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Evento debate medidas socioeducativas para adolescentes infratores em comemoração ao 22º aniversário do ECA

Por Cláudia Cardozo

Foto: Ascom/Amab
O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), que padroniza o atendimento a jovens infratores que cumprem medidas socioeducativas em todo o país, foi um dos temas discutidos pelo desembargador Salomão Resedá e os juízes da Infância e Juventude Nelson Amaral e Walter Junior  na sede da Escola de Magistratura da Bahia (Emab). O sistema foi apresentado como novidade pelos magistrados  dentro do contexto de proteção aos direitos das crianças e adolescentes no primeiro debate virtual “Sistemas e Garantias do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)”. O evento foi realizado pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) em parceria com a Associação dos Magistrados da Bahia (Amab), nesta sexta-feira (13), para comemorar o 22º aniversário do ECA, e contou com a participação online de educandos de instituições de acolhimento e de operadores de Direito.
 
O desembargador, Salomão Resedá, em sua fala de abertura, destacou que durante os 22 anos de vigência do ECA algumas alterações foram feitas para adequar as normas à realidade brasileira. Ele pontuou duas mudanças, que no seu ponto de vista foram substâncias: uma é a Lei Nacional de Adoção (12.010/2009), que determinou uma série de medidas para que crianças em casa de acolhimento fiquem nos abrigos por no máximo dois anos; e a lei que implantou o Sinase (12594/2012). De acordo com Resedá, a Lei Nacional de Adoção fez com que “os juízes saíssem de seus gabinetes” e fossem conhecer "in loco" a situação das casas de acolhimento. Ele afirmou que, ao deixar o conforto das salas de onde despacham os processos, os magistrados se deparam com a realidade de diversas crianças que permanecem por mais de dois anos nos abrigos. “A lei obriga o juiz, o Ministério Público e o [Poder] Executivo a tomar uma atitude para que a criança deixe a instituição em dois anos”, afirma Resedá, que já acumula mais de 16 anos de militância em prol dos direitos das crianças e dos adolescentes à frente da Coordenação de Infância e Juventude do TJ-BA.
 
O juiz Nelson Amaral falou sobre a dificuldade de aplicar as medidas socioeducativas a adolescentes que cometeram atos infracionais no país devido a uma falta de estrutura dos órgãos legistas, por exemplo, responsável pela criação de laudo criminais, para poder julgar um caso. Amaral falou que por diversas vezes se depara com situações em que nos autos só constam o boletim de ocorrência para incriminar o adolescente. Ele afirmou que diante dessa situação não é possível manter o réu menor de idade preso por mais de 45 dias – prazo estabelecido pelo ECA para que o Ministério Público apresente uma ação à Justiça. Amaral ainda defendeu que não é possível aplicar a um adolescente infrator uma pena maior do que a aplicada a um adulto e questiona que “se o adulto tem o direito a responder o processo em liberdade, porque o jovem também não poderia?”. De acordo com o magistrado, cada ano em reclusão para um jovem, corresponde a cinco anos de um adulto, “tamanho sofrimento” que passam pela privação de liberdade. Ele destaca que é necessário quebrar o conservadorismo que anda pelos tribunais de Justiça para tratar do tema e que é preciso criar novas doutrinas jurídicas para formação sobre o direito juvenil.

Apesar de ser apontado como um sistema positivo para atendimento de adolescentes em conflito com a lei, por compartilhar a responsabilidade do infrator entre os Três Poderes, os magistrados pontuaram que em algum determinado momento o Executivo poderá se afastar desta responsabilidade, já que o Sinase prevê que o menor só poderá ficar em reclusão caso existam vagas disponíveis. Se não existir, eles terão que responder o processo em liberdade. Para Amaral, isso é um erro, pois o governo não se sentirá na obrigação de criar novas vagas para internação. Já o juiz Walter Júnior, titular da Vara de Infância e Juventude de Feira de Santana, no semi-árido baiano, o problema dos ato infracionais cometidos por crianças e adolescentes está na falta de políticas públicas e de se entender de fato as crianças como sujeito portadores de direito e como prioridade absoluta. Ele acredita que a mentalidade cultural da sociedade brasileira legisla para os brancos e para a elite, criminalizando quem está à margem do sistema. “As crianças são mais vitimas de um sistema do que algozes”, avalia. Ele exemplifica a situação das crianças do interior ao dizer que em Feira de Santana todos sabem que são os grandes traficantes, mas que só “prendem jovem com três a dez pedras de crack”. 
 
Junior também destaca que em um cenário de privação de direitos básicos como alimentação e vestuário, o traficante se apresenta como o protetor desses jovens. Além disso, ele defendeu a regionalização do estado para garantir os direitos da criança e do adolescente. “O ideal seria que o TJ-BA, o Executivo e o Legislativo, dividisse o estado da Bahia em quatro ou cinco regiões e dotar as regiões de estrutura, com equipamentos para medidas de internação, de semi-liberdade, de contatos com a rede de prestação de serviços para a comunidade, profissionalização desses adolescentes, e a estrutura de psicólogos para atendimento, que na maioria das comarcas do interior não existe esse serviço de apoio”, sugere. “Tratar de crianças e adolescentes necessita, acima de tudo, uma dedicação especial, pois a Constituição estabelece a criança como prioridade absoluta e proteção integral. Como é que você pode dar prioridade absoluta e proteção integral sem estrutura?”, questionou.
 
O juiz Nelson Amaral acredita que seja necessário mudar a mentalidade do brasileiro a cerca da punição por um delito. “Nós temos no país uma cultura da punição. O nosso sistema penal adulto não educa, não prepara para sociedade. Ao contrário, as pessoas voltam etiquetadas como detentos, ex-presidiários e tal. Nós precisamos quebrar esse paradigma de que a punição é a solução para quem viola a lei". Ele afirma que a visão que a sociedade brasileira de que o ECA é protecionista é elitista e burguesa. “O estatuto é um sistema. E esse sistema prevê que aquele que violar a lei tem como resposta ao seu ato não só a punição, mas também a sociabilização. E o adolescente está na condição peculiar de desenvolvimento. Por que ele vai responder a um crime igual a um adulto?”, perguntou.

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