais pessoas que têm pertencimento da classe popular e conseguem entrar na hierarquia do judiciário, eu acho que maiores são as possibilidades da gente pluralizar, diversificar e trazer mais elementos para ações institucionais do sistema de Justiça. A gente não pode focar em decisões pontuais, mas numa mudança estrutural mesmo desse sistema que historicamente tem servido não para garantir direitos de forma equânime, mas tem servido para garantir e manter privilégios, e manter uma impunidade e ser insatisfatório na proteção e garantias de direitos humanos. É isso que a gente tem debatido, o sistema de Justiça precisa ser mais eficaz na proteção e garantia dos direitos humanos, não pode se ausentar, essa é a sua grande missão. A gente vai ver um sistema que super encarcera a população jovem negra periférica e ao mesmo tempo não tem impunes situações flagrantes de violação de direitos. Eu acredito que quanto mais a gente pluralizar, diversificar e trazer representatividade nesse judiciário mais possibilidade a gente tem de mudar esse quadro no Brasil.

 

A gente pontuou muitos problemas, mas é possível ter um raio-X positivo desde a sanção da Lei Maria da Penha, que se tornou uma grande referência, em 2006?

 

Acho que a gente tem sempre muitos problemas a apontar, mas é sempre bom apontar coisas positivas. A Lei Maria da Penha tem 17 anos, é um marco político, medidas protetivas têm sido concedidas, a gente tem avanços nesse sentido de poderem ser concedidas em prazo menor, no relato da mulher e da manifestação do temor pela vida delas já serem suficiente para conceder a medida protetiva, da desnecessidade atual de ter uma ocorrência policial pra ter uma medida protetiva, na implantação de centros de referência, de delegacias especializadas. As delegacias são desde a década de 80, mas a gente atualmente teve uma legislação que traz a obrigatoriedade dessas delegacias funcionarem 24 horas – uma luta para efetivar –, mas é um instrumento que a gente tem para cobrar isso. Então tem avanços sim no enfrentamento violência doméstica e familiar, se a gente pensar que antes da Lei Maria da Penha, muitas dessas agressões iam parar no Juizado e as sentenças eram cesta básica. E a Lei Maria da Penha veio para proibir, veio pra proibir que um agressor pague cesta básica como pena. A importância que esse tema tem tomado, os instrumentos que a gente tem avançado, ainda temos muito a avançar, principalmente nesse campo da prevenção, da educação, do enfrentamento nesse campo integrado, de diversas políticas públicas integradas e atuando nesse sentido, não só a segurança pública e o sistema de justiça criminal, mas uma integração que a Lei Maria da Penha propõe. Então, isso já é um avanço muito importante. Mesmo que os números agora tragam uma realidade preocupante que é do aumento, principalmente após pandemia, eu acho que isso também é contextual, é conjuntural do que a gente teve na pandemia, um desmonte dos serviços públicos. A gente teve um desmonte grave, uma redução imensa no orçamento desse serviço, da manutenção desse serviço e sem orçamento público que priorize o enfrentamento à violência doméstica. Nós não temos ações. Porque a sociedade civil se mobiliza, se organiza, a Tamo Juntas é um reflexo, é uma organização que faz isso, faz controle social, incidência, acolhe também mulheres, mas nós não somos o Estado. É o poder público que precisa providenciar centros de referência, assistência multidisciplinar a mulheres, abrigamentos especializados, que seja também núcleos reflexivos para agressores se for esse caso, enfim várias medidas, ações educativas, medidas que precisam ser priorizadas pelo orçamento público. Nós temos política pública, avanço e por que os números não avançam? Porque a gente teve uma queda de investimento nessas áreas muito grave, e esses serviços com a queda de orçamento, de investimento vão fechando, precarizando. A psicóloga tem uma lista de espera, porque só tem uma psicóloga, só tem uma Deam para atender vários municípios, a polícia não consegue ter uma estrutura para absorver as denúncias. A gente tem na Bahia 17 delegacias especializadas e temos 417 municípios. Temos três abrigos para mulheres em situação de violência, e 417 municípios. Temos pouquíssimas várias especializadas de violência doméstica. Então, essa falta de investimento reverbera nesses números. 

 

E para encerrar, no sentido de uma orientação mesmo, gostaria que dissesse porquê é importante essas mulheres buscarem os órgãos de justiça e como tem sido o tralho da Tamo Juntas nesses sete anos de atuação.

 

Nossas ações sempre estão aliadas em eixos da educação popular em direitos humanos, de dialogar com essas mulheres, de fazer rodas de conversas, materiais informativos, parcerias, justamente para não naturalizar as violências, despertar a identificação da violência. A gente sabe que identificar precocemente a violência é definitivo para evitar mortes. Nós queremos ter essa ação preventiva, oferecer o acolhimento sem essa perspectiva da revitimização, observando que é importante ter um acolhimento que seja empático, que seja na nossa perspectiva também feminista, acreditando que a violência nunca é culpa da mulher, nunca é responsabilidade da mulher. Desmistificando esse lugar, porque essa mulher precisa de proteção e apoio, e não de julgamento, não de sofrimento. A gente tem atuado nessa perspectiva de prestar assessoria individualizada para mulheres em situação de violência e vulnerabilidade social, mas também de fazer um projeto de diálogo, de conversa, de acolhimento, multidisciplinar, nossa organização é multidisciplinar. A gente entende também que a atuação no sistema de Justiça é muito limitada, de que a gente precisa ter um suporte sócio jurídico, psicossocial pra essa mulher, fazer com que essa mulher acesse políticas públicas e atravessar com ela um pouco essa trajetória que é de superar a violência.

“Um dos maiores gargalos é a quantidade de membros”, aponta novo presidente da Ampeb sobre atuação do MP
Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias

Presidente eleito e empossado da Associação do Ministério Público do Estado da Bahia (Ampeb), para o biênio 2023-2025, o promotor Marcelo Miranda mira na interiorização das ações e defesa dos direitos dos aposentados como suas principais bandeiras de gestão.  A Ampeb atualmente possui, segundo Miranda, cerca de 730 associados, sendo 540 membros da ativa mais aposentados e pensionistas. 

 

“Nesses dois anos, que nós estamos iniciando, vou dar uma ênfase muito grande aos colegas que estão no interior para que eles também se sintam amparados e da mesma forma os colegas aposentados”, pontua em entrevista ao Bahia Notícias.

 

Sobre o trabalho “na ponta”, dos procuradores e promotores, Marcelo Miranda afirma que um dos maiores “gargalos” é a quantidade de membros do Ministério Público. “Nós temos mais de 200 promotorias vagas”, sinaliza.

 

Marcelo Miranda ocupava o cargo de vice-presidente da instituição no último biênio e nesta entrevista também opina sobre a realização de concurso público, relacionamento com a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público e a instituição do juiz das garantias, ainda em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). 

 

O senhor compunha a última gestão, enquanto vice-presidente. O que, dessa vivência, pretende aplicar agora? E problemas, também, que não foram resolvidos que deseja solucionar?

 

A última gestão fez um trabalho muito bom no quis diz respeito à reestruturação da Ampeb, profissionalização, trabalho interno de organização, inclusive com a contratação de empresas de consultoria, de orientação realmente, de fazer com que a Ampeb se torne mais profissional. Então, a atual gestão vai dar continuidade, vai implementar todas as sugestões que foram colhidas através dessa empresa. Nós vamos profissionalizar a atuação. Isso implicará necessariamente numa melhor prestação de serviço aos nossos associados. Então, a gente vai poder otimizar os nossos esforços para poder justamente trazermos um serviço de maior qualidade. 

 

Profissionalização em sentido?

 

Por exemplo, aos associados, nós temos lá pessoal de odontologia e de fisioterapia. Na hora de você fazer o agendamento, isso aí, nós temos um público enorme da capital do interior, era feito de uma forma mais amadora. Nós vamos agora colocar sistemas que vão fazer de uma forma mais rápida, mais segura e fazendo inclusive, por exemplo, a estimativa de tempo que o profissional gasta com cada serviço que é agendado para que a gente possa utilizar o espaço com o maior número possível de associados sendo atendidos. Através da consultoria a gente conseguiu identificar que havia sim possibilidade de otimizar esse serviço, é um dos exemplos. Outra situação também no que diz respeito a parte financeira, de entender e programar os recursos que nós temos para utilizar com os nossos associados. A gente sempre fez isso de uma forma muito amadora, digamos assim, porque na verdade somos promotores de justiça que estão à frente de uma gestão e o conhecimento disso realmente não é nosso domínio. Agora que nós estamos com o resultado disso, vamos implementar. É praticamente uma continuidade de uma gestão onde vai haver melhorias como esta, por exemplo. 

