AL-BA tem prerrogativa para cassar Binho Galinha após acusação de envolvimento com milícia e não depende de sentença
Por Leonardo Almeida
Foragido da Polícia Federal (PF), o deputado estadual Binho Galinha (PRD) pode ter seu mandato cassado após ser acusado de envolvimento com uma milícia no município de Feira de Santana e a perda de seu cargo não precisa aguardar uma decisão da Justiça. O parlamentar foi alvo de busca e apreensão em sua residência durante a manhã desta quarta-feira (1º), mas, até o momento, ainda não foi encontrado pelas autoridades. Mayana Cerqueira da Silva e João Guilherme, esposa e filho do deputado, foram presos durante a operação.
Com as acusações contra Binho Galinha, que incluem a liderança de uma organização criminosa especializada em lavagem de dinheiro via atividades ilícitas, como jogo do bicho, agiotagem, extorsão e receptação qualificada, a Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA) já possui a prerrogativa para cassar o mandato do parlamentar. Ao Bahia Notícias, o advogado constitucionalista e eleitoral, Cícero Dias, afirmou que a Casa Legislativa não precisa aguardar necessariamente uma sentença da Justiça determinando a cassação.
À reportagem, o especialista também explicou que, por se tratar de um processo criminal, não é de responsabilidade de Justiça Eleitoral determinar a cassação de Binho Galinha na AL-BA.
“Eu não creio que a Justiça Eleitoral tome alguma providência em relação a isso porque não são crimes vinculados a condutas eleitorais. O ponto da própria Assembleia de pronto [cassar o mandato] com base nessas acusações já abrir, se tiver interesse, uma comissão processante para ver a questão da conduta dele [Binho Galinha], e se é caso de cassação ou não. Mas isso depende da própria Assembleia, é uma definição ‘interna corporis’ da instituição. A Justiça Eleitoral, por não ser questão eleitoral, eu creio que ela apenas aguarde a decisão de condenação, ou a decisão da Assembleia, que se cassar, tem que oficiar a Justiça Eleitoral”, explicou o especialista.
Todavia, a cassação pode não depender única e exclusivamente da decisão dos deputados estaduais na AL-BA. Segundo Cícero, é possível que, ao fim do processo criminal, a Justiça Comum condene Binho Galinha à perda do mandato parlamentar. Caso ocorra, a decisão seria comunicada ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE-BA), que, em seguida, enviaria o ofício à AL-BA solicitando o atendimento da determinação.
“Na ação penal, na ação criminal tem que se aguardar o trânsito em julgado da ação condenatória confirmada em segunda instância, ou, se for o caso, em tribunais superiores. Depois disso, é lançado o nome dele no rol dos culpados e se na sentença condenatória constar também a cassação aí oficia-se a Justiça Eleitoral, daí a Justiça Eleitoral comunica a Assembleia da cassação e determina que a Assembleia dê posse ao suplente”, afirmou o advogado.
REGIMENTO E O PROCESSO
No Regimento Interno da AL-BA, é estabelecido como funciona o processo para a cassação do mandato parlamentar. A ação, de maneira geral, seria conduzido pelo Conselho de Ética da Casa, atualmente presidido pelo deputado estadual Vitor Bonfim (PV). Nas prerrogativas para a cassação, o documento estabelece como razões:
- Contratos e Cargos Incompatíveis: Firmar ou manter contratos com o poder público, aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado em entidades da administração pública direta ou indireta desde a expedição do diploma. O mesmo se aplica se, após a posse, for proprietário ou diretor de empresa que se beneficie de contrato com o poder público ou exercer função remunerada nela;
- Quebra do Decoro Parlamentar: Ter um procedimento declarado incompatível com o decoro parlamentar;
- Faltas: Deixar de comparecer à terça parte das sessões ordinárias de cada período legislativo, exceto em caso de licença ou missão autorizada;
- Perda dos Direitos Políticos: Perder ou ter os direitos políticos suspensos;
- Justiça Eleitoral: Quando decretado pela Justiça Eleitoral;
- Condenação Criminal: Sofrer condenação criminal com sentença transitada em julgado.
