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Artigo

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O jumento no Nordeste: entre o abandono e a revalorização produtiva

Por Alex Bastos

Foto: Acervo pessoal

Nos últimos anos, tem-se debatido amplamente a suposta redução do número de jumentos no Nordeste brasileiro. Contudo, não há estudos científicos recentes nem levantamentos oficiais capazes de confirmar, com precisão, se essa diminuição realmente ocorreu, tampouco em que proporção. A ausência de estatísticas atualizadas e confiáveis impede afirmar se a população de asininos cresceu, estabilizou-se ou reduziu nos últimos anos, bem como estabelecer uma relação direta entre essa dinâmica e a reabertura dos frigoríficos de abate regulamentado, que seguem a legislação vigente e atendem às exigências do mercado internacional.

 

Na prática, as informações disponíveis sobre o número de jumentos no semiárido são fragmentadas e baseadas, em grande parte, em percepções regionais, não em dados consolidados. As estimativas variam amplamente, o que inviabiliza comprovar que o abate atual tenha sido responsável por qualquer eventual redução populacional. Ao contrário, levantamentos existentes sugerem que o declínio se acentuou justamente em períodos em que não havia atividades frigoríficas em funcionamento pleno.

 

Segundo o Censo Agropecuário do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 1980 o rebanho efetivo de asininos no país era de 1.185.183 animais. Já em 2006, esse número caiu para 654.714, representando uma redução de mais de 55% no período. Na última atualização oficial, em 2017, o rebanho somava 376.874 animais cadastrados, uma queda total de cerca de 69% em relação a 1980.

 

Vale ressaltar que, ao longo desse intervalo, os números de abate foram insignificantes e o Brasil nunca teve tradição no consumo dessa proteína. Em outras palavras, os dados indicam que a redução da população de jumentos no país não pode ser atribuída às atividades dos frigoríficos.

 

Na verdade, as transformações na dinâmica populacional dos jumentos nordestinos vêm ocorrendo há décadas, impulsionadas por múltiplos fatores socioeconômicos e ambientais. A mecanização do campo substituiu o trabalho animal por tratores, motocicletas e veículos utilitários, tornando o jumento economicamente obsoleto em muitas atividades agrícolas e de transporte rural. Sem função produtiva, milhares de animais foram simplesmente abandonados - um processo silencioso, agravado pelo êxodo rural e pela urbanização.

 

O abandono em massa resultou na formação de populações errantes, que se reproduzem sem qualquer controle zootécnico. A escassez de alimento e água, o envelhecimento dos rebanhos, a ausência de manejo reprodutivo e sanitário e os frequentes acidentes em rodovias agravaram o quadro de vulnerabilidade e sofrimento animal.

 

Diante desse cenário, é fundamental que o debate sobre os jumentos no Nordeste seja conduzido com responsabilidade técnica e transparência, evitando conclusões precipitadas ou narrativas baseadas apenas em emoção ou ideologia. A questão vai muito além de “acabar ou não com o abate”: trata-se de compreender como transformar uma situação de abandono em uma política pública de manejo sustentável, com foco no bem-estar animal, no controle populacional e sanitário, na segurança viária e no desenvolvimento regional.

 

Do abandono não intencional à oportunidade de revalorização produtiva dos asininos, o desafio que se impõe é ressignificar o papel do jumento na economia e na cultura nordestina.

 

*Alex Bastos é zootecnista formado pelas Faculdades Associadas de Uberaba (MG) e administrador do setor pecuário

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias

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