Moraes chega ao fim do julgamento de Bolsonaro com poder reafirmado por colegas do STF
Alvo de sanções dos EUA e em divergência aberta com o colega Luiz Fux, o ministro Alexandre de Moraes chegou ao fim do principal julgamento que conduziu no STF (Supremo Tribunal Federal) com seu poder reafirmado pela defesa pública, e também nos bastidores, da maior parte dos integrantes da corte.
O último dia de julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pela trama golpista, na quinta-feira (11), foi recheado de desagravos ao trabalho de Moraes como relator do processo e, também, das outras investigações relacionadas a atos antidemocráticos.
Após um longo voto de Fux, que questionou a relatoria de Moraes no caso e a legitimidade do próprio STF para julgar a ação, o presidente da corte, Luís Roberto Barroso, e o decano, Gilmar Mendes, decidiram assistir presencialmente à derradeira sessão que condenou Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de prisão.
Internamente, os ministros vinham demonstrando que era necessário dar uma sinalização clara de que o tribunal oferecia apoio institucional ao julgamento.
Além de divergências internas e da mobilização junto ao governo Donald Trump, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), fez críticas a Moraes em discurso num ato bolsonarista no 7 de setembro, no qual chamou o ministro de ditador e tirano.
O próprio Barroso, que tem uma longa relação de amizade com Fux, sentou-se ao lado de Moraes durante parte da sessão e fez um discurso elogiando o trabalho do relator ao fim do julgamento.
Por ser presidente do STF, Barroso não integra nenhuma das duas turmas do tribunal enquanto ocupa o posto e, portanto, não votou no processo de Bolsonaro. Ele esteve lá para dizer que Moraes desenvolveu um "trabalho hercúleo" ao longo dos anos "na preparação desse julgamento paradigmático, divisor de águas na história do Brasil".
"Quero aqui repetir uma vez mais: tratou-se de um julgamento público, transparente, com devido processo legal, baseado em provas as mais diversas: vídeos, textos, mensagens, confissões", disse Barroso.
"As compreensões contrárias fazem parte da vida, mas só o desconhecimento profundo dos fatos ou uma motivação descolada da realidade encontrará neste julgamento algum tipo de perseguição política."
Flávio Dino, que votou junto com Moraes na Primeira Turma, também fez um desagravo ao colega no fim do julgamento. O ministro tem sido um forte aliado do relator no tribunal.
Ele disse que Moraes "tem pago preços injustos" por sua atuação nos processos sobre atos antidemocráticos. "Injustos não por ele. Injustos pela família dele. Hoje, eu conversava com o ministro [Cristiano] Zanin, que eu sou pai --pai, mãe, avô, tio, todos nós somos. Nada nos incomoda mais do que a nossa família pagar preços que não lhe pertencem", afirmou.
Uma parte dos ministros do STF foi sancionada por Trump e impedida de entrar nos EUA, assim como seus parentes.
Moraes também foi alvo da Lei Magnitsky, que impõe o congelamento de ativos que o ministro tenha nos Estados Unidos e proíbe entidades financeiras americanas de fazerem operações em dólares com uma pessoa sancionada.
Durante o julgamento, Moraes também defendeu a si mesmo. "É importante aproveitar para salientar outra desinformação que se passa constantemente, a de que eu estaria sendo relator do processo de tentativa de homicídio contra mim mesmo", disse Moraes, ao argumentar que o processo é sobre ataques às instituições.
Apesar das falas dos ministros, atitudes de Moraes durante o julgamento deixaram integrantes das defesas dos réus irritados.
Por exemplo, a interrupção no voto da ministra Cármen Lúcia para exibição de vídeos de ataques de Bolsonaro ao próprio Moraes e ao STF provocou críticas dos advogados, em conversas reservadas.
Além disso, as piadas feitas entre Moraes, Dino e Cármen durante o julgamento --o que foi classificado por advogados como um clima de descontração informal inadequado enquanto condenavam réus-- também motivou queixas.
Parte deles afirmou que cobraria da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) uma manifestação sobre as atitudes dos integrantes da Primeira Turma.
Uma ala de ministros da corte também considerou, de forma reservada à Folha, o tom jocoso e referências indiretas ao longo voto de Fux como desrespeitoso e fora da liturgia do tribunal.
Moraes é ministro do STF desde 2017, mas começou a concentrar poderes em investigações relacionadas ao bolsonarismo em 2019, quando assumiu de forma controversa a relatoria do inquérito das fake news, durante a presidência do ministro Dias Toffoli.
Antes de integrar a corte, Moraes foi promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo e ascendeu na carreira ocupando diversas áreas de destaque das gestões de políticos paulistas.
Como secretário de Segurança Pública de São Paulo, em 2016, ficou à frente de uma questão sensível para o então vice-presidente Michel Temer (MDB): o hackeamento do celular da primeira-dama Marcela Temer.
Ele atuou para que houvesse recursos policiais e discrição na ação que resultou na prisão do hacker. Quando Temer se tornou presidente, o secretário foi nomeado ministro da Justiça, já com a ambição de assumir uma vaga no STF.
Acabou indicado para uma cadeira em 2017, após a morte de Teori Zavascki em um acidente aéreo.
O inquérito das fake news foi a primeira investigação usada como guarda-chuva para manter sob a relatoria de Moraes os casos relacionados a suspeitas que envolvem ataques às instituições e disseminação de informações fraudulentas --o que evitou a distribuição desses processos entre todos os ministros por sorteio.
Atualmente, além da investigação sobre as fake news, Moraes tem mais "inquéritos guarda-chuva" em suas mãos: o das milícias digitais e o dos atos antidemocráticos (esse é o segundo inquérito com esse nome, já que o primeiro deles foi arquivado em 2021).