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Paciente mais fraco do CAPS: memes reforçam estigmas e criam barreiras ao cuidado em saúde mental, afirma sociólogo

Por Paulo Dourado

Foto: Reprodução / GOVBA

O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) foi instituído em 2002 pelo Ministério da Saúde com o objetivo de substituir o antigo modelo hospitalar de cuidado em saúde mental. O serviço é voltado para pessoas em sofrimento psíquico ou em crise e pode ser acessado de forma espontânea, sem necessidade de encaminhamento prévio.

 

Atualmente, os CAPS são divididos em diferentes modalidades, de acordo com o público atendido e o nível de cuidado oferecido:

  • CAPS I atende pessoas de todas as idades em sofrimento psíquico intenso, inclusive em situações relacionadas ao uso problemático de álcool e outras drogas;
  • CAPS II também atende todas as faixas etárias com sofrimento psíquico intenso;
  • CAPS i é voltado para crianças e adolescentes;
  • CAPS AD atende pessoas em situações relacionadas ao uso prejudicial de álcool e outras drogas;
  • CAPS III funciona 24 horas por dia, inclusive fins de semana e feriados, com acolhimento noturno para adultos que necessitam de atenção contínua;
  • CAPS AD III, com funcionamento semelhante, direcionado a usuários de álcool e outras drogas.

 

Segundo o sociólogo e educador social do CAPS, Júlio César Lourenço, o serviço não se resume à ideia de “cura”, mas atua também na redução de danos e do sofrimento psicológico dos pacientes. Ele explica que o trabalho do CAPS é baseado em princípios como atendimento humanizado, cuidado compartilhado e acolhimento digno, sempre considerando os direitos humanos, sociais e a dignidade de cada pessoa.

 

“O CAPS não trabalha só com a ideia de cura. A gente também trabalha com a redução de danos e com a diminuição do sofrimento daquela pessoa”, afirmou.

 

Ainda de acordo com Júlio, o CAPS tem um papel fundamental no rompimento de paradigmas da saúde mental, historicamente marcados por uma lógica manicomial e por forte estigmatização.

 

“O CAPS surge exatamente ao contrário dessa lógica. Ele rompe com a ideia de internação, aposta na escuta do paciente, na construção do tratamento junto com a pessoa, no acolhimento humano e no enfrentamento desses estigmas de que alguém em sofrimento psíquico não pode conviver em sociedade ou com a própria família”, explicou.

 

Ao longo de 2025, memes envolvendo o CAPS ganharam grande repercussão nas redes sociais, com frases como “do jeito que o CAPS gosta”, “o paciente mais fraco do CAPS” ou “esse fugiu do CAPS”. As postagens geralmente associavam imagens ou vídeos a comportamentos considerados fora do padrão, reforçando, de forma pejorativa, a ideia de transtorno psicológico.

 

Em entrevista ao Bahia Notícias, o sociólogo avaliou os impactos desse tipo de conteúdo na imagem do serviço. Segundo ele, houve inicialmente a percepção de que os memes poderiam ampliar a visibilidade do CAPS, mas essa avaliação foi rapidamente revista.

 

“Quando surgiu o meme, eu até pensei que poderia ser algo positivo, mas ele acabou se direcionando para um lado de estigmatização e desvalorização, o que não é ideal. A comunidade da saúde olhou isso com muito receio. A divulgação é importante, mas quando não segue a proposta do CAPS, as interpretações acabam sendo muito diversas”, ponderou.

 

Júlio explicou que, embora os memes nem sempre sejam negativos por natureza, a associação com uma lógica manicomial, que trata pessoas em sofrimento psíquico como “loucas” ou incapazes de viver em sociedade, acaba criando barreiras para quem precisa buscar atendimento.

 

“Quem é leigo pode ver esse tipo de divulgação de forma negativa. Em alguns casos, isso trava o serviço, porque a pessoa deixa de procurar ajuda. Ao invés de buscar atendimento psicológico ou iniciar um tratamento, ela permanece em sofrimento, que pode se agravar”, destacou.

 

Apesar disso, o educador social afirma que não houve queda significativa no número de pacientes atendidos pelo CAPS após a viralização dos memes. Segundo ele, o público se manteve estável, em parte devido a ações de esclarecimento promovidas pelo Ministério da Saúde após a repercussão do tema.

 

“Eu não vejo uma relação direta nem de ganho nem de perda. O público ficou estável. Houve uma preocupação maior do Ministério da Saúde com a forma como a saúde mental estava sendo retratada, mas isso não se refletiu necessariamente em aumento ou diminuição do número de pacientes”, avaliou.

 

Por fim, Júlio ressaltou que, mesmo sem impacto direto nos números, a imagem do CAPS foi prejudicada. Para ele, ainda falta uma política de comunicação mais ampla, tanto do Ministério da Saúde quanto das prefeituras, capaz de explicar o papel do serviço e romper com estigmas junto à população em geral.