 

Em relação às condições de trabalho, enquanto presidente da Ampeb, como avalia esse cenário hoje na Bahia, principalmente no que diz respeito à valorização dos promotores e procuradores de justiça? Quais seriam os principais gargalos para atuação? 

 

Nós temos uma preocupação muito grande com essa situação, inclusive quando tomei posse foi um dos pontos que eu fiz questão de abordar, porque temos diversos problemas no que diz respeito ao promotor e ao procurador de justiça que estão na ponta, que são aqueles que no exercício das funções, os que aparecem para a sociedade. Então, veja você, um dos maiores gargalos que nós temos hoje é a quantidade de membros. Nós temos mais de 200 promotorias vagas. Então, assim, quem está fazendo esse serviço? Você às vezes é de uma comunidade ‘xis’, que está lá no interior e não tem um promotor titular na cidade, mas tem um serviço do Ministério Público que é feito lá. É feito por quem? Por um colega que está lotado em outro [município]. Então, você vê uma sobrecarga de trabalho de alguém, colegas que não conseguem tirar férias, que estão de plantão nos finais de semana, dobrando e muitos acabam adoecendo. Esse é um trabalho que a Ampeb vai fazer com um pouco mais de atenção, para que, ao lado da Procuradoria Geral, a gente consiga levar membros para estes locais que estão desabrigados, digamos assim, e vamos também lutar por melhorias do serviço desse pessoal, seja através de equipamentos…Hoje a gente teve realmente uma revolução na área de informática, tem possibilidade de um promotor não estar na cidade, mas estar atendendo normalmente dentro da cidade, de forma remota, atendendo advogados, a própria comunidade, participando de audiências, despachando sem precisar estar ali. E a gente precisa buscar de forma criativa como suprir esse gargalo que é um dos principais ao meu modo de ver. 

 

Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias

 

E esse preenchimento de vagas, a realização de concurso público, já existe essa conversa com o governo estadual?

 

Existe sim. É sempre uma demanda recorrente dos colegas e da própria associação para que haja concursos públicos para preenchimento dessas vagas. O que acontece é que você esbarra sempre em uma limitação orçamentária. Daí é uma negociação com o legislativo, com o poder executivo para que a gente consiga realmente preencher o Ministério Público com as vagas que existem, que consiga prestar um serviço de melhor qualidade. O Ministério Público sempre buscou prestar um serviço de excelência para a sociedade e encontra esse gargalo muitas vezes não compreendido. Por que o Ministério Público não atuou aqui ou ali? Porque não tem, muitas vezes, o membro naquele local. A gente pode melhorar? Pode. De que forma? Nesse sentido sempre, preenchendo esses locais. 

 

O senhor tem esse número de quantos promotores tem hoje? Qual seria esse número ideal? 

 

O número ideal vai além. Hoje em atividade não tem um número preciso, sempre está oscilando, então em torno, digamos, de 500 e tantos da ativa, com 200 vagas, vai a 700. Teria 700 e poucos da ativa, isso, para dizer assim, para gente trabalhar de uma forma normal, dentro da normalidade. Mas, óbvio, que se for o ideal teria que ter um pouco mais. Por exemplo, organizações criminosas, quando se trata de segurança pública na Bahia, hoje tem uma questão de organização criminosa, nós temos dois promotores trabalhando em Salvador e região metropolitana inteira cuidando disso, ou seja, é uma demanda enorme, sobrecarrega esses profissionais. Para estar ali preenchido com dois já está numa situação de normalidade, mas é o ideal? Não, a gente teria que ter mais membros. A gente tem que usar de criatividade, porque sabemos que o orçamento não comportaria ir para o número ideal, mas tem que usar de criatividade para que possa trabalhar de uma forma que produza um serviço de qualidade. 

 

Agora falando sobre um julgamento que está no STF, a questão do juiz das garantias. Qual a opinião do senhor nesse sentido e de que forma acredita que a aprovação ou não pode impactar na atuação do Ministério Público? 

 

Na verdade, assim, há uma dificuldade de ordem prática na aprovação disso. É o ideal? É. Para que a pessoa leiga entenda, o juiz que está na produção da prova, em resumo seria assim, ele não pode participar da decisão da ação que vai tramitar para que ele não esteja de alguma forma contaminado com aquela ideia das provas que foram produzidas antes de uma ação tramitada. Hoje você vai no interior, tem vários lugares que não têm um juiz titular sequer para decidir as duas situações. Como não tem promotor para as duas situações. Então, trabalha com juízes substitutos, promotores substitutos. Pense que agora começar a ter que precisar de dois substitutos inevitavelmente, um para atuar de um jeito, outro do outro. Só que na teoria é muito bonito, na prática nós vamos enfrentar uma dificuldade enorme, talvez processos mais lentos por ausência de profissional para despachar. Essa é uma realidade que nós estamos observando que possivelmente acontecerá. 

 

Mas diretamente na atuação do Ministério Público, acha que pode interferir de que modo?

 

O Ministério Público demanda muito do judiciário. Então assim, vamos sofrer tanto como o resto da comunidade, porque vamos fazer os requerimentos e ter que aguardar o momento de termos aquilo que nós precisamos. Exemplo: o Ministério Público vai fazer uma operação e precisa de mandados de busca e apreensão na mão, precisa que o juiz autorize. Cada vez mais o judiciário restringe a possibilidade exatamente de um flagrante. Encontrar alguém com quilos e mais quilos de droga, e você vê os tribunais superiores anulando, praticamente exige um mandado de busca e apreensão. Você requer e quem vai despachar? “Ah, o juiz que julga não é o juiz que despacha, se ele despachar a ação fica parada esperando outro”. Ou seja, isso vai impactar inevitavelmente no Ministério Público. Quando se fala em meio ambiente, meio ambiente exige muitas medidas também judiciais, da mesma forma a produção de prova. 

 

O Ministério Público atua bastante nessa área criminal, mas nas outras questões ligadas aos direitos humanos, como é que o senhor tem avaliado essa atuação? 

 

A atuação do Ministério Público na área de direitos humanos tem sido bem expressiva, inclusive com as próprias associações. Veja que o Estatuto da Vítima, por exemplo, que se discute muito, teve uma participação muito grande do Ministério Público recentemente. Temos criados dentro do próprio Ministério Público centros de apoio que cuidam de direitos humanos, aí cuida de situações envolvendo a mulher, grupo LGBTQIA+, idosos, crianças, situações de vulneráveis de um modo geral, tecnicamente falando. Eles são todos abarcados. O Ministério Público vai muito além da parte criminal. A parte criminal, digamos assim, é a mais expressiva, é a mais antiga atribuição, mas quando você abre a Constituição o leque de possibilidade de atuação no Ministério Público é muito grande. Eu, quando passei no concurso e sentei numa mesa com os colegas, amigos próximos, todo mundo parabenizou, mas, pronto, o que um promotor faz mesmo? A maior dificuldade é dizer o que faz um promotor de justiça, porque você pensa em um problema tem que ter um promotor de justiça ali por força da Constituição. Se envolve improbidade, meio ambiente, criança, idoso, pessoa com deficiência, área de família, criminal, tudo tem atuação do Ministério Público. Então, assim, a atribuição é vasta, é grande. 

 

Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias

 

A Ampeb é filiada à Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, a Conamp. Como tem sido esse diálogo, relação? O que vocês têm proposto para a melhoria das condições de trabalho, da atuação do MP-BA? 

 

A Associação Nacional é formada por todos os membros que compõem as diversas associações do Ministério Público. A Ampeb, por exemplo, tem assento no conselho deliberativo da Conamp. Através de sua presidência ali representando os interesses dos associados na Bahia e está lá deliberando como todos os outros. Então assim, sempre nós vamos ter voz, ter poder de orientação e decisão. A gente contribui com todas as discussões que estão tramitando em Brasília, seja no poder judiciário nas altas instâncias, seja no Congresso Nacional, o Ministério Público, através de suas associações, também está lá acompanhando toda essa legislação que pertence ao dia a dia do promotor para que não haja retrocessos, para que não impliquem no serviço de pior qualidade. A gente busca sempre que a legislação, quando seja alterada, garanta os direitos que já vinham sendo preservados. 

