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Depressão se tornou mais aceita como doença de causas biológicas, diz psiquiatra Philip Gold

Por Luana Lisboa | Folhapress

Foto: Reprodução / Bahia Social VIP

Um dos principais pesquisadores do mundo sobre transtornos depressivos, Philip William Gold acredita que o aumento de casos neste século se relaciona ao fato de que a depressão tem sido mais aceita como uma doença de causas biológicas em vez de como uma falha em se adaptar ao mundo ao nosso redor.
 

Desde 1974, Gold atua nos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), nos Estados Unidos, onde já ocupou o cargo de chefe de pesquisa neuroendócrina. Em entrevista à Folha, ele fala sobre seu mais recente livro, lançado em 2023, e traduzido no Brasil neste ano com o título "A Geração Deprimida", pelo selo Paidós, da editora Planeta.
 

O autor afirma que, hoje, as pessoas estão mais conscientes da depressão, mais dispostas a falar sobre o assunto e a procurar ajuda. Para ele, isso pode explicar melhor o aumento de casos do que a possibilidade de vivermos em um ritmo mais estressante.
 

"Minha sensação é que, há 100 anos, era provavelmente mais estressante estar vivo, porque não tínhamos medicamentos que poderiam tratar as infecções, e as pessoas e os seus filhos sempre foram vulneráveis de formas que não são hoje", diz.
 

No ensaio, que aborda as descobertas mais recentes sobre as origens biológicas da depressão, o psiquiatra explica que a doença é uma resposta fisiológica desregulada ao estresse. Essa reação envolve diversos locais do cérebro e impacta todos os tecidos e todas as células do corpo. Por essa razão, afirma, a depressão é uma doença do corpo inteiro.
 

Também por isso, diz ser uma tragédia o fato de que o tratamento adequado não esteja ao alcance de todos que sofrem com o transtorno "especialmente as mais pobres e desfavorecidas, prisioneiras de um desespero perpétuo e implacável".
 

Ele fala por experiência própria: Gold viveu a depressão durante a juventude. Quando tinha 6 anos, a vida da família se alterou completamente quando o irmão perdeu a capacidade de falar e engolir. Estava com uma infecção chamada pólio bulbar, que invade o tronco cerebral, interferindo na respiração e nas funções cardíacas. Na época, a doença tinha uma taxa de 80% de mortalidade. Com os pais arrasados, ele jurou para si mesmo que não lhes causaria problemas e sentiu culpa pelo irmão estar doente, e não ele.
 

Já durante a faculdade, sofreu uma desilusão amorosa na mesma época em que o pai foi internado com fortes dores no peito. Por isso, teve uma grave crise de depressão.
 

O estresse extremo ou trauma durante a infância, defende, pode plantar as sementes para o início da depressão anos depois.
 

Perdas não lamentadas são fontes de enorme estresse. Manter os sentimentos afastados nos impede de fazer as pazes com o sofrimento e de passar pelo processo curativo de se debater com a tristeza, diz. Da mesma forma, evitar a raiva e sentir vergonha pela imperfeição são fatores que podem gerar propensão à depressão.
 

Gold diz ter tido que superar o próprio perfeccionismo para ser um melhor terapeuta para os pacientes. "O perfeccionismo faz com que pacientes se sintam envergonhados do que acham ser uma falha. Eu me senti assim também, não podia cometer erros", afirma.
 

"Tratando esse perfeccionismo por anos, passei a ter uma visão mais realística de mim mesmo, tentando aprender com meus erros, com as pessoas e com o mundo ao meu redor".
 

Os traumas se entrelaçam a fatores genéticos para moldar a vulnerabilidade emocional. Embora não exista uma "sentença" genética para a depressão, os genes ainda têm um papel na previsão das chances de uma pessoa vir a sofrer a doença.
 

Os estudos genéticos são vistos por Gold como o futuro dos tratamentos para depressão. Isso pode envolver, por exemplo, a testagem de pacientes quanto a mutações em genes candidatos para anomalias.
 

No caso da depressão, esses candidatos incluem o CRH (hormônio liberador de corticotropina), componente central do sistema de resposta ao estresse do corpo e o BDNF, proteína essencial para a sobrevivência, crescimento e desenvolvimento dos neurônios, por exemplo.
 

Enquanto o CRH desencadeia manifestações da depressão melancólica, como a ansiedade e comportamentos relacionados ao medo, níveis baixos de BDNF estão associados à disfunção da plasticidade cerebral, o que pode levar a uma redução dos neurônios e das conexões.
 

Pesquisadores demonstraram que a deficiência de BDNF acontece em face do estresse. Gold afirma que a intervenção farmacológica com o melhor potencial envolve a continuidade dos estudos sobre essa proteína e o desenvolvimento de um composto oral, hoje difícil, por ele ser quebrado no trato intestinal.
 

Menciona que o uso de psicodélicos também têm efeitos robustos na ativação do sistema do BDNF. Defende as drogas psicodélicas como agentes promissores que, quando usados com efetividade, na presença de um psicoterapeuta, podem ter impacto maior sobre a depressão, devido aos seus efeitos biológicos.
 

A descoberta de que a cetamina pode exercer efeitos antidepressivos é um dos eventos mais importantes da pesquisa sobre a depressão em anos, também afirma Gold, pelo seu efeito quase imediato. A substância deu pistas sobre os efeitos que o neurotransmissor glutamato desempenha na depressão, mas tem riscos significativos, como a perda de respostas posteriores, levando à frustração do paciente.
 

Gold mostra-se empolgado com as pesquisas futuras sobre o tratamento. "Iniciou-se uma era completamente nova quanto à compreensão que temos da doença depressiva, em que estão sendo identificados os alvos mais importantes para o seu tratamento rápido e eficaz", escreve.
 


 

A Geração Deprimida
 

Preço: R$ R$ 79,90
 

Autoria: Philip W. Gold
 

Editora: Paidós

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