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Marca Bahia Notícias Justiça

Entrevista

Luiz Coutinho - Vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB

Por Claudia Cardozo

Vice-presidente nacional da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e diretor da Escola Superior de Advocacia (ESA) Orlando Gomes, Luiz Coutinho criticou, em entrevista ao Bahia Notícias, as posições do deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) na Câmara, o Estatuto do Nasciturno, a redução da maioridade penal e a violação dos direitos humanos. "Quer ver uma violação concreta? Abordagem indiscriminada das pessoas em ônibus, ou até mesmo em carro", afirmou. Ele lembra que "sob o discurso de ‘nós estamos diante de uma necessidade de contenção da violência’, a polícia aborda as pessoas, dia a dia, e determina que as pessoas se coloquem em posição de revista e, muitas vezes, são apalpadas pelos oficiais na busca de armas ou outras coisas". " Aquilo é absolutamente contrário ao processo penal", avaliou. Ele também falou sobre a violência a jornalistas durante as manifestações. "São manifestações,  é lógico que há excessos e esses excessos devem ser contidos, mas via de regra você não pode atirar no olho de jornalista e sair baixando porrada", pontuou.
 

Bahia Notícias: O tema ‘Direitos Humanos’ ficou em maior evidência nos últimos meses devido à nomeação do deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Mas parece que a sociedade brasileira não sabe, ao certo, o que são os direitos humanos. Poderia nos contextualizar como esses direitos surgiram e o que eles asseguram?
 
Luiz Coutinho: Na verdade desde o contrato social do Rousseau, temos a ideia da formulação dos direitos humanos como uma garantia para a humanidade, na perspectiva de que as pessoas tenham um mínimo respeitado pelos poderes. Se nós pensarmos ali,  na  formulação do contrato social de Rousseau, e que cada  um abra um pouco das suas das suas liberdades em prol da segurança do grupo. Se você pensar na questão da bipartição de poderes de Montesquieu, você vai verificar claramente que naquele período se influencia uma nova perspectiva de se colocar os direitos dos indivíduos como uma característica a ser respeitada em um grau mínimo. Se você pensar que, antes de tudo, a perspectiva era do absolutismo e as pessoas podiam tudo, não existiam limites, essas limitações vão fazer exatamente valer a ideia de que se respeite o mínimo ético que seja razoável para comunidade. É a primeira ideia de direitos humanos. A indicação do deputado federal Marcos Feliciano parece um equívoco histórico no que se pauta de direitos humanos, na perspectiva de que vemos que tudo que já foi conquistado até hoje que é tido como algo factível na sociedade moderna, é exatamente negado por um discurso voltado exclusivamente a dogmas religiosos e que, no final das contas, a gente começa a questionar até se é verdadeiro o que esta sendo pregado ali. Vemos hoje uma das grandes discursões na igreja católica é a questão do ‘lobby gay’ dentro do Vaticano, e outras religiões tantas escondem uma série de verdades, criam perspectivas diferentes com a ideia de encobrir até mesmo o respeito mínimo aos direitos humanos. Nessa perspectiva, vejo de uma forma extremamente negativa todo o discurso que venha a restringir os direitos humanos. Como o próprio nome diz: direitos humanos são os direitos mínimos  do ser humano; de ser respeitado enquanto pessoa. Então quando nos partimos para qualquer discursão que esteja focada a respeito de situações já consolidadas na sociedade precisamos ter cuidando, quando vemos os temas mais recentes: a proposta que foi aprovada da ‘cura gay’ - pensar que pode um legislador proibir ou possibilitar que as pessoas tenham uma orientação sexual definida ou que possam ser tendenciosas a partir de uma limitação do exercício da profissão ou de um direcionamento para um exercício da profissão de psicologia -  isso é altamente absurdo e que se for bem pensando vai ser barrado na Comissão de Constituição e Justiça, alias, como todas as outras.
 
BN: O senhor acabou falando nessa questão da “Cura Gay”, nesse projeto que acabou de ser aprovado na Comissão de Diretos Humanos da Câmara...
 
LC: Se você parar para pensar, vai ter que entender como é essa Comissão de Direitos Humanos, que direitos humanos essa comissão tem realmente pensando, se é que o que está no caminho ou na contramão da história, mas parece que eles estão na contramão da história. Me parece que com uma única oposição, pelo que li, só teve um deputado que está contra. Me parece que a grande maioria das pessoas que estão na Comissão de Direitos Humanos estão levantando bandeira dessa natureza.
 
BN: Outro projeto que nos parece atentar conta os direitos humanos é a questão Estatuto do Nascituro, conhecido já como ‘bolsa estupro’, que já foi aprovado na Comissão de Finanças. Em que medida isso pode trazer retrocessos na garantia de direitos das pessoas?
 