 

Mas na prática como é que está o diálogo hoje, quais os principais temas têm sido debatidos entre Ampeb e Conamp? 

 

Temos temas de diversas ordens, um, por exemplo, de implicação direta na Bahia. Na Bahia, por conta daquela escassez, que eu lhe falei, de promotores, qual foi a solução doméstica que se resolveu? Foi a criação de cargos de assessores, assessores de promotoria. Então, o que acontece? A criação dessa lei é objeto de uma Adin [ação direta de inconstitucionalidade] no Supremo. Então, o que acontece é um diálogo que nós temos com a Conamp, com o Supremo Tribunal Federal para buscar a melhor modulação para que possam ser corrigidas as eventuais falhas. O diálogo é muito profícuo, nós temos um trato excelente com a Conamp. A Conamp tem uma deferência muito grande com a Bahia e a Bahia tem sido bem respeitada, seja no âmbito da Conamp, do Conselho Nacional do Ministério Público, dentro do próprio Conselho Nacional de Justiça, onde um dos membros daqui da Bahia é conselheiro do CNJ. Então, assim, temos um trânsito e um diálogo profícuo com todas as entidades que estão em Brasília.

 

Nesse momento de formação de listas para composição de vários órgãos do judiciário, vacância de cadeiras, muito se fala na questão da diversidade, de ter pessoas negras, indígenas, mulheres nestes espaços. Como enxerga essa possibilidade? Qual seria o primeiro passo para essa mudança? 

 

A Ampeb, sempre que esses temas são chamados, está ao lado desse tipo de discussão. É óbvio que nós defendemos. Somos uma entidade que defende os espaços democráticos. Eu acho que enquanto as mulheres não ocuparem o espaço devido delas, não serão ouvidas como deveriam. Elas estarão chamando e o processo vai de uma forma bem lenta, mas quando você ocupa espaço de poder e está lá falando dos seus direitos, é óbvio que vai ter muito mais avanços. E ao lado disso, tem que garantir também no judiciário isso, porque o judiciário em última instância é o que vai dizer se aquela lei vale ou não, se ela afronta ou não a Constituição. É sempre importante ter representações no judiciário dentro do próprio Ministério. No Ministério Público, por exemplo, a procuradora-geral de Justiça é uma mulher, a corregedora-geral é uma mulher.Os órgãos superiores do Ministério Público na Bahia são chefiados por mulheres. Aqui na Bahia tem mais mulheres em cargos de membros, de promotores, do que homens. Então veja, as mulheres já no Ministério Público ocupam um espaço de destaque e não por outra razão nós sempre defendemos isso. LGBTQIA+, também temos um espaço muito grande dentro do Ministério Público, nós temos colegas que são  LGBTQIA+ e estão ali defendendo, temos um centro de apoio, núcleos que defendem esse direito de forma bem contundente e atuante. 

 

E qual vai ser a sua principal bandeira, como pode definir como será o seu biênio, a sua gestão? 

 

No que diz respeito a várias ações que já vêm sendo feitas, foram reconhecidas pela classe, não à toa tive uma votação expressiva e não houve sequer quem resolvesse, digamos assim, abrir uma concorrência. Porque, o que foi feito: foi montada uma chapa de pessoas realmente sem vinculação política. Nesse sentido, eu penso em fazer um pouco diferente do que já vinha sendo feito para dar uma tônica: irmos ao interior. Porque a Ampeb fica muito concentrada, porque há muito mais promotores e procuradores aqui na capital, e no interior a gente faz um esforço que é muito difícil de alcançar, porque nós temos um estado gigantesco. Então, nesses dois anos que nós estamos iniciando vou dar uma ênfase muito grande aos colegas que estão no interior, para que eles também se sintam amparados e da mesma forma os colegas aposentados. Quando o colega se aposenta, perde diversas garantias que um membro da ativa possui, especialmente, no que diz respeito ao âmbito financeiro. Nós vamos cuidar para que as paridades sejam mantidas e o colega não fique muitas vezes na ativa por mais tempo do que precisaria, somente para manter algumas garantias que dele são subtraídas. 

“É sobre o presidente quebrar esse padrão de branquitude  e masculinidade”, crava promotora sobre diversidade no judiciário
Foto: Stella Ribeiro

Citada na pela Educafro entre 10 juristas negros para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) e nomeada uma das 100 pessoas de descendência africana mais influentes do mundo, na edição Lei & Justiça, a promotora do Ministério Público da Bahia (MP-BA), Lívia Vaz, aponta a necessidade de uma composição diversificada no sistema judiciário. Essa diversidade, conforme a jurista, engloba gênero, raça e regionalidade. 

 

Para Vaz, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem a oportunidade de em seu terceiro mandato “quebrar” o “padrão de branquitude e masculinidade” com as indicações para os tribunais superiores. Com a indicação do advogado Cristiano Zanin para o lugar de Ricardo Lewandowski no STF, a expectativa é que Lula indique uma mulher negra para a cadeira da presidente Rosa Weber, que ficará vaga em outubro. 

 

Lívia Vaz é coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (GEDHDIS) do MP-BA, doutora em Ciências Jurídico- Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Mestra em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e autora dos livros "A Justiça é uma mulher negra" (Coleção Juristas Negras) e "Cotas Raciais" (Coleção Feminismos Plurais).

 

A senhora foi citada pelo Educafro como sugestão para ocupar uma vaga no STF. Pretende mesmo pleitear essa cadeira? 

Não é um espaço que se pleiteie, que alguém se coloque como candidato ou candidata. É uma escolha exclusiva do presidente da República, segundo a própria Constituição Federal de 1988. Entende? Então, não é um fato que alguém deva pleitear. Agora, por óbvio, que é algo que eu venho defendendo há muito tempo, que é a diversidade no sistema de Justiça. Nós temos um sistema de Justiça no Brasil ainda majoritariamente branco e masculino, e isso traz impactos diretos na forma como nós construímos justiça, na própria forma como as pessoas acessam a Justiça. Você coloca uma coisa toda feita na justiça também. Então é muito importante que nós tenhamos diversidade não apenas na nossa sociedade, nossa sociedade é muito diversa e não está espelhada nos poderes públicos. Então, em um estado democrático de direito é preciso que essa diversidade seja espalhada em prol dos homens, não apenas no governo, no Poder Executivo, mas também no Legislativo - é outras dificuldade que a gente tem, são poucas pessoas negras no Congresso Nacional, nas Casas Legislativas de um modo geral no Brasil, e no sistema de justiça me parece o pior desses espaços em termos de diversidade.

 

Mas para ser indicada à vaga é preciso demonstrar certo interesse em ocupá-la. A senhora tem interesse em ocupar essa cadeira?

O cargo no STF é um grande desafio e eu entendo como uma missão. Por óbvio que se houver…eu entendo até com uma uma escolha dessa perspectiva como uma convocação. Uma convocação a debatermos um novo sistema de Justiça, a construirmos um novo sistema de Justiça que reflita, minimamente, a diversidade da população brasileira. Então, nós precisamos de diversidade em todos os poderes: Poder Executivo, Legislativo e Judiciário. No Judiciário, mais necessário diante das adversidades que nós temos hoje mesmo em Salvador, mesmo na Bahia. E a gente precisa que esses dados sejam apurados. A gente tem pesquisa do CNJ, Conselho Nacional de Justiça, que vai dar conta de que pessoas negras na magistratura brasileira, no Poder Judiciário, são apenas 12,8% no Brasil. Quando a população negra representa 56% da população brasileira. Quando falamos em mulheres negras, o resultado é pior ainda porque mulheres negras não chegam a 6% da magistratura no Brasil. Então, é fundamental nessa interseccionalidade. Precisamos de diversidade de raça, de gênero, Precisamos de diversidade também de regional. O STF é um espaço que se concentra no sul e sudeste do país. Então, nós tivemos até o momento três mulheres, as três brancas, do eixo sul-sudeste compondo aquela Corte, que é a mais alta Corte de Justiça do Brasil. Tivemos três homens negros e os três de Minas Gerais. Nunca tivemos pessoas negras do Nordeste ou mulheres do Nordeste. Então essas essas interseções são importantes. 

