Sinistralidade: Desvendando o cálculo dos reajustes nos planos de saúde
Em épocas de reajuste no valor de qualquer plano de saúde, é comum vermos usuários questionando os percentuais utilizados, não raro recorrendo à Justiça. No centro da questão está a sinistralidade, a grande causadora da maior fatia dos reajustes – e, por isso mesmo, naturalmente o maior alvo das reclamações.
Embora o usuário tenha o direito de questionar o reajuste do seu contrato, acredito que falta informação para entender como o reajuste é calculado.
Sobretudo, falta também uso consciente dos benefícios aos quais o plano de saúde dá direito, o que termina impactando na “misteriosa” sinistralidade, e, consequentemente, no reajuste do ano seguinte.
É para desmitificar essa tão falada sinistralidade que resolvi escrever esse artigo, esperando ajudar a todos a entender o que é sinistralidade e como ela impacta nos contratos de plano de saúde!
Como o reajuste é calculado
O reajuste dos planos de saúde não é aleatório, nem feito a bel-prazer da operadora; ele segue diretrizes claras da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Desde 1999, existe uma tabela de dez faixas etárias que baliza o valor a ser cobrado e vale para todos os planos, sejam individuais ou coletivos. A operadora só pode reajustar o valor do prêmio com base na idade do usuário se ele, ao fazer aniversário, mudar de uma dessas faixas para outra.
Atualmente, o valor da última faixa (59 anos ou mais) não pode ser mais de seis vezes maior do que o da primeira faixa (até 18 anos) e a variação entre a sétima e a décima faixas não pode ser maior do que a variação entre a primeira e a sétima.
Mas o que causa os reajustes dentro de cada faixa? Em primeiro lugar, vale lembrar que os reajustes dependem do grupo de beneficiários (funcionários de uma mesma empresa que contratou o plano, por exemplo).
Nos planos individuais ou familiares, que compreendem cerca de 8 milhões de beneficiários (mais de 16% dos usuários), não existe cálculo de sinistralidade; o reajuste deve ter como teto o índice da ANS – um percentual único definido pela agência conforme diversos fatores.
No caso dos planos coletivos, existe um limiar de 30 vidas, abaixo do qual as operadoras devem juntar os grupos em um só como forma de diluir o risco, calculando o reajuste anual de forma unificada. É uma maneira de evitar que, em planos com poucas vidas, um usuário que tenha muitos sinistros acabe “puxando” o reajuste para cima.
Já os planos com 30 beneficiários ou mais têm seus reajustes calculados conforme acordo contratual entre a empresa contratante e a operadora, o qual normalmente prevê a “tal” da sinistralidade, que também incide sobre a “carteira unificada” dos planos abaixo de 30 vidas. Vamos entender como é essa incidência!
Desmitificando a sinistralidade
Vamos supor que um plano de saúde arrecade um valor X com um grupo de beneficiários num ano, e, no mesmo período, gaste 40% de X com a cobertura dos sinistros desse grupo.
Se, no ano seguinte, o valor arrecadado for novamente X, existe uma grande chance de que os gastos com sinistros sejam maiores do que os 40% do ano anterior devido à inflação, envelhecimento dos beneficiários, hipótese de usuários precisarem de tratamentos contínuos, etc.
Assim, é justo que o percentual de valor gasto em relação ao total arrecadado seja usado como base na hora de definir o reajuste do prêmio no ano seguinte. Esse percentual é a sinistralidade!
Em outras palavras, sinistralidade é a divisão do que a operadora gastou com a cobertura de sinistros pelo total arrecadado. Exemplo: se, num mês, a operadora arrecadou R$ 100.000 de um grupo e desembolsou R$ 35.000 com sinistros desse grupo, a sinistralidade foi de 35%.
Como já dissemos aqui, a ANS tem diretrizes sobre o reajuste dos planos de saúde e a sinistralidade não foge à regra. Os contratos entre operadoras e empresas costumam prever um limite de 70% de sinistralidade, ou seja, a partir disso o contrato não é considerado sustentável para a operadora.
Assim, é necessário utilizar a sinistralidade como base de reajuste a fim de que o grupo pague conforme a utilização no ano anterior, o que, além de justo, permite que a operadora continue cobrindo os sinistros de forma sustentável financeiramente.
Para muitos usuários, essa conta desperta uma sensação de injustiça. “Eu não usei meu plano quase nada neste ano. Por que o meu reajuste está tão alto?”. A resposta é simples: planos de saúde coletivos baseiam-se no princípio do mutualismo, ou seja, os benefícios e ônus são compartilhados pelos seus membros.
O que aconteceria se fosse diferente? Imaginem um beneficiário que pague R$ 1.000 mensais no seu plano, mas que, infelizmente, precisou ser submetido a uma complexa cirurgia de emergência que custou ao plano de saúde R$ 120.000. Em apenas um sinistro, o usuário “gastou” dez vezes mais do que ele paga à operadora num ano inteiro! A “sinistralidade individual” dele seria de pelo menos 1.000%. Já imaginou um reajuste nesse patamar?!
É aí que vem o princípio do mutualismo e do uso consciente. Num grupo de beneficiários, cada um é responsável pelos outros e todos precisam ter bom senso de não usar o plano desnecessariamente. Afinal, qualquer uso entra na conta da sinistralidade e afetará o reajuste do ano seguinte.
É um princípio similar a condomínios que não possuem contador de água individualizado: ao invés de se preocupar em economizar esse bem tão valioso, a maioria dos moradores gasta ao máximo sem contar o quanto está usando.
O resultado? A conta de água do condomínio vem alta, esse custo impacta o reajuste da taxa condominial para todos os moradores no ano seguinte, e, no final, todos reclamam do síndico.
Com o plano de saúde é a mesma coisa: muitos usuários, especialmente em planos sem coparticipação, usam ao máximo para “fazer valer” os seus pagamentos mensais, mesmo quando não há necessidade, e impactam no reajuste de todo o grupo.
Além do uso eventualmente exagerado, também há muitas judicializações desnecessárias. Esses eventos podem impactar gravemente a operadora, prejudicando sua capacidade de cobrir os sinistros adequadamente e também causando reajustes mais altos.
Por isso, para evitar grandes reajustes, o melhor caminho é realizar o uso consciente do seu plano. Sustentabilidade, mais que nunca, é a palavra!
*Magno Luis Mascarenhas é especialista em Gestão de Saúde e CEO da Saúde Brasil.
*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias.