EUA priorizam América Latina e revivem Doutrina Monroe em novo plano de segurança nacional
O governo de Donald Trump quer acabar com as migrações em massa no mundo, fazer do controle das fronteiras "o elemento principal da segurança" dos Estados Unidos e reviver a Doutrina Monroe na América Latina, aponta um documento da Casa Branca publicado nesta sexta-feira (5).
"A era das migrações em massa deve chegar ao fim. A segurança das fronteiras é o elemento principal da segurança nacional", defende a Estratégia Nacional de Segurança de 2025, documento publicado regularmente por Washington delineando suas prioridades militares.
O texto ainda pontua que "após anos de negligência", os EUA agirão "para restaurar a preeminência americana no Hemisfério Ocidental e para proteger a pátria e o acesso a regiões geográficas importantes em toda a região".
O documento defende uma quase retomada da Doutrina Monroe do início do século 19, estratégia dos EUA que visava substituir a influência europeia nas Américas pela hegemonia de Washington sobre os outros países do continente, em especial os da América Latina -região que consideravam seu quintal.
Na época, entretanto, a doutrina era bravata: em 1823, quando o presidente James Monroe articulou a estratégia, os EUA não tinham uma Marinha capaz de fazer frente às grandes potências europeias, caso de Reino Unido e França.
Duzentos anos depois, o cenário é outro. Naquilo que chama de aplicação de um "corolário Trump" à doutrina, o governo americano deverá, segundo o texto, buscar acesso a recursos e localizações estratégicas na região, além de garantir que os países sejam "razoavelmente estáveis e bem governados para prevenir e desencorajar a migração em massa".
Na mesma linha, sem citar países específicos, o documento defende um reajuste da "presença militar global" americana, com o intuito de combater o que chamou de "ameaças urgentes" e de "se afastar de cenários cuja importância relativa para a segurança nacional dos EUA diminuiu nas últimas décadas ou anos".
O documento busca desenvolver a visão "America First" (EUA em primeiro lugar) de Trump para estabelecer uma reorientação de sua política dos últimos anos.
"Devemos proteger nosso país contra invasões, não apenas contra as migrações fora de controle, mas também contra as ameaças transfronteiriças como o terrorismo, as drogas, a espionagem e o tráfico de pessoas", acrescenta o texto.
Ao longo do documento de 33 páginas, o governo defende sua preeminência na região "como condição para segurança e prosperidade" e repete posicionamentos dúbios, sem nomear países.
"Os termos de nossas alianças e as condições sob as quais fornecemos qualquer tipo de ajuda devem estar condicionados à redução da influência estrangeira adversária", diz o documento. "Desde o controle de instalações militares, portos e infraestrutura essencial até a aquisição de ativos estratégicos em sentido amplo."
Mesmo com a possível referência à China -já que os EUA travam batalhas em relação a minerais críticos e a presença chinesa no Canal do Panamá, por exemplo-, o texto cita a nação de Xi Jinping ao falar sobre cooperação. "Vamos reequilibrar a relação econômica dos EUA com a China, priorizando a reciprocidade e a equidade para restaurar a independência econômica americana", diz o documento.
O texto ainda contém, no entanto, repetidas menções a "potências estrangeiras" que, com sua influência, poderiam minar a soberania americana. "Algumas influências estrangeiras serão difíceis de reverter, dadas as alianças políticas entre certos governos latino-americanos e certos atores estrangeiros", afirma o documento, sem citar qualquer país da América Latina, inclusive a Venezuela, com quem Trump tem travado uma escalada militar.
"Os EUA obtiveram sucesso em reduzir a influência estrangeira no Hemisfério Ocidental ao demonstrar, com especificidade, quantos custos ocultos -em espionagem, segurança cibernética, armadilhas da dívida e outras áreas- estão embutidos na assistência externa supostamente de 'baixo custo'", diz o documento, em aparente referência à chamada Nova Rota da Seda, ambicioso projeto global de infraestrutura e investimentos da China.
Ao falar sobre a Guerra da Ucrânia, o documento critica também os aliados americanos da Europa no campo da segurança. "É de fundamental interesse dos EUA negociar uma cessação célere das hostilidades na Ucrânia, a fim de estabilizar as economias europeias."
"A guerra na Ucrânia teve o efeito perverso de aumentar a dependência externa da Europa, especialmente da Alemanha", diz o texto, ao acrescentar que "o governo Trump se encontra em desacordo com autoridades europeias que nutrem expectativas irrealistas para a guerra, baseadas em governos minoritários instáveis, muitos dos quais se apoiam em princípios básicos da democracia para suprimir a oposição".
Após a publicação pela Casa Branca, o ministro das Relações Exteriores da Alemanha afirmou que o país não precisa de conselhos externos. "Acredito que questões relativas à liberdade de expressão ou à organização de nossas sociedades livres não tenham lugar [na estratégia], em todo caso, pelo menos no que diz respeito à Alemanha", afirmou Johann Wadephul.
Já o Die Zeit, um dos principais jornais do país, foi mais explícito, levando à manchete uma análise com o título: "A doutrina anti-Europa".
Mesmo com a posição crítica a atores inominados no documento, Trump mantém os aliados da União Europeia entre os objetivos dos EUA para o mundo.
"Queremos apoiar os nossos aliados na preservação da liberdade e da segurança da Europa, ao mesmo tempo que restauramos a autoconfiança civilizacional da Europa e a identidade ocidental." Isso se reflete, segundo o texto, também nas políticas de imigração da região. "Se as tendências atuais continuarem, o continente [europeu] será irreconhecível em 20 anos ou menos."
O discurso ecoa a teoria da conspiração da grande substituição, ideia racista segundo a qual a imigração em massa à Europa e aos EUA é um plano de elites, geralmente judias, para eliminar a raça branca do planeta.