 

Já que estamos falando dessa diversidade, mesmo tendo esse apelo social pela indicação de uma mulher negra e até o apoio de alguns ministros do governo, a cadeira de Ricardo Lewandowski ficou com Cristiano Zanin. Como a senhora avalia essa indicação? Acredita que de fato o presidente Lula pode indicar uma mulher negra para o cargo com a aposentadoria de Rosa Weber?

Eu penso o seguinte, não é sobre apenas termos uma mulher negra hoje, Lívia Santana Vaz ou qualquer outra jurista, temos muitas juristas negras competentíssimas que atendem requisitos constitucionais, isso é importante falar. Mas não é só sobre isso, é sobre o presidente da República ser também, historicamente, o primeiro presidente da República a quebrar com esse padrão de branquitude e de masculinidade no sistema de Justiça. Então, não é só sobre as pessoas que vão ingressar no sistema de Justiça, mas é sobre toda a simbologia de abertura de caminhos que se dá a partir disso. Então quais são os requisitos constitucionais? Importante dizer isso, é uma escolha do presidente da República, está dito na Constituição, a pessoa a ser nomeada deve ter entre 35 e 65 anos de idade, ter reputação ilibada e notório saber jurídico. Então, a escolha que o presidente venha a tomar tem que respeitar essas preposições e depois tem a sabatina no Senado Federal. Esse é o caminho percorrido. Os outros tribunais têm uma forma diferente de escolha dos seus membros. Existem sim candidaturas. A pessoa se candidata, forma-se uma lista sêxtupla, depois uma lista tríplice e dentro da lista tríplice o chefe do executivo escolhe, entre as três pessoas, quem vai realmente para a Corte. No STF é diferente. A Suprema Corte é diferente. Mas sim, o presidente tem essa oportunidade de demonstrar de fato que o governo pretende expandir a diversidade para toda a composição dos poderes públicos, mas também para as suas práticas institucionais, para suas políticas públicas. A gente tem essas duas vagas esse ano, mas até o final do governo Lula é bem possível, bem plausível que haja outras vagas também para o Supremo Tribunal Federal. Então o que o movimento de juristas negras inclusive tem pleiteado não é uma jurista negra, não é a próxima vaga para uma jurista negra, é juristas negras no STF e nos tribunais superiores porque tem instâncias em que mulheres negras não estão representadas. 

 

É que paralelo ao STF tem as vagas do STJ…

STJ, o TSE agora que nomeou novos membros. Os tribunais federais também, regionais federais estão com vagas aí sendo abertas ao longo do ano e ao longo do próprio mandato do presidente Lula também terão novas vagas. Então é sobre isso, não é só sobre o STF. Mas toda a composição do sistema de Justiça, que não tem diversidade. 

 

A senhora já citou a questão das mulheres, que atualmente temos duas mulheres brancas no STF. Para senhora qual seria o impacto direto no funcionamento do sistema de Justiça, até na relação com a sociedade, de ter essa diversidade representada nos atores que fazem parte desses órgãos? 

Primeiro, as pessoas precisam se enxergar. O Estado não é um em si mesmo, o direito não é um em si mesmo. A Justiça, o sistema de justiça também não é um em si mesmo. Ele precisa refletir não só a diversidade em termos de aparência das pessoas, não é só sobre isso, mas das vivências das pessoas. As pessoas levam para o seu cotidiano, para a sua atuação funcional, para a construção do sistema de Justiça as suas vivências na condição de mulheres, na condição de mulheres negras, na condição de mulheres negra nordestinas e essas vivências são importantes. Até eu costumo dizer que nós temos hoje um sistema de Justiça, que ainda produz visões unilaterais do que seja justiça, do que seja igualdade, do que seja liberdade. Porque são majoritariamente, hegemonicamente, homens brancos decidindo sobre os destinos de pessoas negras que não acessam direitos fundamentais com igualdade de oportunidade. E são pessoas que estão julgadas, que muitas vezes não têm oportunidade de acessar os seus direitos por outras pessoas que por estarem nesse lugar de privilégio, que é o lugar do privilégio da branquitude, sequer conhece a realidade das pessoas que estão sendo julgadas. Então, eu costumo dizer que as pessoas que compõem o sistema de Justiça, seja na Defensoria Pública, no Ministério Público, no poder judiciário são servidores públicos, são servidoras públicas. Como é que você serve a um público, como é que garante direitos a um público que você não conhece? Você desconhece completamente a realidade daquelas pessoas, as dificuldades, as demandas, os obstáculos para acessar direitos. Então, é preciso que minimamente enquanto essas pessoas não conseguem estar conosco compondo esses temas, que isso é importante, a presença é importante, e não apenas de uma ou duas, mas a presença realmente é tendente a uma proporcionalidade é importante, mas enquanto isso não acontece é fundamental que sistema de Justiça possa escutar as pessoas, possa escutar os movimentos sociais, possa compreender essas demanda para que esse julgamento não seja um julgamento alheio à realidade da população brasileira.

 

E quais mecanismos a senhora acredita que é possível para que se escute? Como é possível o sistema judiciário refletir a sociedade e essa maioria populacional? Qual é o primeiro passo para isso? 

São vários passos. Nós temos a composição, como eu estou dizendo, é fundamental para que essas experiências e vivências estejam também por dentro fazendo a diferença. É importante que os movimentos sociais sejam escutados. Alguns órgãos do sistema judiciário têm feito isso já, o CNJ, o CNMP por vezes fazem reuniões, encontros envolvendo os movimentos sociais para ouvir essas demandas que vêm dos movimentos sociais, ouvir suas realidades, para que isso impacte na política institucional também. Então, essa escuta é importante também. E a concretização dos instrumentos internacionais que o Brasil se compromete a cumprir, mas que muitas vezes não são de fato concretizados em nosso país. A gente precisa de um estado brasileiro, precisa que as políticas públicas de igualdade racial sejam políticas de Estado e essas políticas de que o Estado não são aplicadas aleatoriamente, elas são aplicadas e concretizadas com base na Constituição Federal, nos compromissos internacionais no Brasil inseridos nessa Constituição. Então, essa constituição faz uma base democrática, não há como a gente pensar numa democracia efetiva sem concretizar a igualdade.

 

Nesse campo, recentemente o CNJ tem feito algumas ações. Aprovou a resolução de adotar perspectiva de gênero nos julgamentos, criou uma comissão para equidade de gênero e também está em andamento um censo para traçar o perfil das pessoas que atuam na Justiça brasileira. Aliada a essa necessidade de representatividade dos membros que compõe o poder judiciário, como é que a senhora avalia a atuação da Justiça nessa temática racial e de gênero? Quais perspectivas pode fazer, se é que é possível fazer, para o futuro? 

É, era até algo que eu ia dizer sobre como trazer a perspectiva da diversidade para dentro do sistema de Justiça. Esses órgãos têm se ocupado de trabalhar, refletir, construir uma perspectiva, julgamento com perspectiva de gênero. Eu penso que um julgamento com perspectiva de raça, não só o julgamento, mas também a atuação ministerial, a atuação da Defensoria Pública extrajudicial com perspectiva de raça e gênero e classe, na verdade a gente tem que buscar um olhar, uma perspectiva interseccional para essas construções, é fundamental. Então, um elemento que nós temos que trabalhar é o letramento racial e antirracista do sistema de Justiça. Não adianta nós termos julgamento com perspectivas de gênero e raça, por meio de resoluções, se na prática, na ponta o sistema de Justiça permanece de olhos vendados para essas questões, as pessoas que atuam diretamente no sistema de Justiça. E eu digo isso com base no caso Simone Diniz, que foi um caso da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, cujo relatório é de 2006, e nesse relatório a Comissão Interamericana de Direitos Humanos vai dizer que o sistema de Justiça brasileiro é institucionalmente racista. Porque, embora a legislação antirracista tenha evoluído, esse sistema de Justiça aplica essa legislação. Se torna condescendente com a prática de racismo, por exemplo. Então, é muito importante que haja de fato esse letramento antirracista dos membros do sistema de justiça, aliado às outras questões que eu falei de composição, de respeito à Constituição, enfim. 

