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De volta ao barro: artesão baiano explica como uma brincadeira de criança se tornou profissão

Por Alexandre Brochado

Fotos: Acervo pessoal

Almir Lemos iniciou sua trajetória com o barro ainda na infância, ajudando seu pai nas olarias de Maragogipinho, na Bahia. Contudo, foi apenas em 2022, após um acidente que exigiu diversas cirurgias, que ele retomou com intensidade a prática de trabalhar com o material. E, agora, vê suas criações ganharem destaque no mercado de artesanato da Bahia.

 

A técnica de Almir exige um cuidado específico: suas obras são frágeis e precisam ser tratadas com delicadeza, já que o barro que utiliza não passa pelo processo de cura tradicional. O trabalho com esse material necessita de atenção constante e uma compreensão das propriedades naturais.

 

Durante o período de recuperação, ele se dedicou a um processo profundo de imersão na arte do barro. Nesse tempo, Almir revisitou de maneira intensa a prática tradicional. Ele observou que, antes da invenção do torno — ferramenta essencial para o trabalho atualmente — o barro era trabalhado de forma mais primitiva e natural. O torno, utilizado para girar o barro e modelar formas simétricas e uniformes, serve para amassar e homogeneizar a argila, o que retira parte de sua textura e variação natural de cores. O artista percebeu que, ao não usar o torno, poderia preservar as cores e características originais da matéria-prima, como aquelas adquiridas naturalmente pela interação com a terra e o tempo, como a queda de uma árvore ou o movimento do solo.
 

"Eu queria entender como o homem começou a trabalhar o barro antes de existir o torno. Isso me levou a morar na olaria e trabalhar de forma bem simples, de um jeito primitivo, quase como se estivesse voltando ao início de tudo", contou o artista em entrevista ao BN Hall.
 

O processo criativo de Almir não segue as convenções. Em vez de utilizar ferramentas mecânicas, ele preferiu criar suas próprias ferramentas e respeitar as características naturais do barro. "O barro não precisa ser homogêneo como no torno. Quando não é amassado, ele preserva suas cores naturais, que são perdidas quando trabalhado de maneira mecânica", afirmou.
 

Ao refletir sobre o impacto do fogo, Almir se deparou com outra questão importante. "O forno também tira as cores do barro, assim como a lagosta muda de cor quando cozida. O fogo transforma, muda as características do barro. Isso me fez perguntar: e se eu trabalhasse com o barro cru?", questionou.
 

A coleção Orixás, que surgiu dessa reflexão, busca representar as divindades africanas de uma maneira não convencional, sem recorrer às figuras tradicionais. "Eu queria que as pessoas sentissem a energia do orixá através da peça, não apenas pelo formato. O orixá é um elemento da natureza, não uma imagem", explica o artista.

 

Embora o processo criativo de Almir seja muito intuitivo, ele reconhece que diversos fatores podem influenciar a criação de suas peças. "Eu não planejo tudo de antemão, porque o momento, o ambiente, o estado de espírito influenciam muito. Às vezes, até o charuto e o whisky têm influência", confessa.

 

A maior parte do trabalho de Almir consiste em vasos e esculturas, especialmente dentro da coleção Orixás. No entanto, ele evita criar imagens tradicionais de orixás, inspirando-se em formas mais ligadas à natureza e aos elementos. "Na África, em algumas regiões, os orixás são cultuados com objetos, como vasos ou madeira. Eu quis seguir esse caminho, mais ligado à essência dos orixás", comentou.

 

Para Almir, a conexão entre a peça e o observador é fundamental. "Quando a pessoa olha para uma peça e diz 'essa peça é de Xangô', eu sei que ela está conectada com aquele orixá. No fundo, é o orixá que escolhe a pessoa, e não o contrário", afirma.

 

A arte de Almir não é apenas uma expressão pessoal, mas também uma troca de energia. "Quero transmitir energia. Paz, tranquilidade, felicidade... Quando a pessoa adquire uma peça, ela está recebendo algo de mim. A satisfação de ver alguém valorizando o meu trabalho é algo que não tem preço", reflete.

 

Almir também está envolvido em vários projetos em andamento. Um deles é Simbiose, que explora a ideia de combinar elementos para criar algo orgânico. Além disso, ele trabalha em um projeto inspirado nos planetas e na formação deles, com cores e camadas que remetem às imagens do espaço, e em outro que aborda o solo e a sedimentação. "Quero trazer tudo isso para minhas peças", destaca. Ele também foi convidado para um projeto na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, onde ensinará técnicas de barro para jovens da comunidade local.

 

"Por mais que algumas peças tenham apelo comercial, como o fato de pessoas famosas, como Adriana Varejão e Alex Atala, terem comprado minhas obras, isso não significa que todo mundo vai ter a mesma peça. Se Adriana Varejão comprou uma peça minha, aquela é a peça dela, ninguém mais vai ter igual. O mesmo acontece com Alex Atala. Eles compraram aquelas peças para eles, e é assim que funciona. Recentemente, a Dani Maranhão comprou umas quatro ou cinco peças minhas, por exemplo. Eu tenho contrato com algumas galerias, como a galeria Paulo Darzé, em Salvador, com a qual trabalho há algum tempo. Lá, você pode encontrar minha coleção de chá. E no dia 31 de janeiro, farei uma exposição com a coleção Orixás", avisa.