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Marca Bahia Notícias

Notícia

Após pressão, Fabiana Cozza renuncia papel principal em musical sobre Dona Ivone Lara

Foto: Reprodução / Facebook

Após sua escalação ter sido criticada por parte do movimento negro e de ter sido acusada de ser “pouco negra” para ser protagonista, a cantora paulista Fabiana Cozza renunciou o papel principal no musical em homenagem a Dona Ivone Lara. Para anunciar a desistência, a artista, que é filha de uma mulher branca e pai negro, escreveu uma carta aberta emocionada. "Aos irmãos: O racismo se agiganta quando transferimos a guerra para dentro do nosso terreiro. Renuncio hoje ao papel de Dona Ivone Lara no musical ‘Dona Ivone Lara – um sorriso negro’ após ouvir muitos gritos de alerta – não os ladridos raivosos. Aprendo diariamente no exercício da arte – e mais recentemente no da academia, sempre com os meus mestres - que escuta é lugar de reconhecimento da existência do Outro, é o espelho de nós”, declarou Fabiana. “Renuncio por ter dormido negra numa terça-feira e numa quarta, após o anúncio do meu nome como protagonista do musical, acordar ‘branca’ aos olhos de tantos irmãos. Renuncio ao sentir no corpo e no coração uma dor jamais vivida antes: a de perder a cor e o meu lugar de existência. Ficar oca por dentro. E virar pensamento por horas”, acrescentou a cantora, afirmando ter visto a “guerra” ser transferida “mais uma vez para dentro do nosso ilê (casa)” e que, como consequência, sentiu que “a gente poderia ilustrar mais uma vez a página dos jornais quando ‘eles’ transferem a responsabilidade pro lombo dos que tanto chibataram. E seguem o castigo. E racismo vira coisa de nós, pretos. E eles comemoram nossos farrapos na Casa Grande. E bebem, bebem e trepam conosco. As mulatas”. Fabiana dedicou a renúncia ainda à memória de todas negras estupradas durante e após a escravidão pelos donos e colonizadores brancos. “Renuncio porque sou negra. Porque tem sopro suficiente dizendo a hora e o lugar de descer para seguir na luta. É minha escuta de lobo, de quilombola. Renuncio pra seguir perseguindo o sol, de cabeça erguida feito o meu pai, minha mãe (branca), meus avós, meus bisavós, tatas... Ao lado de vocês, irmãos”, diz, acrescentando que deixa o projeto porque a cor da pele de Dona Ivone Lara precisa ser a de outra artista “mais preta” do que ela, mas que deseja um dia dançar ao lado de todo e qualquer “irmão”,  “toda e qualquer tom de pele comemorando na praça a nossa liberdade”.

 


Choveram críticas na página do espetáculo nas redes sociais, que, como retaliação, recebeu várias avaliações negativas | Foto: Reprodução / Facebook

 

Fabiana diz ainda que sai também em respeito à família da homenageada. “Eliana, André, seu pai e todos os parentes e amigos que cuidaram dela até os 97 anos e tem sido duramente constrangidos por gente que se diz da luta mas ataca os iguais perversamente. Renuncio pelo espírito de Dona Ivone que ainda faz a sua passagem e precisa de paz”, explica, projetando um futuro no qual todos possam se unir para pensar juntos espaços de representatividade para todos os negros. “Renuncio porque quero que outras mulheres e homens de pele clara, feito eu, também tenham o direito de serem respeitados como negros. Renuncio porque tenho alma de artista e levo amor pras pessoas. Porque acredito num mundo feito de gente e afeto. Renuncio porque não tolero a injustiça, o desrespeito ao outro, o linchamento público e gratuito das pessoas, descabido, vil, sem caráter, desumano”, acrescentou, criticando os ataques sofridos por ela, pela família de Dona Ivone Lara e todos os demais envolvidos na montagem, como o diretor, o baiano Elísio Lopes Jr.. “Renuncio em respeito à direção e produção do espetáculo que tanto me abraçou, em respeito ao elenco que agora se forma e que, sensível a tudo, lutou por seu espaço e precisa trabalhar e criar em silêncio. Renuncio por amor aos meus amigos artistas, familiares, irmãos que a vida me deu que também se entristecem, mas não se acovardam diante dos covardes”, disse Fabiana Cozza, destacando que seguirá cantando em tributo à “amiga e amada” Dona Ivone Lara e, citando André Abujamra, afirmou que “alma não tem cor”.

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