Associação de Advogados Públicos defende indicação de mulheres negras ao STF e cita baiana Manuellita Hermes
A Associação das Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia (APD), uma entidade civil sem fins lucrativos criada por integrantes da Advocacia-Geral da União, divulgou uma nota pública defendendo a indicação de juristas negras para a vaga da ministra Rosa Weber no Supremo Tribunal Federal. Rosa Weber, atual presidente da Corte, se aposentará até o dia 2 de outubro, quando completará 75 anos.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a quem cabe fazer a indicação para a vaga aberta no STF, já deu declarações de que só anunciará o nome do substituto ou da substituta de Rosa Weber após a aposentadoria da ministra. Apesar de, no momento, três homens aparecerem como os mais cotados para o posto – Flávio Dino, Jorge Messias e Bruno Dantas –, diversos movimentos sociais, associações e entidades defendem publicamente a indicação de uma mulher para substituir Rosa Weber.
Na nota, a Associação das Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia afirma que é notório o fato de que, dentre os três Poderes, o Judiciário é o que detém menor representação social, sendo majoritariamente constituído por homens brancos e de perfil mais conservador. A Associação afirma que é urgente a necessidade de uma recomposição do STF que “equalize as evidentes desigualdades”, e defende que o presidente Lula atente para nomes como o da advogada Vera Lúcia Santana Araújo e da procuradora federal baiana Manuellita Hermes, que atualmente ocupa a Coordenadoria-Geral de Assuntos Internacionais e Judiciais da Consultoria Jurídica do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Formada em Direito pela Universidade Federal da Bahia, com mestrado na UFMG e doutorado em universidade na Itália, Manuellita é procuradora de carreira da Advocacia Geral da União (AGU), e atua como coordenadora do Grupo de Trabalho de Igualdade Racial do Comitê de Diversidade do órgão, além de lecionar na Escola Superior da instituição. Manuellita é, ainda, professora do Programa de Pós-Graduação do IDP e docente voluntária da Graduação em Direito da Universidade de Brasília. Recentemente, o nome da baiana Manuellita Hermes foi defendido para a vaga de Rosa Weber no STF em uma moção assinada por professoras e professoras da Faculdade de Direito da UFBA.
“Sou uma mulher preta, nascida, criada e com formação jurídica na cidade mais negra fora da África, Salvador. Nunca tive, por exemplo, uma professora negra, nem na escola, nem na faculdade. Apenas raros homens negros: eles chegam primeiro. Não tive referências de mulheres negras na minha carreira. É de extrema relevância criar referências para as meninas e mulheres negras do nosso país. Possibilitar o exercício do sonhar. Parece-me que há uma janela histórica favorável. Novos ventos democráticos sopram”, disse Manuellita Hermes em entrevista recente à revista Marie Claire, a respeito das diversas defesas feitas sobre o seu nome para a cadeira de ministra do Supremo Tribunal Federal.
A nota divulgada pela APD ressalta que a indicação do nome da procuradora Manuellita Hermes para o STF considerou a sua trajetória de luta por uma sociedade mais livre, justa e igualitária, “bem como a contribuição acadêmica em vista ao fortalecimento do Direito, além de um perfil progressista”. A Associação também lembra que existem diversas matérias a serem julgadas na Suprema Corte que exigirão do novo ministro ou ministra uma visão de sociedade: “plural, com responsabilidade social e não excludente”.
Leia abaixo, na íntegra, a nota da Associação das Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia (APD):
"A Associação das Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia (APD) vem contribuir com o debate público a respeito da vacância do cargo ocupado pela Ministra Rosa Weber, atual presidenta do Supremo Tribunal Federal, em decorrência de sua aposentadoria compulsória, a partir de 26 de setembro do corrente ano.
Após quatro anos de governo Bolsonaro, a sociedade civil uniu-se para reconstruir o desmantelamento realizado, culminando na eleição do Presidente Lula. Naquela oportunidade já estavam evidentes os compromissos assumidos, pelo então candidato, com vistas à redução da desigualdade de gênero, raça, orientação sexual, bem como a necessidade de retomada dos avanços civilizacionais nas áreas ambiental, econômica, penal, civil, liberdades individuais e coletivas e relações internacionais.
Cumpre pontuar, ainda, que o Brasil e o mundo passam por transformações em diversos campos da sociedade, não sendo diferente aos órgãos de cúpula da República, como é o caso do Supremo Tribunal Federal.
Como fato público e notório, dentre os três Poderes, o Judiciário é o que detém menor representação social, sendo majoritariamente constituído por homens brancos e de perfil mais conservador.
A necessidade de uma recomposição do Supremo que equalize as evidentes desigualdades se mostra premente, já que o órgão máximo do Poder Judiciário tem como missão republicana a atuação contramajoritária, sendo este o seu maior desafio sob a égide da Constituição de 1988, o que aumenta mais ainda a necessidade de ponderação sobre o perfil a ser escolhido.
Há diversas matérias a serem julgadas na Suprema Corte que norteará qual modelo de sociedade brasileira teremos neste Século, que além do inquestionável conhecimento técnico dos julgadores, exigirá dela ou dele uma visão de sociedade: plural, com responsabilidade social e não excludente.
O atuar jurídico de Ministra ou Ministro do STF, apesar de ser imparcial, tem que estar alinhado ao limite ético e com base nos princípios definidores da CF/88, dentre os quais a cidadania e a dignidade da pessoa humana.
Para a escolha dos perfis, foram consideras as trajetórias na luta contra o golpe, a resistência contra o governo Bolsonaro, a lealdade e parceria estabelecida na caminhada rumo a uma sociedade mais livre, justa e igualitária, bem como a contribuição acadêmica em vista ao fortalecimento do Direito, além de um perfil progressista.
Fixadas estas premissas e considerando os objetivos estatutários da APD, foi realizado amplo debate entre suas associadas e seus associados, levando em conta, igualmente, os anseios da sociedade, manifestado por diversas organizações sociais democráticas e de valorização da população negra, com vistas a indicar pessoas que detenham perfil democrático e estejam compromissadas com os objetivos da República Federativa do Brasil, prevista no art. 3º da Constituição Cidadã.
Em razão do exposto, a APD, almeja ter contribuído com o debate, esperando que a escolha do Presidente da República leve em conta a necessidade de equalização das desigualdades, bem como possibilite a melhoria da representação da sociedade no Supremo Tribunal Federal."