Governo só fiscaliza planos para fechar 19 das 45 mil minas do país
A expansão da exploração mineral, setor que responde por mais de 10% das exportações anuais do país, tem ignorado uma etapa básica de seu processo: o fechamento das minas, quando não há mais o que explorar.
Dados da ANM (Agência Nacional de Mineração), aos quais a reportagem teve acesso, revelam que um total de 20 mil títulos de exploração mineral no Brasil não possuem nenhum tipo de informação a respeito do encerramento de atividades, ou seja, não há qualquer plano sobre o que fazer na área quando se chega ao fim da exploração mineral, uma situação ilegal e que costuma resultar no abandono de minas, com seus riscos ambientais e de segurança pública à população.
Com a missão de fiscalizar o setor, a ANM administra 45 mil títulos minerários —autorizações dadas para exploração de áreas no território nacional. Mas o chamado "Cadastro Mineiro", sistema que funciona como a base de dados oficial do setor, registra menos de 25 mil planos de fechamento de minas (PFM). Destes, apenas 19 foram analisados e aprovados pela agência até hoje.
Isso embora esses estudos sejam obrigatórios desde 2021, por uma resolução do próprio órgão. Antes, já existia uma previsão para o fechamento de mina, mas não havia uma norma tão clara, padronizada e obrigatória quanto a atual. A legislação anterior era mais genérica, fragmentada e com baixa exigibilidade prática, o que contribuía para a precariedade da fiscalização e a proliferação de passivos ambientais.
Questionada pela reportagem, a ANM afirmou que, em agosto, atualizou seu regimento interno e ampliou a estrutura dedicada ao tema de fechamento de mina, com a criação da Gerência de Sustentabilidade e Fechamento de Mina, para cuidar dessa etapa da exploração mineral, além de minas abandonadas e suspensas.
Atualmente, porém, a divisão conta com apenas quatro servidores dedicados exclusivamente ao tema, além de técnicos das unidades regionais.
Na prática, muitas minas encerravam atividades sem qualquer protocolo de fechamento e os passivos ambientais se acumulavam sem controle efetivo. A fiscalização era reativa e fragmentada, feita após o surgimento do problema.
O plano de fechamento das minas tem o propósito de garantir o controle da poluição das áreas, ao evitar a contaminação de solos, rios e lençóis freáticos por metais pesados e rejeitos. Nesta etapa, é exigida a recuperação de áreas degradadas, com recomposição da vegetação, estabilização de taludes e fechamento de galerias, reduzindo riscos de erosão e deslizamentos.
A precariedade da fiscalização expõe falhas estruturais, mesmo após o país ser palco de dois dos maiores desastres do setor em todo o mundo, com o rompimento da barragem da Samarco em Mariana (MG), em 2015, e a tragédia da Vale em Brumadinho (MG), em 2019.
O desconhecimento generalizado sobre o encerramento das atividades passa diretamente pela incapacidade da ANM de lidar com o volume de informações que possui. A própria agência reconhece, em nota técnica obtida pela reportagem, que o baixíssimo índice de planos analisados e aprovados revela "uma capacidade de processamento inexpressiva diante da demanda regulatória".
"Não existe, à data, um inventário consolidado de minas abandonadas ou suspensas. Falta-nos, portanto, a localização precisa de cavas, pilhas, barragens desativadas e outras estruturas potencialmente instáveis, bem como a avaliação sistemática do risco de drenagem ácida, contaminação de águas superficiais e subterrâneas e exposição de comunidades a situações de perigo iminente", informa o documento.
Para tentar enfrentar o problema, a Divisão de Fechamento de Mina da ANM pediu, em agosto, que a agência autorize a destinação de R$ 10 milhões para criar um sistema digital voltado à gestão de Planos de Fechamento de Mina.
A ideia é pedir recursos do Acordo de Mariana, que foi firmado após o rompimento da barragem de Fundão e que reservou R$ 1 bilhão para fortalecimento de ações de fiscalização.
O sistema também seria usado para fazer um inventário de minas abandonadas ou suspensas, mapeamento que hoje não existe, impedindo a localização exata de estruturas desativadas, como cavas, pilhas ou barragens.
A ferramenta funcionaria como um repositório eletrônico para submissão, revisão e rastreamento das minas, com alertas sobre prazos e etapas a serem cumpridas, além do monitoramento sobre o estágio de degradação, proximidade de áreas habitadas e possíveis impactos ambientais.
Em seu pedido, a área técnica da agência diz que o sistema poderia fazer com que as 19 análises atuais saltassem para mais de 1 mil avaliações por ano, sem ter a necessidade de aumentar o quadro de servidores.
A respeito da criação de um sistema, a ANM afirmou que a proposta foi aprovada por seu Comitê Geral de Governança e que faz parte dos "projetos institucionais prioritários", mas que ainda depende de apreciação de sua diretoria. Só então o pedido será submetido ao Comitê Gestor do Acordo de Mariana, responsável pela decisão final. O orçamento previsto, após atualizações, passou a ser de R$ 15 milhões.
"Paralelamente, a gerência vem elaborando manuais e guias técnicos para orientar as análises dos planos já existentes e ampliando a cooperação com órgãos ambientais como Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e Feam/MG (Fundação Estadual do Meio Ambiente de Minas Gerais)", declarou a ANM.
A criação de uma nova plataforma digital, segundo a agência, é fundamental para a execução do trabalho. "O objetivo é assegurar que as áreas mineradas sejam fechadas com segurança e estabilidade ambiental, em benefício das comunidades locais e da sociedade."
O Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), que representa mais de 300 empresas, afirmou que suas associadas atuam de acordo com a legislação e que os planos de fechamento são "parte dos requisitos para operar de forma responsável ao longo de todo o ciclo da atividade".
"Se existem títulos sem plano registrado no sistema público, trata-se de uma lacuna que deve ser enfrentada com rapidez e organização. Parte desse quadro pode decorrer de documentos antigos ainda em papel e/ou não digitalizados, o que dificulta a consulta e o controle. O Ibram apoia a digitalização e a transparência integral desses dados", declarou.