 

Acredita que já é possível vislumbrar algum avanço nesse sentido, principalmente aqui na Bahia, a senhora que atua junto ao Ministério Público. Já tem percebido algum avanço nesse sentido? 

Há avanços. A Lei Maria da Penha impulsionou a reorganização do sistema de Justiça, com a criação de Varas especializadas, faz com que juízes, juízas, promotores, promotores, defensores, defensoras, a advocacia em si, se debrucem sobre o assunto para que essa legislação consiga realmente ser concretizada. E o mesmo digo em relação à questão racial, nós evoluímos sim, evoluímos. Eu tenho dito que as cotas raciais são um pequeno, porém firme passo rumo a essa justiça racial. E isso tem impactos também na própria composição do sistema de Justiça, porque hoje no Brasil todos os órgãos do sistema de Justiça possuem concursos públicos com cotas raciais. Então, esse sistema de cotas traz essa diversidade ou pretende pelo menos trazer essa diversidade para o sistema de Justiça, e quando nós fazemos a diversidade não são apenas corpos negros, indígenas, quilombolas que estão ocupando aquele espaço, são vivências, são outras experiências, são outras perspectivas de vida que vão também ali sendo absorvidas por esse órgão que recebe essas pessoas. Agora, essa política pública precisa ser monitorada. Nós ainda temos muitos casos de pessoas brancas, socialmente brancas, que ingressam nas vagas reservadas para pessoas negras e trazem jurisdicionalidade dessa política pública, que não consegue alcançar seu objetivo, seja um incremento da presença negra nesses espaços - negra aqui falando das cotas raciais especificamente para pessoas negras, embora a gente tenha aí perspectiva de ampliação também. 

 

Embora o judiciário lide diretamente com lei, execute, mas diretamente não constrói essas leis. Como é que essa relação acredita que pode ser melhorada entre o Judiciário e o Legislativo, no sentido de construção dessas leis e ampliação de direitos mesmo?

O Ministério Público impulsiona políticas públicas. A partir do momento que ele fiscaliza a concretização ou não da própria legislação, do próprio direito, ele está ali sim funcionando políticas públicas. Então não é raro que o Ministério Público se articule no Brasil afora, e na Bahia não é diferente, com o Legislativo, com membros do Legislativo para propor, impulsionar, trazer sugestões de projetos de lei que venham a concretizar melhor a constituição, as outras leis já vigentes. Então, é um trabalho de articulação interinstitucional, claro que respeitando as competências de atribuições de cada órgão, é fundamental. O fato de cada órgão ter suas competências não impede que tenhamos aí essa articulação respeitando seus princípios dos freios e contrapesos. Você tem sua competência, mas também a Constituição traz aí essa forma de controle sempre, nenhum órgão é absoluto e ele pode agir de maneira arbitrária virando as costas para a Constituição, o que visa a Constituição. Então há mecanismos de controle e isso vai ser exercitado também de maneira mais eficiente quando a gente traz uma perspectiva de atuação em articulação interinstitucional. Afinal de conta, nesses órgãos deveriam estar todos voltados para o mesmo objetivo, que é de concretizar o estado democrático de direito, concretizar a nossa democracia, a igualdade, realizar de fato a Constituição brasileira.

“O grande desafio da legislação trabalhista brasileira é a reforma na estrutura sindical”, aponta especialista
Foto: Bahia Notícias

Próximo a mais um 1º de maio, data em que é celebrado o Dia do Trabalhador, em um cenário de retomada econômica e busca de geração de postos de trabalho formais, o cenário trabalhista no Brasil e na Bahia ainda enfrenta diversas barreiras também na garantia de direitos.

 

Neste primeiro bloco, o advogado especializado em direito trabalhista, Thiago Dória, traça um panorama da legislação do trabalho no país. Na visão de Dória, é preciso pensar também na simplificação das normas para assegurar o cumprimento de direitos básicos e a extinção da informalidade nas relações entre empregado e empregador.

 

“Talvez a gente precisasse entender aonde é que a gente pode simplificar, não é só no direito do trabalho, não, em tudo no Brasil aonde é que a gente pode simplificar normas para que essa nossa cultura de informalidade não nos levasse a situações ruins. Isso em todos os aspectos”, pontua. 

 

Estudo feito pela Confederação Sindical Internacional, que analisou dados de 148 países, revela que o Brasil está entre as 10 nações onde os direitos trabalhistas mais são violados. “Empregadores gostam de flexibilizar as normas com empregados e geram problemas para si”, destaca. 

 

“Os próprios atores da relação trabalhista descumprem as normas, às vezes por vontade, às vezes por ignorância, pragmatismo e isso é ruim porque gera na gente aquela sensação da lei que pega e da lei que não pega, do ambiente de trabalho que tudo é respeito e nada é respeitado. Enfim, o desafio é grande”, complementa ao indicar que para os empregadores é muito mais “barato” cumprir as normas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) do que infringi-las. 

 

 

No segundo bloco, Thiago Dória analisa as relações de trabalho consolidadas durante a pandemia e neste período pós-pandemia. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), uma em cada quatro pessoas poderia trabalhar de forma remota no Brasil. 

 

“A gente não inventou nada na pandemia, mas a gente destampou muitas caixas. Então veja que a gente não teve nenhuma grande inovação tecnológica na pandemia, mas a gente passou a usar toda a tecnologia que a gente já tinha à nossa disposição de uma maneira muito mais intensa. Do mesmo jeito que o que o direito do trabalho flexibilizou na pandemia foi muito pouco”, avalia.

 

Mais do que o teletrabalho, Dória alerta para o aumento da “pejotização” nas relações trabalhistas, com a contratação de trabalhadores via contrato de microempreendedor individual (MEI). “A pessoa não pode ter a opção de escolher o regime que ela quer, se o vínculo tem os elementos do vínculo de emprego. Principalmente, porque o risco dessa deturpação é toda do empresário”, sinaliza.

 

O advogado também aponta os desafios no debate sobre a chamada “uberização do trabalho”, com o exercício de profissões por meio de plataformas digitais. 

 

 

No terceiro bloco, a pauta é a reforma trabalhista, que em 2023 completa seis anos. O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, tem defendido a necessidade de revisão e afirmado que a reforma foi uma tragédia para a formalização dos empregos. 

 

Ao discordar da afirmação de que a reforma trabalhista trouxe apenas prejuízos, Thiago Dória diz que é preciso perceber que a mudança trouxe pontos positivos e negativos. “As pessoas demonizam a reforma, porque ter um inimigo é muito bom. É multifatorial esse sistema”, fala. “Então, você tem coisas que são importantes na reforma e tem coisas que são muito ruins”, endossa.

 

Para o advogado, o governo federal não deve aprovar uma revogação, já que o mundo e, consequentemente, as relações trabalhistas mudaram muito nos últimos tempos. “O grande desafio nesse cenário macro da legislação trabalhista brasileira que precisa ser enfrentado, e que o governo Lula tem uma combinação de atores bem importante para fazer isso, é a reforma na estrutura sindical brasileira”, defende.

 

 

No quarto e último bloco, Thiago Dória apresenta os pontos que caracterizam o trabalho análogo à escravidão. De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, somente até março deste ano foram resgatados mais de 900 trabalhadores em situação análoga à escravidão, número recorde de vítimas resgatadas em relação aos últimos 15 anos. O número de empregadores flagrados nessa situação ultrapassa os 280.

 

Além disso, o advogado faz projeções para o cenário das relações trabalhistas. 

 

Revisão da vida toda dá celeridade nos julgamento e INSS precisa agilizar planejamento para não decadência de benefícios, aponta advogado
Foto: Paulo Victor Nadal/Bahia Notícias

Em dezembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou a chamada “revisão da vida toda”. A decisão se refere à revisão de todo o tempo de trabalho em termos de aposentadoria, possibilitando que os cálculos sejam baseados em todos os salários que a pessoa recebeu durante a vida, antes mesmo do Plano Real. 

 

No entanto, nem todos os trabalhadores têm direito. Nesta entrevista, o presidente da Comissão de Direito Previdenciário da seccional baiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA), o advogado Eddie Parish, lembra quem pode recorrer à revisão da vida toda e quais as atualizações deste tema após três meses.

