Órgão de combate à seca usa 60% dos contratos de emendas para máquinas e pavimentação
Uma auditoria realizada pela CGU (Controladoria-Geral da União) concluiu que cerca de 60% dos contratos do Dnocs (Departamento Nacional de Obras contra a Seca), de 2021 e 2023, nada tiveram a ver com o objetivo do órgão de combater a escassez hídrica do país. O período abrange os governos Bolsonaro e Lula.
De acordo com a Controladoria, os recursos empregados de forma irregular chegaram a R$ 1,1 bilhão, via emendas parlamentares. Eles foram gastos com obras de pavimentação de estradas e aquisição de máquinas agrícolas, como retroescavadeiras, motoniveladoras e grades aradoras —sem ter relação com o órgão.
Segundo a auditoria, esses fatos evidenciaram que o Dnocs não prioriza ações voltadas ao combate à escassez hídrica na região semiárida, o que pode resultar na ineficiência de sua atuação. O órgão é ligado ao MIDR (Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional).
A Polícia Federal e a CGU apuram, na Operação Overclean, um esquema de desvio de emendas parlamentares destinadas ao Dnocs que teria movimentado R$ 1,4 bilhão em contratos fraudulentos e obras superfaturadas.
O inquérito tem entre os seus principais alvos pessoas ligadas ao União Brasil e já afastou servidores e prefeitos na Bahia de seus cargos.
Em março, a PF também fez operação para apurar o desvio de máquinas e implementos agrícolas do Dnocs na Bahia. A investigação mirou doações de equipamentos realizadas no período entre 2019 e 2021, na gestão Bolsonaro.
Em sua auditoria, a CGU afirmou que a autarquia não demonstrou que as suas ações foram direcionadas aos municípios e regiões mais vulneráveis às secas, baseados em parâmetros técnicos.
Em 2024, o país sofreu a pior seca já registrada desde o início da atual série histórica, em 1950, segundo dados do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais).
O problema se estendeu por 5 milhões de quilômetros quadrados, 58% do território nacional.
De acordo com a legislação, cabe ao departamento promover ações de aproveitamento hidrológico e fazer obras como barragens, poços, adutoras e cisternas com o objetivo de ampliar a segurança hídrica.
Para a CGU, além de infringir a Constituição, ao extrapolar as competências que lhe são atribuídas, o Dnocs também compromete a sua capacidade no enfrentamento da escassez hídrica ao empregar recursos de maneira incorreta.
O Dnocs respondeu à Controladoria que as ações chegam à autarquia de forma pré-estabelecida, encaminhadas pelo MIDR e por emendas parlamentares.
Informou ainda que é responsável apenas pela execução, sem nenhuma participação no planejamento dessas ações.
Por outro lado, afirmou que as contratações são compatíveis com as suas competências, pois apoiam a produção agrícola e seu escoamento e facilitam a distribuição de água para as comunidades rurais, por meio de caminhões-pipa.
A Controladoria, no entanto, disse que o Dnocs não apresentou qualquer estudo que indicasse as localidades em que o acesso de caminhões-pipa estaria prejudicado por más condições das estradas vicinais para que pudessem ser priorizadas em ações de pavimentação.
Também pontuou que o Dnocs não sabe de antemão quais municípios terão vias pavimentadas, uma vez que eles só são indicados posteriormente pelo parlamentar que envia recursos via emenda, "fonte de recursos exclusiva dessas contratações".
Afirmou ainda que os maquinários agrícolas foram adquiridos pelo órgão sem previsão nos manuais do MIDR.
Para a CGU, o Dnocs deveria se declarar tecnicamente impedido de realizar as execução das demandas do Parlamento, pelo fato de os objetos contratados não terem pertinência temática com a finalidade do órgão.
A Controladoria também alertou que essas contratações expõem o departamento a riscos, como o superfaturamento de serviços, já que não há servidores suficientes e com expertise técnica para conduzir e fiscalizar os contratos.
"Este desvirtuamento da atuação do Dnocs é ainda mais grave ao considerar o progressivo esvaziamento de seu corpo funcional, sem que as demandas recorrentes por concurso público tenham sido atendidas pelo MIDR", disse a Controladoria.
A CGU ainda recomendou ao órgão a criação de normas que estabeleçam critérios técnicos objetivos para a priorização e seleção de obras de infraestrutura hídrica.
O Dnocs não se manifestou sobre as conclusões da Controladoria no relatório do órgão, segundo informou a CGU no documento.
"Em razão da ausência de manifestação, a CGU comunicou o caso à assessoria de Controle Interno do Ministério da Integração Regional, o que resultou em nova solicitação de dilação de prazo por parte da autarquia. Contudo, este expirou sem que houvesse qualquer manifestação por parte do Dnocs, mesmo já tendo transcorrido oitenta dias desde o envio do relatório preliminar", disse.
Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa do Dnocs não respondeu sobre o relatório. O MIDR disse que as empresas e autarquias vinculadas, como o Dnocs, possuem autonomia para realizar empenhos de recursos relacionados às ações que executam.
