Menina de 11 anos voltou do hospital chorando de dor e família afirma que houve negligência
A última imagem que vizinhos têm da menina Alícia Valentina Lima dos Santos Silva, 11, é dela caminhando lentamente ao lado da mãe, com a mão no ouvido e chorando de dor. A jovem de Belém de São Francisco, no sertão de Pernambuco, foi agredida por um colega da escola e morreu no domingo, dia 7.
No dia da agressão, funcionários levaram a aluna para o hospital municipal da cidade. A mãe, Ana Vilka Lima, afirma que a filha foi atendida e liberada em seguida.
Duas vizinhas, Lucimeire Rita de Araújo, 49, e Maria Eliane Silva, 50, relembram o momento em que a menina voltou do hospital ao lado da mãe. Assustadas com o ocorrido, pediram que as duas fizessem uma pausa antes de chegar em casa. Lá, a menina reclamava de dor e teve ânsia de vômito.
Depois, elas retornaram para casa, e a última coisa que uma tia lembra de ter ouvido da garota foi: "Um menino me socou". Em seguida, Alícia passou a sentir dores mais fortes e vomitou sangue. Nesse momento, já não conseguia manter os olhos abertos e deixou de responder.
Ela foi levada ao posto de saúde da cidade e, de lá, transferida para um hospital em Salgueiro. Por fim, seguiu para Recife, onde foi constatada a morte cerebral.
Em entrevista à Folha de S.Paulo nesta quinta (11), a família disse que houve negligência por parte da gestão municipal. A prefeitura nega e afirma que prestou toda a assistência desde os primeiros momentos, rejeitando qualquer omissão.
"Não houve negligência médica ou alta hospitalar por parte dos profissionais da saúde, que realizaram o atendimento da menor", afirmou a gestão municipal, que alega que a estudante foi levada para casa pela mãe "sem autorização da médica plantonista".
A mãe rebate e afirma que a filha foi liberada pelos profissionais. Segundo ela, a médica aplicou apenas algumas injeções para dor e receitou medicamentos como dipirona e ibuprofeno. Familiares dizem ainda que a menina não tinha sequer acesso no braço para receber medicação e que não receberam orientações sobre cuidados em casa.
De acordo com o atestado de óbito de Alícia, a morte foi causada por um "traumatismo cranioencefálico produzido por instrumento contundente".
A mãe afirma que a filha nunca teve problemas na escola nem reclamou de colegas agressivos. "Não sei por que esse infeliz fez isso com ela", disse Ana. "Só quero que a Justiça continue a ser feita."
Nem ela nem a família conhecem o jovem que agrediu a garota e ainda buscam entender o que motivou a violência dentro da escola.
No boletim de ocorrência, consta que a garota foi espancada por quatro meninos e uma menina após supostamente recusar o pedido de um colega para "ficar" com ela -a agressão teria sido iniciada por ele.
A família diz não acreditar nessa versão, e afirma que Alícia não costumava falar de meninos e era muito nova para ter conflitos afetivos.
Em nota, a Polícia Civil de Pernambuco disse que a investigação segue em andamento e que um adolescente foi apreendido por ato infracional análogo ao crime de lesão corporal seguida de morte. Ele foi localizado em Nazaré, na zona rural de Floresta, também em Pernambuc. Após a apreensão, foram realizadas as comunicações legais, exame traumatológico e encaminhamento para internação.
Além da queixa contra o hospital, a família da menina também critica a postura da escola onde ela estudava. Imagens de câmeras de segurança mostram que uma professora mexia no computador próximo ao local da agressão.
Em nota, a escola afirmou que o momento é de grande tristeza para toda a comunidade escolar. "Perdemos uma criança que fazia parte do nosso dia a dia", declarou a instituição, descrevendo Alícia como uma menina alegre, simples e lembrada pela convivência com colegas, professores e funcionários.
"É importante ressaltar que o caso foi encaminhado às autoridades competentes, que conduzirão as investigações necessárias para esclarecer as circunstâncias do ocorrido", diz a nota. "Que a memória de Alícia permaneça viva entre nós e que sua partida precoce se transforme em lembrança de amor, inocência e esperança."
A escola, que ficou três dias de luto, voltou a funcionar nesta quinta-feira. Na porta do local, uma faixa preta foi erguida em homenagem à jovem.
A cidade de pouco mais de 18 mil habitantes é descrita por moradores como um lugar tranquilo, onde raramente ocorrem conflitos. As pessoas costumam conversar na porta de casa em cadeiras de praia, e os portões das residências permanecem abertos para receber vizinhos.
"A cidade ficou em choque. Estamos todos muito tristes e só se fala nisso", diz a vizinha Maria Eliane.
Lucimeire afirma que é importante que o jovem entenda a gravidade do que fez. "Isso abalou Belém e as cidades próximas", diz. "Uma prisão ou uma Febem não vai trazer Alícia de volta, mas é uma forma de justiça."