 

No primeiro bloco, Parish detalha o que é a revisão, quem tem direito e o prazo para solicitação, ressaltando que o recurso pode aumentar ou diminuir o valor da aposentadoria. “Essa revisão objetiva recalcular a sua aposentadoria, utilizando todos os salários de sua vida: os de antes do Plano Real e os de depois do Plano Real. Agora, nem todo mundo vai ser beneficado com essa revisão, porque é um cálculo matemático que pode lhe uma resposta positiva ou negativa”, pontua

 

 

 

No segundo bloco, o advogado comenta os impactos diretos nos julgamentos das aposentadorias após aprovação da revisão da vida toda pelo STF. Eddie Parish também pontua o embate entre o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o Supremo. 

 

No começo do mês de março, o ministro Alexandre de Moraes deu o prazo de 10 dias para que o INSS apresentasse um cronograma para realizar a revisão. O instituto pediu  a suspensão de todos os processos sobre o tema no país até que haja o trânsito em julgado.

 

De acordo com a entidade, a revisão envolve 51 milhões de benefícios ativos e inativos, e fazê-la agora extrapolaria suas possibilidades técnicas e operacionais e as da Dataprev.

 

“Todos os advogados que atuam nessa área e se capacitaram, hoje conseguem fazer esse cálculo do seu escritório. Aí o INSS vem e diz assim: ‘eu não tenho tecnologia para fazer esse cálculo, porque o meu programa é antigo’. Assim, é algo muito curioso, para não usar outras palavras”, opina o advogado.

 

 

No terceiro e último bloco, Eddie Parish pontua os impactos já percebidos após a revisão da vida toda na vida dos aposentados e dá algumas orientações. 

 

 

Nova Lei de Licitações pode ajudar no combate às fraudes, aposta especialista
Foto: Bahia Notícias

A partir de 1º de abril, novas normas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e municípios, entrarão em vigor. A Lei 14.133/21, conhecida como a Nova Lei de Licitações e Contratos, entrará em vigor completamente a partir desta data. 

 

Em entrevista ao Bahia Notícias, a advogada, especialista em licitações e contratos administrativos e Direito Público, consultora jurídica no ramo do Direito Público municipal, notadamente em licitações e contratos administrativos, desde 2009, Eliene Neiva esclarece os principais pontos da nova legislação. 


“Embora ela seja bem mais complexa, eu acredito que vai ajudar bastante o município. Porque a nova lei de licitações implementa mudanças profundas no processo de licitação, para tornar a contratação de bens e serviços mais eficiente”, afirma.

 

Na visão da advogada, a nova lei também será um instrumento para o combate às fraudes nos processos licitatórios. “Justamente porque existem etapas a serem seguidas, o que antes não tinha. E com as etapas a serem seguidas, a possibilidade de erro, fraude, de benefícios a terceiros diminui”, sinaliza.

 

Por quanto tempo ficou em vigor a Lei 8666/93? Por que os municípios, os poderes públicos precisam adotar um sistema de licitação?

Curiosamente, acho que a gente nunca falou tanto em licitação como nos últimos dois anos. A Lei 8.666 é de junho de 93, esse ano ela completa 30 anos de vigência. Justamente neste ano, em que completa 30 anos, é que vai acontecer a sua revogação completamente. A Lei 8.666 era muito antiga e muita coisa mudou nesse período, inclusive em termos de necessidade da Administração Pública e prazo para atendimentos de cada uma delas. Por isso, era preciso garantir um processo menos engessado, mais objetivo e transparente. Então, a partir do dia 1º de abril de 2023 é que a gente vai deixar de utilizar a Lei 8.666 e vai passar a utilizar uma nova lei de licitação, que é a Lei 14.133. E qual a importância da licitação em si? A licitação é um procedimento formal para que a administração pública – quando eu falo administração pública eu falo todos os entes federativos, seja ele Estado, União ou município – quando precisam adquirir determinado produto, contratar determinado serviço precisam adotar o procedimento licitatório. Então, é uma obrigação legal.

 

Qual o desafio dessa nova lei de licitações? Como era e como passa a ser agora?

A Lei 8.666, como eu falei, tem 30 anos, então a gente entende que uma coisa que tem 30 anos tem um certo tipo de vida. Ela deixou de atender às necessidades completas da Administração Pública, porque houve muita mudança na legislação, muitas mudanças em termos de procedimentos, e a lei ficou desatualizada. A partir do momento que foi necessário buscar novas formas de procedimento, novos regulamentos, aí veio a necessidade de uma mudança completa. A Lei 14.133 veio para aperfeiçoar os processos licitatórios do país, garantir mais agilidade para a compra ou contratação de bens e serviços, bem como mais transparência para todo o processo. Além disso, ela deve diminuir os custos operacionais, já que a nova lei estabelece que as licitações devam acontecer por meios eletrônicos como regra, sendo a licitação presencial a exceção. A nova lei de licitações trouxe muitas mudanças e atualizações, entre elas regulamentar a rotina de compras das entidades governamentais, fase de planejamento, extinção das modalidades convite e tomada de preços, e a inserção da nova modalidade diálogo competitivo. A proposta da Lei 14.133 é justamente acompanhar a evolução dos tempos, é tornar o processo menos engessado, menos burocrático, mais objetivo, transparente e dinâmico.

 

Qual a importância do planejamento para implantação dessa nova lei?

Na Lei 8.666 não se falava tanto de planejamento. O planejamento foi elevado a princípio das licitações e dos contratos, em conformidade com o caput do artigo 5º da Lei nº 14.133/2021, e o legislador houve por bem dedicar à fase preparatória, em que ocorre o planejamento, um capítulo inteiro da nova lei, o Capítulo II do Título II. O que entendo que é algo extremamente necessário e útil para Administração Pública, porque muitas vezes a Administração Pública fazia compras sem planejamento, com o planejamento o município passa a pensar de uma maneira mais organizada.

Dito isso, podemos ressaltar que a fase preparatória inaugura a sequência do processo de licitação e se caracteriza pelo planejamento e deve compatibilizar com o plano de contratações anual, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação, e, ainda, compreende a elaboração de estudo técnico preliminar; termo de referência; orçamento estimativo; análise de riscos; instrumento convocatório; minuta de contrato; e ata de registro de preços, se for o caso, constituindo-se num dos seus pilares fundamentais.

 

Como fica a dispensa de licitação na nova lei. Qual a diferença entre a dispensa na Lei 8.666 e na Lei 14.133/2021?

O artigo 75 da NLLC (Nova Lei de Licitações e Contratos) estabelece 29 hipóteses nas quais a licitação pode ser dispensada, sendo que, destas, 25 já eram previstas anteriormente na Lei 8.666/93. A alteração mais evidente da NLLC reside na majoração dos limites de dispensa em razão do valor (art. 75, incisos I e II). Outro ponto importante em relação a essa dispensa é a atualização anual de valor, conforme previsão do artigo art. 182 da nova lei. Essa correção será realizada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E). A título exemplificativo, os valores na edição da Lei era R$ 100.000,00 para obras e serviços de engenharia e para serviços de manutenção de veículos, foram atualizados e hoje estão 114.416,65 e para outros serviços e compras que era de R$ 50.000,00, foram atualizados, passando para R$ 57.808,33, ou seja, já houveram duas atualizações desde a edição da lei em 2021.

Outra alteração está relacionada à transparência que, pela nova Lei 14.133/2021, prevê, dentro do art. 75, § 3º, que seja realizada a adoção preferencial de divulgação da dispensa de licitação por valor (aviso) em sítios eletrônicos das respectivas esferas, para que seja possível a participação de empresas que, além de oferecer o melhor preço, também sejam o melhor custo-benefício para a Administração Pública. Essa divulgação deve acontecer em um prazo de, no mínimo, três dias, com a especificação do objeto. No campo da inexigibilidade, a vantagem permeia o campo da exclusão do termo “singular”, visto que empresas ou profissionais que são renomados podem ser contratados por sua relevância e renome no serviço que é esperado pela Administração Pública. Ainda trouxe para esta modalidade os processos de contratação de aluguel de imóveis, que na Lei 8.666/93 eram realizados por processo de dispensa.

 

E a questão do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), o que ele é e por que é inovador nessa Nova Lei de Licitações?

