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Marca Bahia Notícias Saúde

Entrevista

‘A gente tira da função’, relata coordenadora do INSS sobre motoristas 'estressados'

Por Francis Juliano

Fotos: Cláudia Cardozo / Bahia Notícias
Próximo ao Dia Mundial do Trabalho, celebrado em 1° de maio, o Bahia Notícias procurou saber como anda a saúde do trabalhador soteropolitano e baiano. Para encontrar respostas, o BN conversou com Ângela Dias, coordenadora do centro de reabilitação do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que funciona no bairro de Brotas, em Salvador. Com 39 anos de existência e ainda invisível para muita gente, o lugar atua na recuperação e recondução de profissionais com algum problema físico, como também no amparo a quem sofre de problemas emocionais, como depressão e ansiedade. Na entrevista, Ângela relata as principais causas que levam trabalhadores a procurar atendimento – problemas de postura e LER [lesões por esforços repetitivos] – e revela que os motoristas de ônibus fazem parte do grupo com mais gente no limite do estresse. Para frear outras complicações para estes condutores e para a população em geral, o recado é rígido. “A gente tira da função de motorista”, afirma Ângela. Confira a entrevista na íntegra abaixo:
 
 
Bahia Noticias: Há informações de que o centro de reabilitação do INSS é subutilizado. É verdade?

Ângela Dias: Bom, a questão não é que seja bem subutilizado. É preciso que a instituição reconheça que a solução de todos os problemas do INSS é investir mais na reabilitação profissional. Antigamente, a política era saúde. Hoje, é saúde aliada ao trabalho. É a reabilitação do trabalhador, a saúde dele e o trabalho.

BN: Mas porque se fala nessa subutilização? A população também não conhece bem o setor de reabilitação?

AD: O centro daqui tem 39 anos de existência. Muita gente conhece pouco ainda. O segurado conhece mais quando entra na perícia. Então, eu acho que a própria instituição não viu ainda que a saída para o seguro social é a reabilitação. Porque se o segurado adoece, ele volta a contribuir. O que acontece hoje? É a manutenção do segurado em dez anos de beneficia e a dificuldade de dele de voltar para o trabalho depois. Ele começa a viver de bico e quere ter dois salários. Ele não entende que aquilo é para passar um tempo e sair. Ele se acha capaz para fazer um trabalho, mas não se acha capaz para retornar para o trabalho da empresa dele. O que é tem que acontecer no INSS? A perícia médica tem que colocar na consciência que ele tem de passar o mínino de tempo ali.

BN: O centro daqui só atende a cidade de Salvador?

AD: Atende Salvador a e todas as regiões ligadas à gerência Salvador, como Alagoinhas e Pojuca.

BN: Quais são as doenças que mais levam os trabalhadores a interromper suas funções?

AD: O que mais acomete o trabalhador a procurar reabilitação vem de problemas na postura, LER [lesões por esforços repetitivos] e Dort [distúrbio osteomuscular relacionado ao trabalho] por conta do excesso de carregar peso. A gente também tem registro de doenças consideradas psiquiátricas, pessoas com depressão, problemas de ansiedade. Além dessas, tem gente com labirintite, problemas de risco de altura, epilepsia.

 

BN: Recentemente, uma pesquisa publicada na Folha de São Paulo informou que problemas de depressão passaram de 5% a 6% entre 2012 e 2013 e muitas vezes os casos não são relatados. No centro de reabilitação, tem profissionais que ajudam a tratar dessa doença?

AD: A parte do tratamento é feita pelo plano de saúde da pessoa ou pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A gente faz um link com o médico que atende essas pessoas. Então, os médicos passam relatório e é feita uma parceria, como saber o que a pessoa toma, os exames que faz. É mantida também uma troca de relatórios. Porque a gente só encaminha para parte profissional se a pessoa estiver com a doença estabilizada. E mesmo que a perícia, por algum equívoco, encaminha sem a doença estar estabilizada, a reabilitação verifica e dá uma intercorrência médica para não se finalizar o processo. 

BN: Outra questão que se fala muito é que o INSS trabalha abaixo da carga. Por exemplo, são quatro mil médicos para 700 mil perícias, dados do ano passado. Houve alguma redução desse número?

AD: Nós temos muita defasagem de servidores e ela vem de muito tempo. Hoje, tem muito servidor com tempo de aposentadoria e se o INSS não fizer concurso público essa memória vai embora. E a memória da previdência é uma memória complexa, porque se lida com lei, com norma, que muda todo dia, e que a pessoa tem que estar sempre atualizada. E é preciso que tenha esse ambiente do servidor novo com o antigo. Agora, vai ter um concurso de cinco mil vagas. Eu acho que parece que eles estão preocupados com essa situação. Também tem um projeto da presidente [Dilma Rousseff] em convenio com a Alemanha – que tem também reabilitação profissional – para tornar a reabilitação como era antes, ou seja, global. 

BN: Naquele espaço da Odilon Dórea, em Brotas, vocês oferecem quantos serviços de reabilitação?

