Só se fala em eleição, em politicagem
A frase do senador Otto Alencar, dita ao defender sua Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que (1) extingue a reeleição para presidente, governadores e prefeitos, (2) unifica todas as eleições a partir de 2034 e (3) estabelece mandatos de cinco anos para todos os cargos eletivos, revela um diagnóstico mais profundo sobre a política brasileira – e, em especial, baiana.
O fenômeno da antecipação das campanhas eleitorais atinge patamares cada vez mais assustadores a cada pleito, a ponto de já não se poder falar em “antecipação”, mas em eternização das eleições.
Antes se dizia que “mal termina uma campanha e já começa outra”. Hoje, quem acompanhou os palanques, comícios e caminhadas – sobretudo no interior – nas eleições de 2024, percebeu que nem mesmo se esperou o encerramento das disputas municipais para o lançamento empolgado de pré-candidaturas a deputado estadual e federal para dali a dois anos.
Com o início de 2025, a corrida se intensificou de forma voraz. Acordos, composições e articulações se multiplicaram, não apenas nos bastidores, mas também nas redes sociais, sob os olhos atentos – e muitas vezes atônitos – do público.
Cresce, junto com esse fenômeno, o vazio de conteúdo. O pragmatismo absoluto, a volatilidade das alianças e o oportunismo momentâneo escancaram um déficit geracional: a ausência de projeto.
Enquanto “só se fala em eleição, em politicagem”, o mesmo é exibido em transmissões profissionais e instantâneas nas redes, embalado como um pastel crocante e vistoso – mas recheado de vento. É exatamente essa a realidade que a fala de Otto descreve. E ela nos leva a uma pergunta inevitável: a quem servem eleições a cada dois anos?
Convém esclarecer: este texto não parte de um observador distante, jornalista ou cientista político equidistante, mas de alguém profundamente envolvido com a prática política cotidiana, forjado no coração da burocracia de um partido tradicional.
Não se trata, portanto, de antipolítica. Ao contrário: é uma crítica construtiva, feita por quem busca qualificar e proteger a política frente a inimigos históricos que sonham vê-la desacreditada. Tampouco há aqui apologia à ideologização apaixonada – e inócua – de um campo que é, essencialmente, a arte do possívell
Entregas concretas – maquinário, emendas, ambulâncias, viaturas, estradas, escolas – são parte relevante da materialização do poder, pois transformam vidas. Mas isso, por si só, não basta.
A “financeirização” da política, com o aumento vertiginoso do custo das pré-campanhas, iniciadas cada vez mais cedo, contrasta com o dado de que mais da metade do eleitorado decide o voto entre o sábado (12%) e o domingo (43%) da eleição.
Se assim foi em 2024, o cenário de 2022 mostrou, especialmente na disputa pela Câmara dos Deputados, que a unificação das eleições pode ser uma alternativa — mas talvez não a única, nem a melhor.
Concentrado nas chapas majoritárias, o eleitor foca em quem será o presidente ou governador. Depois, não reconhece seus representantes proporcionais nas votações que definem os rumos de sua vida, alimentando slogans perigosos como a hashtag #CongressoInimigodoPovo.
Se a vitória eleitoral fosse um casamento entre a política (o poder obtido pelo voto) e a vontade do eleitor, os projetos e bandeiras seriam o vestido da noiva. Mas o que se vê hoje é uma preocupação crescente com convidados, decoração, doces e flores, e quase nenhuma atenção à forma como estará vestida a prometida.
Nesse contexto de carência de ideias, destacam-se iniciativas como a do deputado federal Cacá Leão, que, em meio a especulações sobre a criação da Seponte, propôs algo além: a criação da Secretaria do Sistema Viário Oeste, responsável não apenas pela ponte Salvador-Itaparica, mas pela duplicação das estradas que ligam a Ilha de Vera Cruz à BR-242, passando por Nazaré, Santo Antônio de Jesus e Castro Alves, um novo eixo de integração entre Salvador e o interior, com potencial de gerar milhares de empregos. Independentemente de um juízo sobre a viabilidade da proposta, trata-se de um verdadeiro oásis em meio ao deserto de ideias: uma contribuição que resgata o ato, cada vez mais raro, de pensar estrategicamente o Estado, este com “E” maiúsculo, em referência à coisa pública.
A crise, contudo, não é nova. A frase atribuída a Getúlio Vargas – “quase nunca me pediram algo para o país, sempre me pediram algo para alguém” – mostra que certos sintomas são inerentes ao jogo político.
Mas, agravada por fatores geracionais, a questão exige uma reflexão: quem é o árbitro?
A resposta é simples: o povo.
Se perguntado – “você aceitaria trocar R$ 200 por alguém que tomasse todas as decisões importantes da sua vida e da sua família pelos próximos quatro anos, sem prestar contas?” – o eleitor talvez percebesse o real valor do voto que, tantas vezes, é negociado por tão pouco.
*Carlos Brasileiro é advogado, presidente da Juventude e tesoureiro do PDT da Bahia
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