O Portal Nacional de Contratações Públicas é um marco inovador no Direito Administrativo, trazido pela Lei Federal 14.133, no seu artigo 174, é o sítio eletrônico oficial destinado à divulgação centralizada e obrigatória dos atos exigidos pela já mencionada lei e já está em funcionamento, o mesmo será gerido por um comitê cuja composição e atribuições foi materializada pelo Decreto Federal nº 10.764/2021. Em relação à adoção do PNCP, a Nova Lei de Licitações prevê uma regra especial para os municípios com até 20.000 habitantes – que terão o prazo de 6 anos, contado da data de publicação da lei, em 2021, para cumprimento das regras relativas à divulgação neste portal, até 2027.

 

Quando entrará em vigor a nova Lei de Licitação?

A nova Lei entrou em vigor na data de sua publicação, em 1º de abril de 2021, conforme previsão contida no artigo 194. No entanto, as leis anteriores que disciplinam a matéria – Lei nº 8.666/93, Lei nº 10.520/00 (Lei do Pregão) e Lei nº 12.492/11 (Regime Diferenciado de Contratação) – não foram revogadas imediatamente, pois ficou estabelecido que permaneceriam vigentes por dois anos, ou seja, até o dia 1º de abril de 2023.

 

A nova Lei de Licitações necessita de regulamentação para ser usada, por quê?

A Lei n º 14.133 institui normas gerais de licitações e contratos administrativos. Vale dizer, há dispositivos da nova lei que, para serem aplicados, dependem de edição de outros atos regulamentares, inclusive na lei, há aproximadamente 50 pontos que precisam de regulamentação. É evidente que, sob determinado aspecto, os municípios podem aplicar a nova lei sem a edição de regulamentação própria. Poderão, inclusive, aplicar os regulamentos editados pela União para a sua execução (artigo 187). Contudo, entendo que há uma disparidade entre o nível de maturidade e de estrutura dos órgãos municipais, especialmente dos pequenos municípios se comparado à estrutura dos órgãos da Administração Pública Federal se mostra um empecilho à adoção cega das regras editadas pelo governo federal, inviabilizando o atendimento de todos os seus termos, podendo ser objeto de apontamento pelos órgãos de controle.

Assim sendo, entendo ser essencial que os municípios normatizem alguns artigos em âmbito local para tratar das excepcionalidades e particularidades de cada ente federativo, sempre observando as normas de caráter geral, para que não inove algo que já é obrigatório a seguir e isso certamente será eficaz para evitar erros grosseiros (condutas praticadas com culpa grave – grave negligência, grave imprudência ou grave imperícia).

 

 

Por que tanto se fala em capacitação de servidores desde a edição da referida lei? Tem uma deficiência dos servidores no entendimento dela, no processo de licitação?

A capacitação, treinamento e aprimoramento profissional constante são necessidades permanentes de todos os profissionais, independentemente da área, esfera ou setor em que atuem. Assim sendo, a capacitação dos agentes públicos também tem sido uma cobrança constante dos Órgãos de Controle compromissados com a boa governança e a moderna gestão pública, ágil e transparente. Outrossim, com o surgimento da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei Nacional n.º 14.133/2021), a capacitação dos agentes públicos para o desempenho das funções essenciais se mostra imperativa, face ao disposto no inciso II do artigo 7º e inciso X do §1º do art. 18, art. 171, § 3º e artigo 173, da referida norma.

 

Quais as modalidades licitatórias a serem extintas?

O convite e a tomada de preço, eles não estão disciplinados na Lei 14.133. Então, eles só podem ser utilizados até o final do mês de março, dia 31. Portanto, as modalidades de convite e tomada de preços não são previstas na Lei nº. 14.133/2021 e serão extintas quando da revogação da Lei nº. 8.666/93, a partir de 1º de abril de 2023.

 

E serão substituídos por alguma outra modalidade?

No artigo 28 da Nova Lei de Licitações e Contratos são previstas como modalidades de licitação: pregão, concorrência, concurso, leilão e diálogo competitivo. Entre essas, cabe ressaltar que o diálogo competitivo é uma nova modalidade, veio como uma inovação da nova lei.

 

Como seria o diálogo competitivo? Já está sendo aplicado ou ainda não?

Não. O diálogo competitivo, grosso modo, é quando Administração deseja fazer uma contratação em que o objeto da licitação não é um bem ou serviço de uso comum, ou seja, que não pode ser encontrado com facilidade em vários fornecedores diferentes ou que quando o objeto deve ser desenvolvido sob medida para a atender a demanda. Então, existe o diálogo competitivo justamente para que sejam convidadas empresas para que junto com a Administração Pública criarem determinadas soluções.

 

Licitação realizada pela 8.666, e o contrato contínuo assinado ele poderá ter a vigência de até 60 meses? Mesmo após a lei 8.666 ser revogada?

A revogação da Lei nº. 8.666/1993, não altera os contratos contínuos de 60 meses assinados durante sua vigência. No momento de sua prorrogação, permanece obrigatória a comprovação da vantajosidade e a disponibilidade orçamentária. Considerando que a prorrogação contratual não muda o regime administrativo que incide sobre o processo administrativo de licitação, não é possível realizar um aditivo fazendo uso da nova lei ou incorporando elementos nela previstos a um contrato já existente. Os contratos e quaisquer aditivos nele realizados deverão seguir a mesma lei da licitação ou contratação direta que os originaram.

 

E quanto à pesquisa de preços, o que mudou?

Sobre o tema, é sabida a dificuldade enfrentada pela administração na realização do procedimento, quer seja pela diversidade dos objetos contratuais e principalmente a resistência dos fornecedores e prestadores de serviços em apresentar as informações requeridas pela consulta realizada pelos órgãos e entidades para a devida instrução processual.

Com a edição da Lei 14.133, ficou muito claro que o levantamento de mercado e a estimativa do valor da contratação assumem grande relevância para o resultado obtido na contratação. O levantamento de mercado consiste na análise das alternativas possíveis a atender a demanda da administração, devendo a escolha do tipo de solução a contratar encontrar respaldo em justificativa técnica e econômica. Portanto, a partir da identificação da necessidade da administração, busca-se junto ao mercado a solução que melhor atenda ao interesse público e, posteriormente, realiza-se a estimativa do valor da contratação.

A Instrução Normativa número 65, de 7 de julho de 2021, dispõe sobre o procedimento administrativo para a realização de pesquisa de preços para aquisição de bens e contratação de serviços em geral, cabendo ao seu artigo 5º estabelecer os parâmetros a serem observados pela administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

Resumidamente devemos entender que a pesquisa de preços não deve revestir-se de mero cumprimento de formalidade, tendo em vista que o valor estimado deve representar aquele praticado no mercado, ou seja, não deve conter sobrepreço ou ser subdimensionado, ao tempo que deve retratar fielmente o objeto pretendido pela administração.

 

Em sua opinião a lei 14.133 vai melhorar o processo de compras públicas? Você está otimista com essa lei?

Sim, sem dúvida. A Nova Lei de Licitações implementa mudanças profundas no processo licitatório, para tornar a compra ou contratação de bens e serviços mais eficientes. E, como tudo o que é novidade requer estudo e adaptação, certeza não será algo simples, mas, trará resultados significativos para a Administração Pública.

Cabe ressaltar ainda, que a melhoria da qualidade das contratações também deve vir da obrigatoriedade de planejamento das ações a serem empreendidas pelos órgãos públicos, com base na apuração criteriosa de suas necessidades ao longo do ano. Temos ainda a tipificação dos crimes relacionados a licitações, que foi reunido em um capítulo próprio no Código Penal. Esses crimes abrangem as condutas de agentes privados e públicos relacionadas a contratações em todas as esferas do setor público, inclusive em empresas estatais e sociedades de economia mista, entendo assim, que as penas ficaram mais duras.

E você está otimista com a aplicação da nova lei? Ela vai ser benéfica para o sistema de compras públicas, municípios, os entes federativos?

Embora ela seja bem mais complexa, eu acredito que vai ajudar bastante o município. Porque a nova lei de licitações implementa mudanças profundas no processo de licitação, para tornar a contratação de bens e serviços mais eficiente. E com certeza não será algo simples, mas trará resultados significativos. Uma outra inovação trazida pela Lei 14.133, que eu entendo também como boa, é que a partir da nova lei de licitações a responsabilização dos atos vai para cada ente que participa do processo, ou seja, eu tenho quem fez o edital, o gestor que autorizou e o pregoeiro que fez o processo licitatório. Então, quando houver uma responsabilização, cada ator desse será responsável dentro do que te compete. Antes, a responsabilização era apenas do gestor municipal, do prefeito no caso.

