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Os impactos da reforma tributária e o desafio de reescrever a máquina empresarial

Por Alexandre de Salles

Foto: Arley Prates/ Divulgação

Quando olho para a reforma tributária brasileira, não vejo apenas um novo conjunto de regras fiscais. Vejo um espelho. Um daqueles que não distorce, não suaviza e não protege — apenas revela. Durante décadas, vivi e acompanhei empresas funcionando dentro de um sistema tributário construído à base de improvisos, camadas de exceções e uma complexidade que se tornou parte do DNA corporativo. Nesse ambiente, muitos negócios sobreviveram por instinto, por atalhos e pela inteligência de poucos, não pela robustez da estrutura. A reforma chega justamente para retirar esse véu e revelar o que sempre esteve ali: processos frágeis, dados desconexos, sistemas envelhecidos e lideranças que se acostumaram a operar no limite.

 

A reforma não cria a crise; ela apenas a revela. Aprendi ao longo da minha trajetória como CFO e como consultor que crises raramente nascem de eventos externos. Elas emergem quando a realidade pressiona mais rápido do que a empresa consegue responder. A transição para o novo modelo será longa, cheia de nuances e muito mais desafiadora para quem sempre operou apoiado em memórias individuais, improvisos, departamentos isolados e planilhas que tentavam amarrar o que a estrutura nunca sustentou. Para essas organizações, o período de transição será percebido como caos. Para quem já vê a empresa como um organismo integrado, será uma jornada de maturidade.

 

O senso comum tenta reduzir a reforma a um conjunto técnico de normas. Eu não consigo enxergar assim. Para mim, a transformação é antes de tudo existencial. Ela exige que as empresas desenvolvam um novo tipo de inteligência: a capacidade de aprender enquanto caminham. Durante os próximos anos, todos nós teremos de atravessar uma ponte em construção. Estados e municípios ajustarão entendimentos, sistemas precisarão ser atualizados continuamente, interpretações sofrerão revisões e processos terão de ser reconfigurados. É um ambiente em movimento, que favorece quem entende que adaptação não é um evento, mas um estado permanente.

 

E é por isso que vejo na reforma uma oportunidade de ruptura positiva. Não adianta olhar apenas para obrigações fiscais; é preciso redesenhar a empresa de dentro para fora. A governança fiscal só se sustenta se estiver conectada à governança corporativa como um todo. A reforma força conversas internas que há anos eram adiadas, exige rotinas que o cotidiano negligenciava e finalmente obriga as áreas a operarem integradas, com clareza e responsabilidade compartilhada. As empresas que compreenderem esse movimento como transformação, e não como custo, construirão uma base de maturidade que servirá por décadas.

 

Do ponto de vista financeiro, a mudança toca o elemento mais sensível da gestão: o tempo. Ao longo da minha carreira, sempre considerei o tempo o ativo mais valioso de um CFO. A reforma impacta diretamente essa dimensão — o tempo de decidir, revisar, ajustar, simular e corrigir. O fluxo de caixa, que costumo chamar de pulso da empresa, será afetado pela revisão de créditos, reclassificações de produtos e serviços, ajustes no contas a pagar e a receber e pela necessidade de reorganizar prazos e premissas. Quem tentar adiar decisões pagará o preço da inação: litígios, perda de créditos, inconsistências regulatórias, perda de competitividade e, em muitos casos, desgaste emocional e reputacional.

 

Também acredito que nenhum investimento feito agora — seja em sistemas, dados, governança ou capacitação — deve ser tratado como um custo para atender uma obrigação legal. É investimento de continuidade. É a declaração de que a empresa deseja permanecer viva, relevante e preparada para ambientes cada vez mais complexos. Mas todo esse esforço técnico será inútil se a cultura não acompanhar. Transformações não acontecem por decreto; acontecem por pessoas. Se a empresa não desenvolver uma cultura de aprendizado ágil, colaboração genuína e responsabilidade distribuída, a tecnologia não será suficiente para garantir a travessia.

 

É por isso que vejo a reforma tributária como uma porta que se abre para o século XXI empresarial. Sustentabilidade — no sentido mais amplo — é a capacidade de continuar relevante. É a competência de transformar complexidade em clareza e risco em futuro. A reforma oferece exatamente isso: um chamado para repensar fundamentos, reconstruir processos, realinhar expectativas, entender o papel estratégico de cada área e reposicionar a empresa para as próximas décadas.

 

No fim das contas, acredito profundamente que empresas não quebram porque a lei mudou. Elas quebram porque não mudaram com ela. A reforma tributária, apesar de sua dureza, traz um convite explícito à maturidade. Ela nos lembra que perenidade não acontece por acaso; é construída, dia após dia, escolha após escolha.

 

E esse é o convite que faço — e faço a mim mesmo também: transformar a reforma em oportunidade, a incerteza em fortalecimento e a adaptação em projeto de futuro. Porque negócios não desaparecem por falta de lucro, mas por falta de propósito, governança e visão.

 

*Alexandre de Salles é consultor estratégico, ex-CFO e CEO da (AS) Consultoria. Especialista em gestão empresarial, governança, sustentabilidade e finanças de longo prazo. Criador da coluna Gestão & Sustentabilidade e do podcast Um Olhar de CFO, onde analisa temas de liderança, resiliência organizacional e perenidade corporativa

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias

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