A perda de mandato parlamentar pode ocorrer de duas formas distintas, a depender do motivo que a motivar. Nos casos de incompatibilidades, quebra de decoro parlamentar ou condenação criminal, a decisão cabe ao plenário da Assembleia Legislativa, em votação secreta. Para que a cassação seja confirmada, é necessária maioria absoluta dos votos. A abertura do processo pode ser provocada pela Mesa Diretora ou por partido político com representação na Casa, sempre garantindo ao acusado o direito à ampla defesa.
“Tem que se abrir um processo, que alguém tem que fazer esse requerimento, esse requerimento é lido pela presidente e aprovado. Após essa aprovação, iniciam-se os trabalhos do processo de cassação. Aí vem ampla defesa, contraditório e aquela coisa toda".
Confira o passo–passo:
- Representação: Uma representação é encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que tem 10 dias para emitir um parecer sobre a admissão ou arquivamento;
- Criação de Comissão Especial: Se a representação for aceita, o Presidente da Assembleia designa uma Comissão Especial processante com cinco membros para conduzir o processo;
- Defesa: O deputado acusado recebe uma cópia da representação e tem 10 dias (prorrogáveis por mais 10) para apresentar sua defesa por escrito. Neste prazo, ele pode requerer as provas que julgar necessárias;
- Instrução e Razões Finais: Após a instrução, o deputado tem mais 10 dias para apresentar suas razões finais;
- Parecer Final: O relator da comissão tem 15 dias para apresentar seu parecer, e a comissão tem mais 15 dias para apreciá-lo, encaminhando as conclusões para o órgão competente para o julgamento final (o Plenário).
Já nas situações de excesso de faltas, perda ou suspensão dos direitos políticos, ou decisão da Justiça Eleitoral, a cassação não vai ao plenário. Nesses casos, a perda do mandato é declarada diretamente pela Mesa da Assembleia, seja de ofício ou por provocação, também assegurando ampla defesa ao parlamentar envolvido.
Após Binho Galinha se tornar foragido, a presidente da AL-BA, deputada Ivana Bastos (PSD), afirmou que medidas internas cabíveis devem ser aplicadas após a Assembleia for notificada acerca da prisão do parlamentar.
Segundo Ivana, as medidas estarão em “observância à Constituição, às leis e ao Regimento Interno”. Além disso, a deputada comunicou na nota, que o Conselho de Ética será acionado para avaliar o caso do deputado.
A declaração veio depois do colégio de líderes da AL-BA deliberar, em uma reunião, sobre a possível suspensão do mandato do deputado.
Caso Binho Galinha tenha o mandato suspenso ou cassado, a vaga será assumida por Josafá Marinho (Patriota), diretor técnico da Bahia Pesca, que ficou na suplência ao obter 33.545 votos nas eleições. Em 2023, quando o colega já era alvo de investigação, Marinho afirmou ao Bahia Notícias que a situação era “delicada, mas também confortável”, destacando estar satisfeito com o trabalho na área da pesca e afirmando entregar o futuro “nas mãos de Deus”.
O Bahia Notícias buscou o histórico de cassações de deputados por iniciativa da AL-BA desde a redemocratização e não encontrou nenhum caso. A assessoria da Casa Legislativa foi procurada para confirmar a pesquisa da reportagem e ficou de responder ao longo da manhã desta quinta-feira (2).
CONSELHO DE REFÉNS?
O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar foi instalado na AL-BA no dia 17 de abril de 2024 sob a promessa de tomar uma medida sobre o deputado Binho Galinha, que já era investigado por liderar uma milícia. Contudo, quase um ano e meio após sua instalação, o conselho não se reuniu uma única vez.
