Justiça do Trabalho alerta para riscos de trabalho infantil em redes sociais
Um posicionamento conjunto de órgãos da Justiça do Trabalho, Ministério Público do Trabalho (MPT), Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) e da Universidade de Brasília (UnB) gera um alerta sobre uma forma silenciosa e moderna de exploração: o trabalho infantil em ambientes digitais.
O documento, publicado no contexto das discussões sobre a adultização de crianças e adolescentes e da promulgação do novo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) Digital, afirma que a monetização de conteúdo envolvendo menores em redes sociais pode configurar trabalho infantil, mesmo no cenário virtual.
De acordo com as instituições, a linha que separa a recreação da exploração é cruzada quando a presença online de crianças e adolescentes passa a envolver produção habitual de vídeos, monetização de conteúdo, profissionalização de canais ou o cumprimento de expectativas econômicas por parte da família ou de terceiros. Nesses casos, a atuação digital não está imune ao controle judicial e se enquadra em situações típicas de trabalho infantil. O fenômeno, conhecido como "adultização", ocorre quando crianças e adolescentes são impelidos a assumir papéis e comportamentos esperados de adultos, incluindo a geração de renda.
O alerta ganha contornos de urgência diante dos dados da SaferNet, organização de referência no combate a crimes cibernéticos. A entidade registrou que 64% das denúncias recebidas em 2025 referem-se a casos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, um aumento alarmante de 18,9% em relação ao mesmo período de 2024, indicando os riscos amplificados no ambiente virtual.
As entidades destacam os sérios impactos na formação dos jovens. O uso indiscriminado das redes sociais os submete a um fluxo contínuo de informações muitas vezes inadequadas para sua idade, antecipando experiências para as quais não possuem maturidade. Sobretudo, são colocados sob uma lógica concorrencial típica de atividades laborais, o que prejudica o tempo essencial que deveria ser dedicado aos estudos, ao lazer, ao esporte, à convivência familiar e comunitária e ao contato com a natureza.
Para o ministro Evandro Valadão, coordenador nacional do Programa de Combate ao Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho, a sociedade não pode permitir que a modernidade se torne uma nova ferramenta de exploração. "É nosso dever, não só como instituições, mas, como adultos, garantir que a infância seja um tempo de afeto, educação e desenvolvimento, não de trabalho", afirmou.
Katerina Volcov, secretária-executiva do FNPETI, reforça que a atividade digital de crianças, quando apresenta frequência regular, relações de poder, hierarquia e monetização, pode ser interpretada como trabalho infantil. Ela salienta a necessidade de um debate sério sobre a responsabilização das próprias plataformas digitais. Na mesma linha, a juíza Viviane Martins, do TRT da Bahia, defende que o diálogo social é crucial para criar estratégias de proteção que conciliem a operação das empresas de plataforma com a função social de acolher crianças e adolescentes de forma segura.
A professora Gabriela Neves Delgado, da UnB, observa que o trabalho infantil é um problema histórico e persistente, e que as formas de exploração apenas se adaptaram, migrando para os ambientes digitais, onde a vulnerabilidade de crianças e adolescentes permanece.
Diante desse cenário, as entidades conclamam por uma mobilização pública, institucional e política para enfrentar a exploração econômica de menores na internet. A procuradora do Trabalho Luísa Carvalho Rodrigues, do MPT, vê a promulgação da Lei nº 15.211/2025 (ECA Digital) como um avanço fundamental para promover ambientes digitais mais seguros, mas ressalta que esta é apenas uma etapa dentro de um processo contínuo e necessário para assegurar que infâncias e adolescências sejam plenamente protegidas, também no mundo virtual.