Barbada, negra e mulher: Com perfil plural, concurso escolhe revelação drag de Salvador
No coração de Salvador, na Rua Carlos Gomes, funciona o bar Âncora do Marujo, que há 35 anos é um dos principais nascedouros da arte transformista da cidade. É nessa vibe que, neste domingo (10), o espaço recebe a grande final do concurso Revelação Marujo, competição que anseia revelar o novo talento drag queen da capital baiana. No páreo, estão a Imperatriz Mavambo Mamba Negra, a delicada e barbuda Amethyst e a drag Milita, vivida pela psicóloga feminista Camila Hoffmann. A pluralidade das finalistas é resultado de uma fotografia realista do cenário artístico da cidade, destaca Desireé Beck, idealizadora do concurso e Miss Salvador Gay em 2016. “A minha maior preocupação na seleção das meninas foi mostrar a verdade do que é o cenário transformista vasto de Salvador”, comenta. “Como hoje as pessoas têm mais liberdade de ser como elas são, a arte ficou mais plural”, argumenta Desireé.
Durante 12 semanas, 18 artistas dos mais diferentes estilos competiram em provas que testaram as habilidades das meninas em dublar, atuar, dançar e até mesmo elaborar roupas 100% recicláveis. As provas, escritas pela idealizadora, queriam escolher uma drag queen versátil além de talentosa. “Eu particularmente achei todas as provas fáceis, mas ouvi de muitas das competidoras que a noite das 1.001 xuxas foi difícil”, lembra Desireé. Na prova, todas deveriam subir ao palco com um clássico look da rainha dos baixinhos feito de materiais recicláveis. Na grande final, as transformistas foram desafiadas a criar uma performance que retrata uma década, usando teatro, dança e dublagem. A grande vencedora do Revelação Marujo 2017 levará, além do título, R$ 1.000, uma coroa, perucas, jóias, kit de óculos de sol, lentes de contatos e produtos de sexy shop. “Por que revelação também [som de beijo]”, dispara Desireé.
Autodeclarada como “uma pedra bruta, lapidada em sua peculiaridade e delicadeza”, a finalista Amethyst é vivida por Rodrigo Andrade de 22 anos. Sempre com uma cor diferente e às vezes aparecendo maior, com ajuda de extensões, a drag exibe sua barba com orgulho. “Amethyst tem seu lado feminino, como também o estranho que quebra padrões”, define o publicitário que se destacou no concurso por sua dublagem cativante. “Eu nunca subo no palco sem querer que as pessoas se emocionem. Eu quero que elas sintam a mesma coisa que sentem quando assistem o show de um cantor que gostam muito. Quem vem ao show de uma drag vem para se divertir”, fala. Apesar do forte na dublagem, o momento mais emocionante de Rodrigo no concurso foi protagonizado por alguém na plateia. “O mais marcante para mim no concurso foi quando a minha mãe veio me ver. Não foi a melhor das performances, mas foi o melhor dia para mim”, revela Amethyst que ainda conta: “Ela me ajudou a fazer a roupa da prova e para mim fez toda a diferença. Ela estava muito orgulhosa, me abraçou e ficou comigo até às 5h da manhã”.
Camila Hoffmann, de 25 anos, se forma em psicologia uma semana depois de disputar a final do Revelação Marujo 2017. Acostumada a ouvir na profissão, a jovem extravasa tudo o que pensa através de Milita Sativa, sua personalidade drag. “A Camila não é tímida, mas tem freios de como se portar socialmente”, diz. “Estar montada me dá liberdade poética de falar certas coisas sem terme julgamento”, finaliza. O nome de Milita é um trocadilho com o objetivo da artista que não é nada brincadeira: Sativa reflete no palco os pensamentos feministas e antiproibicionistas de Camila, que está ainda em um meio totalmente dominado numericamente por homens. Na cena há dois meses, a candidata a revelação não esperava chegar tão longe na competição - “sendo mulher eu não esperava essa receptividade do público”. Apesar da pouca prática, Milita se destacou na disputa por sua criatividade, garante Desireé Back. Escolhida por um júri especializado como melhor performance da noite em uma prova que pediu que as drags recriassem no palco um filme de terror, Milita viveu uma versão boneca inflável de Annabelle. A personagem, na história criada, capava o homem que era seu dono, vivido por um dos ex-namorados de Camila. “Capar meu no palco ex foi muito simbólico”, comentou rindo.
Também entre as finalistas do concurso, Mamba Negra a Imperatriz do Mavambo é apenas uma das faces do ator de teatro de Diego Alcantara. Inspirada nos movimentos Afropunk e Afro Futuristas, a queen nasceu depois que uma senhora na rua anunciou o fim dos tempos ao ver as unhas de Diego pintadas. O artista transformou o momento na performance com mensagem apocalíptica para o conservadorismo “Fim dos Tempos”. Uma semana depois Elza Soares lançou o álbum “A Mulher do Fim do Mundo” e esse foi o ponto de ebulição para o Alcântara chutar a porta do armário e Mamba nascer. “Diego Alcântara é o lugar em que as coisas ficam guardadas, ebulindo. Mamba é o grito”, define. No palco, a drag não dubla. “Faço clipes”. “Eu vivo a música. As pessoas querem ver você mimetizando. Eu to nem ai . Eu quero passar a emoção que à música me da quando eu escuto”, solta o verbo. As performances de drag traduzem tragédias pessoais do ator negro. “Conto pelas coisas que me foram roubadas enquanto pessoas. Enquanto uma pessoa que nasceu como pinto e me deram regras que eu deveria seguir”, relata. Marcante como sua posição, Mamba também tem uma maquiagem que fala por si só. “Minha maquiagem diz ‘revolta’. Passo borrões pretos no rosto, nada delicados. É essa história que meu corpo quer me contar.
Cada uma com suas peculiaridades, mas dividindo um talento que as levou a final, as competidoras disputam a partir das 23h a final da Revelação Marujo 2017.
SERVIÇO
O QUÊ: Final da Revelação Marujo 2017
QUANDO: Domingo, 10 de dezembro, às 23h
ONDE: Âncora do Marujo - Centro - Salvador
VALOR: R$ 5