AD: Tem tudo ali, mas não está funcionando mais. A gente só trabalha agora com a parte profissional. A única parte física que a gente trabalha é a área de órtese e prótese. A gente recebe também o segurado, quer por acidente ou quer por doença. Por exemplo, quando acontece uma amputação, um atropelo, a gente encaminha esse segurado para a área de órteses e próteses, onde um terapeuta ocupacional, um médico, ou um fisioterapeuta vai atendê-lo. Quando o segurado chega lá, se o coto não estiver ainda bem trabalhado, a gente retorna o segurado para o convênio, ou para o SUS. Quando ele estiver bom, ele retorna. Aí, a gente vai prescrever a prótese, ele fica fazendo todo o trabalho de fisioterapia fora, e quando a prótese estiver pronta, prescreve ela e bota a prótese depois. 

BN: Vocês mantêm outras iniciativas para os segurados fora do âmbito do INSS?

AD: Eu fiz uma parceria com a Faculdade Ruy Barbosa: o projeto “Novo Olhar”.  E eles só trabalham com pessoas com deficiência. Quando essas pessoas se acidentam, eu as encaminho para lá. Neste lugar, eles recebem curso gratuito e a gente paga alimentação e transporte para eles. Eles fazem um curso de três, quatro meses, capacitam, qualificam, e depois voltam para o mercado de trabalho. Mas eles já vão de próteses para as aulas.

 

BN: Que tipo de profissão leva mais pessoas para o centro de reabilitação?

AD: Transportes urbanos. Motoristas, principalmente. Tem demais. Antigamente era a construção civil. Agora, a gente tem muitos acidentes de motos, amputações. Motoboys sofrem bastante.

BN: Qual a principal causa de problemas com motoristas de ônibus, por exemplo?

AD: Com motoristas de ônibus geralmente é estresse demais. No caso deles, a gente não readapta. Por exemplo, tem funções que você ainda consegue readequar naquela mesma, colocar restrições na empresa e dizer: “ele vai fazer as mesmas funções, mas não vai fazer isso e isso”. Motorista de ônibus – principalmente quando é problema de estresse e de hipertensão – a gente tira da função de motorista. Ele vai ser despachante, ou vai trabalhar dentro da empresa no administrativo, mas não colocamos mais na mesma função porque é uma função de risco para a sociedade.

BN: Mas ocorre de o trabalhador voltar a trabalhar no mesmo cargo que ocasionou o problema de saúde?

AD: Pode ocorrer, mas o INSS não aprova. Às vezes, o motorista volta para o trabalho e acha que vai ganhar algo. Aí, ele volta e quer que a gente mude, mas a gente não modifica o processo. Continua a mesma coisa. A pessoa foi reabilitada para outra função. É tanto que quando esse motorista vem até nós, avisamos: “olhe o contrato com o Detran-BA”. A gente teve o caso do motorista que pegou um médico na Estrada do Coco foi nosso paciente. Quando a gente vê o motorista com quadro depressivo e ansiedade, a gente logo corta. Muitas vezes, eles não se conformam. Eles falam que dirigiram a vida toda e insistem. Motoboy é a mesma coisa. Eles se acidentam, cortam a perna, depois não querem se reabilitar porque sabem que a gente não vai aceitar mais eles trabalhando do mesmo jeito.

BN: Qual o tempo médio de reabilitar uma pessoa?

AD: O ideal seriam seis meses, mas a gente trabalha de acordo com a situação de cada pessoa. Tem pessoas que tem facilidade de reabilitar logo. Tem vontade, motivação, não é resistente. Mas tem aquelas que não têm resistência e demoram mais. A empresa também não quer receber, porque acha que a pessoa que está afastada não presta, e muitas vezes não é e tem ainda muita foça residual.

 

BN: Tem muita empresa que pensa dessa maneira?

AD: Tem muita empresa que pensa assim. Mas, por exemplo, a maioria das empresas do Polo [Petroquímico de Camaçari] não pensa dessa forma. Eu tenho muitos amputados que trabalham no Polo que não se afastam mais. Eles podem trocar a prótese durante a vida inteira porque é um direito vitalício. 

BN: E o trabalho de Call Center, que tem crescido bastante nos últimos anos, como ele impacta na saúde do trabalhador?

AD: O problema é que os empregados de Call Center não têm muita função. O trabalho deles é aquilo ali e as empresas não têm como oferecer muita coisa. O que eles fazem: atendem telefone, prestam informações. Então a gente tem que adequar. Dar pausa, ter um tempo para beber água, ficar um tempo fora e depois retornar. Fazer tudo conforme a política de saúde do trabalhador. E os problemas são mais de estresse.

BN: Os amputados conseguem desempenhar funções parecidas às que faziam antes de serem acidentados?

AD: Tem pessoas que atuam em área operacional. Existem também amputados que sabem tanto de uma matéria que as empresas os preservam, os colocando em funções de supervisão, funções que exigem mais a parte intelectual. Mas temos muitos amputados que continuam trabalhando. Por exemplo, área de esportes, no caso professores de educação física, que dão aulas. Aqueles que o médico vê que não têm condição – mesmo protetizados – de ter capacidade de trabalho, a prótese é mais para poder viver socialmente, ter uma qualidade de vida melhor. Neste caso, a gente coloca a prótese e aposenta. Mas a pessoa sabe que não vai trabalhar mais.
 

 

BN: A pessoa que já foi aposentada pelo INSS pode voltar a utilizar o serviço de reabilitação?

AD: Pode. Ele está contribuindo? Ele pode voltar. A empresa encaminha, ou ele mesmo pede o requerimento do próprio punho na perícia. E se quer voltar a trabalhar, a gente ajuda também. Se o aposentado já tiver uma empresa interessada, a gente faz o contato, o qualifica e faz o trabalho de reinserção dele.

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