 

Essa nova lei pode combater com mais facilidade as fraudes em licitações?

Entendo que sim. A princípio para evitar fraudes em licitações, uma estratégia importante é o fortalecimento das medidas de controle sobre os processos de contratação exercidos pelo poder público e nesse quesito ressalto mais uma vez, a importância da etapa do planejamento, uma vez que esta fase tem um papel de destaque na nova lei e esta, estabelece etapas a serem seguidas, o que antes não tinha; a questão da transparência e da responsabilização dos agentes envolvidos na contratação, dentre outros, se forem  realizados corretamente diminui a possibilidade de erro, fraude, de benefícios a terceiros, etc.

 

E os municípios já estão se preparam para aplicar a nova lei? Aqui na Bahia, qual a sensação que você tem?

Eu ainda acho que nem todos os municípios estão com essa preocupação. O que eu vejo é que muitos municípios estão realizando capacitação, estão buscando normatizar a lei para atender às suas necessidades, em contrapartida muitos municípios estão também esperando chegar o dia 1° para poder pensar efetivamente na implantação da Lei 14.133.

 

E esses terão mais prejuízos, podem ter mais problemas por essa demora de capacitação?

Entendo que a capacitação é essencial para que para que todos os envolvidos no processo compreendam os principais pontos e as inovações trazidas pela nova lei, sem a capacitação não vejo como aplicar a Lei 14133 corretamente. A capacitação tem dois focos principais, que são o planejamento da contratação e gestão contratual. É preciso destacar a fase preparatória, que é onde se faz todo o planejamento da contratação e a fase contratual, pois precisamos que os fiscais e gestores de contratos conheçam muito bem como será a atuação deles para fazer a coisa acontecer de fato. Ressalto ainda, que não só pelas várias inovações trazidas pela nova lei, entendo que a capacitação precisa ser algo continuado e não só no momento de implantação da mesma.

Juízes estão cansados do modelo atual da Amab, afirma desembargador Julio Travessa
Fotos: Paulo Victor Nadal / Bahia Notícias

Os magistrados baianos irão às urnas novamente na próxima semana para escolher a nova diretoria da Associação dos Magistrados da Bahia (Amab). Os dois candidatos que disputam as eleições da entidade são: o desembargador Júlio Travessa, que encabeça a chapa Nova Amab; e a juíza Angela Bacellar, líder da chapa Nossa Amab.


Em entrevista ao Bahia Notícias, o desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) afirma que houve mobilizações neste ano que o levaram a ser candidato a presidente da associação. Seu nome foi apontado por colegas para ser candidato por sua postura nas sessões plenárias do tribunal. Para ele, os magistrados baianos estão “cansados do modelo atual da Amab”, que teria se tornado um ambiente de gestão baseado em amizades. Para ele, a associação tem que ser independente.

 

No primeiro bloco da conversa, Travessa aponta que os juízes baianos têm uma das piores condições de trabalho do país, e que muitos juízes substitutos acabam atuando como titulares e sendo cobrados como se fossem, enfrentando problemas com a internet nas comarcas do interior. “O que a gente clama muito é para que esse ciclo de más gestões - não podemos responsabilizar o presidente atual [do TJ-BA], pois ele está dentro de um ciclo de más gestões - e nós acreditamos que essas gestões não são bem-sucedidas porque o magistrado não está envolvido nesse contexto”, avalia o candidato da oposição. “Queremos participar da gestão do TJ-BA e que o presidente escute os magistrados”, pontua. 


No segundo bloco, o candidato elencou as prioridades da chapa. A principal é melhorar a prestação do serviço jurisdicional, com mais estrutura de trabalho para atender os reclames da sociedade e as determinações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como mais assessores para os juízes. Atualmente, os titulares só têm um assessor. Os juízes substitutos não têm assessor para auxiliar nos trabalhos. O serviço de internet, para a chapa, deve ser contratado de acordo com necessidade de cada comarca, pois uma operadora que funciona bem em Salvador não funciona necessariamente bem em uma cidade do interior. Outra demanda é a mais segurança para os magistrados, principalmente para os da área criminal. Outra pauta da chapa Nova Amab é a regularização da venda de férias de juízes, não sendo uma imposição do tribunal. 


No terceiro bloco, o desembargador reforça que a diferença de sua chapa para a da situação é que haverá democracia na organização, representando todos os anseios que os magistrados decidirem nas mesas temáticas e assembleias gerais, para mitigar o presidencialismo. Sobre a crise do Judiciário baiano, o desembargador concorda que a “população tem toda a razão de reclamar”, pois os salários dos magistrados são pagos através de impostos. “Nós temos nos fóruns problemas comezinhos, problemas de limpeza, de jardinagem. Então, qual imagem a sociedade vai ter quando ela chega em uma unidade judiciária e a encontra suja, sem o serviço de jardinagem feito - o mínimo possível, sem um servidor para lhe atender, e o juiz sozinho com um assessor e a internet sem funcionar?”, questiona. Ele contou que ouviu relatos de que no Fórum Ruy Barbosa, em Salvador, está com ratos. “Sem estrutura de trabalho, nós já produzimos. Os magistrados da Bahia são excepcionais, são competentes. Agora, infelizmente, a Justiça da Bahia está respirando por aparelhos”.


No quarto bloco, Julio Travessa fala da importância de reforçar a segurança dos fóruns criminais, principalmente, o de Salvador, em Sussuarana. “Hoje, o colega sai de casa, e não sabe se vai voltar, pois ele pode, em um julgamento desse, ser alvejado facilmente”, avalia. Sobre o relacionamento da Amab com o TJ-BA e com a advocacia, o desembargador afirma que deve ser um relacionamento de “total harmonia e diálogo”. Mas assevera que, para ele, não se pode permitir “blitz” da Ordem do Advogados do Brasil (OAB). “Nós não podemos permitir que determinada comissão assuma o papel do CNJ e o papel das Corregedorias. O advogado é parte”, reforça. Já com o TJ-BA, ele afirma que não se pode permitir que o tribunal paute a Amab. “Os associados brincam que nós temos, na verdade, a AEP3 - Assessoria Especial da Presidência - Legalmente, só se tem duas assessorias especiais da Presidência 1 e 2. Eles dizem que irão votar na Nova Amab porque ela vai extinguir a AEP3”.


No último bloco, o candidato fala do papel da Amab em casos de processos administrativos disciplinares contra juízes, dando todo apoio jurídico e uma assessoria de imprensa também para permitir o exercício do contraditório e ampla defesa. Também asseverou que, após a Operação Faroeste, é preciso que a Amab “saia das cordas”, pois, até então, a entidade, quando age, age reativamente. E diz que, em muitos casos, os magistrados são agredidos e ofendidos e não há resposta rápida. Por isso, propõe criar um Conselho de Desagravo. 
 

PROPOSTA DE DEBATE

O Bahia Notícias, por entender que a magistratura desempenha um papel importante na sociedade e que suas lutas têm impacto na prestação do serviço ao cidadão, propôs a realização de um debate entre os dois candidatos que disputam as eleições da entidade. Entretanto, a chapa Nossa Amab, da juíza Angela Bacellar, não aceitou o debate por entender que as questões da entidade não têm interesse para a sociedade.

 

A partir dessa decisão, foram oferecidas entrevistas individuais com os candidatos, que inicialmente, aceitaram participar. Entretanto, a entrevista que estava agendada com a juíza Angela Bacellar para ser gravada nesta quinta-feira (17) foi desmarcada a pedido da comissão da chapa Nossa Amab. "Embora ciosa da importância e da credibilidade da imprensa, a Chapa Nossa Amab, por seus integrantes, entendendo que a eleição da futura diretoria da Associação dos Magistrados da Bahia é questão que não reflete diretamente nos anseios da sociedade, salvo a própria razão de sua existência, deliberaram pela circunscrição dos debates ao seu âmbito interno, reafirmando seu compromisso de transparência e defesa das prerrogativas da Classe", justificou o grupo.

 

A entrevista com o desembargador Júlio Travessa foi gravada nesta quarta-feira (16) e ficará disponível no canal do Bahia Notícias no Youtube.

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