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Artigo

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A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SISTEMA DE TRANSPORTE URBANO EM SALVADOR

Nos últimos meses, em especial, muito tem sido falado e escrito sobre os rumos da política em nossa cidade. Coisas como “a cidade está sem rumo em sua gestão pública”, “Salvador está um caos”, “o prefeito está destruindo a cidade”, “não há solução para a crise institucional instalada pelos desmandos do atual prefeito” e por ai vai. Ainda que todas as frases acima transcritas estejam a descrever a verdade mais completa e constrangedora do atual contexto soteropolitano é preciso ler nas entrelinhas os questionamentos e diagnósticos que estão sendo feitos.

No entanto, as ações para conter tais problemas e/ou situações trafegam na direção oposta. Quero dizer que as propostas que estão sendo feitas navegam o mar do período pré-eleição de 2012 e, conseqüentemente, não se desvinculam do quadro político que privilegia a apresentação de pré-candidaturas sem colocar na pauta os motivos políticos, econômicos e culturais que a colocam entre as capitais brasileiras, por exemplo, com os piores índices em setores como educação, saúde, transporte e segurança pública.

Mas, tentarei apresentar nas próximas linhas e em caráter breve a evolução do sistema de transporte urbano da nossa cidade. O interesse é o de promover o debate e, conseqüentemente, ações que possam contribuir para a melhoria deste setor.
Inicio a mesma sustentando que o debate tem sido, equivocadamente, transportado para o campo das especulações maniqueístas com honrosas exceções, diga-se de passagem. Estamos a vivenciar no presente momento as questões que cercam a escolha do novo modelo de transporte a ser implantado (BRT, VLT, monotrilho, metrô ou a conjugação de um e de outro). A população encontra-se a esperar o imbróglio que envolve esta escolha: de um lado o prefeito e os seus aliados tentando de todas as formas aprovarem projetos que não passaram sob a avaliação da Sociedade Civil e dos outros fóruns competentes para tal tarefa. Do outro, o governo do estado, tentando costurar tais alianças, mas ao sabor das vicissitudes que caracterizam estas últimas, a saber: arranjos políticos realizados para a contemplação de cargos, definição do tabuleiro eleitoral visando o quadro sucessório de 2012 e a abertura de um “debate” sem enraizamento político e sem o esforço mais significativo para mobilizar os habitantes da cidade para este momento tão importante. 

As tentativas para modernizar o sistema de transporte urbano em nossa cidade já alcançam mais de cento e sessenta anos. Este histórico remonta-se ao ano de 1845 com o estabelecimento de companhias de ônibus e gôndolas permitidas por intermédio de uma lei municipal. O funcionamento regular, entretanto, só ocorreria seis anos mais tarde (parece que os nossos atuais governantes têm inspirações históricas no que diz respeito às lentas obras do atual metrô). Neste mesmo período outras concessões foram aprovadas para facilitar a locomoção de passageiros entre a Cidade Baixa e a Cidade Alta.

Em 1873 surge o elevador Lacerda que funcionou inicialmente através de sistema hidráulico. Contudo, vivíamos uma realidade do transporte coletivo sob a tração animal que foi substituída pela chegada dos bondes elétricos. A Cia. Veículos Econômicos teve o privilégio de operar a primeira linha de bondes elétricos em 1897 que ligava o Comércio a Itapagipe. Uma outra companhia, a Cia. Linha Circular operou na Cidade Alta. Ambas monopolizaram e ditaram o processo de expansão de Salvador até o ano de 1910 quando já existia por aqui um número significativo de linhas eletrificadas.

Ainda que precariamente, em 1912 tem inicio a operação do sistema de ônibus em paralelo ao processo de crise enfrentado pelo sistema de bondes elétricos. Em face das dificuldades para importar material e componentes vindos do exterior as companhias deste sistema tiveram os seus serviços seriamente prejudicados durante a primeira guerra mundial. Entre 1912 e 1955 a população enfrentou os maus serviços e altas tarifas cobradas pelo sistema de bondes e de ônibus. Os bondes passaram a ser gradualmente extintos e substituídos pelos ônibus já com uma forte participação da iniciativa privada no fim dos anos 50 do século passado.

A regulamentação do sistema de transporte coletivo só se daria em 1971 ainda que a nossa cidade já enfrentasse sérios problemas no trânsito. É o contexto de surgimento das avenidas de vale (um projeto da década de 40 resgatado pelo então prefeito Antonio Carlos Magalhães nos fins dos anos 60) concebidas para desobstruírem o complicado trânsito de veículos. Todavia, no que pese a considerável elaboração de estudos, planos e projetos de transporte para cidade (e nenhum implantado) só em 1981 foi criada a Secretaria de Transportes Urbanos (STU) que inaugurou a tarifa única para o sistema de ônibus.

Cabe ressaltar que neste mesmo ano as grandes regiões metropolitanas do país, entre elas Salvador, enfrentaram um processo de carestia insuportável levando desta forma a explosão de revoltas contra as altas tarifas cobradas. Em terras soteropolitanas esta revolta ficou conhecida como “quebra-quebra” e ocorreu em agosto de 1981. Aliás, a citada criação da STU aconteceu em novembro do mesmo ano após as justas pressões e demandas apresentadas pelo Movimento Contra a Carestia e, ao que parece, foram apreciadas.

As sucessivas criações de estações nos anos 80 (estação da Lapa, em 1981 e a estação Nova Esperança em 1986) apresentaram à população a tentativa das autoridades competentes, digamos assim, para solucionarem o nosso secular problema do sistema de transporte. Tentativas que não corresponderam e não atenderam, entretanto, as reais necessidades da população que usa o transporte coletivo.

Em 1986 foi lançado o projeto do bonde moderno que nunca foi concluído. Esta é uma homenagem para quem ainda pensa que esta estória do metrô é nova. É possível perceber que a história do sistema de transporte urbano em Salvador sempre esteve veiculada a grupos privados que, por sua vez, não apresentaram à nossa cidade soluções eficazes e eficientes. Mas, esperamos, sobretudo, que as soluções que porventura sejam apresentadas atendam, condignamente, as demandas da população usuária deste tipo de transporte.

Sem o devido respeito e planejamento (pois entendo, modestamente, que já deveria existir uma política de estado para o setor e esta deveria apreciar as propostas apresentadas tendo um ponto do qual partir com a devida autoridade e legitimidade) de como será realizada a integração da região metropolitana de Salvador o novo modal a ser implantado caminha para intervenções capitaneadas por grupos privados contemplados por arranjos políticos e econômicos.

Concluindo, ao que tudo indica, infelizmente, ficaremos à mercê dos improvisos que estão a caracterizar as obras que não foram sequer iniciadas e que estão submetidas à lógica dos investimentos para a Copa de 2014. Mais uma prova do que representou (e ainda representa) para a cidade a ausência e/ou ineficiência de uma efetiva política de estado para o nosso sistema de transporte urbano.

*Sandro Roberto Santa Bárbara, Cientista Político e membro da executiva estadual do Partido Comunista Brasileiro na Bahia.

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