Em conversa com o Bahia Notícias, um deputado que integra o grupo informou que a questão sequer chegou a ser discutido dentro do Conselho. Segundo ele, o grupo “existe apenas no papel”, e “caiu no esquecimento” dentro da Casa Legislativa. À reportagem, o parlamentar também afirmou que a permanência de Vitor Bonfim na presidência está “garantida” até o primeiro semestre 2026.
No final de 2024, o então presidente da AL-BA, Adolfo Menezes (PSD), declarou que a análise do caso Binho Galinha não vinha avançando devido ao temor de represálias, sobretudo na comissão de ética. Para Menezes, os deputados se sentem “reféns” e com “medo” de avançar nas investigações contra o colega.
“Receio pela gravidade do problema. Em resumo, medo. Vocês viram na imprensa a gravidade e o tamanho do problema que é. Não sou eu que estou dizendo. A justiça foi quem pegou todas a provas. Cabe ao presidente solicitar aos líderes, como foi solicitado a Rosemberg [situação] e a Alan [Sanches, da oposição]. Mas o que é que os deputados dizem: 'se três juízas já correram de julgar o caso, como a gente vai entrar num negócio desse andando no interior?' Eu não tiro a razão deles. O cara vai ser herói, e aÍ”, comentou o presidente da AL-BA durante encontro com a imprensa.
A OPERAÇÃO
Na manhã desta quarta, a Polícia Federal, a Receita Federal, o Ministério Público da Bahia, por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), e a Força Correcional Especial Integrada (Force/Coger/SSP-BA) deflagraram a Operação Estado Anômico. O deputado estadual Binho Galinha, um dos alvos da operação, ainda não foi localizado e já é considerado foragido.
Durante a operação, mulher e filho do deputado foram presos preventivamente. Não somente os membros da família, mas também quatro policiais militares encarregados da proteção do parlamentar foram presos. Outro investigado, além de Binho Galinho, ainda não foi localizado e encontra-se em fuga.
O objetivo é desarticular uma organização criminosa estruturada e especializada em lavagem de capitais oriundos de atividades ilícitas, como jogo do bicho, agiotagem, extorsão e receptação qualificada. O grupo atuava em Feira de Santana e cidades da região, além de Salvador.
De acordo com a decisão da 1ª Vara Criminal de Feira de Santana, foram expedidos 10 mandados de prisão preventiva, entre eles contra o deputado estadual, e 18 de busca e apreensão, além do bloqueio de R$ 9 milhões em contas bancárias e da suspensão de atividades econômicas de uma empresa ligada aos investigados.
As investigações apontam para a prática reiterada de crimes graves, com foco na ocultação e dissimulação de bens e valores. A ação mobilizou cerca de 100 policiais federais, além de 11 auditores-fiscais e três analistas tributários da Receita Federal.
O nome da operação faz referência ao conceito de “Estado Anômico”, termo que descreve uma condição social marcada pela ausência ou enfraquecimento das normas e valores que regulam o comportamento coletivo, gerando desorganização e incerteza.
Em coletiva de imprensa, a Polícia Federal (PF) revelou que a organização criminosa especializada em lavagem de dinheiro via atividades ilícitas, como jogo do bicho, agiotagem, extorsão e receptação qualificada, atuava em Feira de Santana e região há mais 20 anos.
A informação foi confirmada pelo delegado da PF Geraldo Almeida, da Delegacia de Crimes Contra o Patrimônio e Repressão ao Tráfico de Armas.
Durante coletiva de imprensa, na sede da polícia, em Salvador, o delegado federal informou sobre as práticas ilegais investigadas, como extorsão, lavagem de dinheiro e jogo do bicho, além de tráfico de armas e associação ao tráfico de drogas. As duas últimas acusações foram reveladas na Operação desta terça.
“São diversos atos ilícitos que foram cometidos por esse grupo criminoso, entre eles a organização criminosa armada, extorsão majorada, lavagem de dinheiro majorada, contravenção penal do jogo do bicho, a agiotagem e receptação qualificada”, afirmou.