LC: O bolsa estupro é mais uma loucura. Aliás, todas essas bolsas parecem caminhar em um sentido oposto aos direitos humanos, porque essa política assistencialista do governo não é uma política garantidora de direitos humanos. O que você verifica na verdade é que o governo tem caminhado no sentido de optar por essas políticas públicas de caráter generalista, mas com um objetivo concreto de fazer valer um cunho eleitoreiro. As pessoas têm deixado de trabalhar porque hoje são empregadas do governo sem fazer nada em prol do Estado. Então, não vejo com bons olhos nada disso até porque o crime por si só é hediondo e abominável. Mas não posso entender que depois o Estado fica obrigado a sustentar aquilo - acho muito mais lógico que seja observado o que determina a lei; no que diz respeito à possibilidade do aborto nestes casos em função de ser um direito da própria mulher de não fazer vingar uma gestão tida a partir de um crime tão brutal.
 
BN: O senhor falou que essas bolsas que seriam uma afronta aos direitos humanos, nesse sentido o programa bolsa família também seria uma forma de violação?
 
LC: Vejo todas essas políticas que são colocadas no sentido de assistencialismo, num caminho contrário, penso que devem ser criados meios para que as pessoas sejam inseridas no mercado de trabalho, seja através da educação, da qualificação profissional ou de qualquer forma com que você tenha indivíduos prontos a atuarem, não a serem assistido, porque é mais ou menos naquela perspectiva: ‘Você não dá o peixe, mas você ensina a pescar’.  Temos agora bandos de ociosos criados a partir de políticas assistências, e por outro lado, pessoas que não conseguem ser integradas no mercado de trabalho com remunerações dignas. Me parece que são duas questões que precisam serem vistas com cautela, uma é a questão de o bem que faz eventualmente para aplacar a fome, sim, mas por outro lado o mal que faz por desorientar as pessoas ao trabalho 
 
BN: Os crimes cometidos durante a ditadura militar serão investigados pela Comissão Nacional da Verdade. Em tese, o que essa comissão pode ajudar a retratar um erro histórico?
 
LC: Acho que os erros históricos não precisam ser retratados, e sim trazidos ao conhecimento público. O que se passou no país naquela década de 60 em diante.  O Ato Institucional nº 5 é algo que envergonha qualquer país civilizado no mundo.  E isso durou muito tempo. A lei vigorou até 85 e a partir daí teve uma grande anistia, e com ela um perdão de parte a parte do que teria passado. Mas isso não pode perder a perspectiva de que as pessoas tenham que saber o que aconteceu naquele período. Não vejo que seja possível se buscar outro tipo de responsabilização que não seja a reparação das vítimas. A lei, quando foi editada, anistiou por completo o militar, embora eu veja isso como uma ofensa a carta política. A tortura estaria entre os crimes imprescritíveis. Acredito que nessa perspectiva a coisas deveriam ser vistas de uma forma mais ampla. Mas o Supremo Tribunal Federal (STF)  já se colocou no caminho de entender que não haverá outro tipo de responsabilização, diferentemente do que acaba de acontecer na Argentina em que um ex-presidente acaba ser condenado a sete anos de reclusão por um crime ocorrido há muito tempo, como aconteceu também com as vitimas de lá. Mas no ponto de vista prático, vejo que as pessoas precisam saber, o governo precisa reparar o erro histórico e deixar escrito com letras garrafais para que isso não volte a acontecer. Vejo hoje com muita preocupação a atitude dos jovens que estão a se rebelar no país inteiro e estão sendo reprimidos como foi nos anos de chumbo. Não participei desta época, não tenho nem idade para isso, mas acredito que lá as coisas devem ter sido bem complicadas. Me lembro da minha participação no movimento estudantil em 1992 com os caras pitadas, já na universidade em que saímos na rua para pedir o impeachment do presidente Collor.  Mas, hoje, vejo que as pessoas que estão com algo que trazem de dentro, uma vontade realmente de mostrar uma insatisfação contra tudo, inclusive contra a atitude dos ‘Felicianos’ da vida. Não vejo aquilo ali a partir dos 20 centavos, mas que os 20 centavos é o pano de fundo, ali tem insatisfação contra a crise da ética na política, as perseguições, homossexuais... E é um fenômeno que você vem observando no mundo inteiro, aconteceu no Wall Street há pouco. Você vê que o mundo de um modo geral não se cala mais diante de violações dos direitos humanos, e tudo isso no final das contas é uma demanda contida que acaba sendo posta a observação por hora muito salutar, por outro lado veementemente me coloco contrário a postura arbitrária do Estado que  tem reprimido essas manifestações com o uso da violência. São manifestações,  é lógico que há excessos e esses excessos devem ser contidos, mas via de regra você não pode atirar no olho de jornalista e sair baixando porrada. Nem jogando gás contra todo mundo, como uma regra de manter a ordem. É um estado livre onde que as pessoas têm o direito de ir e vir, e o direito de se manifestar. O mais importante é a possibilidade de a pessoa poder exercer o seu direito de liberdade em todos os sentidos.
 
 
BN: Outra polêmica que estamos vivenciando agora no Brasil é possibilidade da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. O ministro da Justiça já apontou que o Brasil não vai reduzir essa faixa etária. Mas como é esse debate da redução da maioridade penal dentro da OAB com essa perspectiva dos Direitos Humanos?
 
LC: É um dos outros absurdos. Vamos pensar de uma forma muito simples, se você verificar que em 1990 foi editado o Estatuto da Criança e do Adolescente, que previa uma série de situações que deveriam ser implementadas de logo: educação, alimentação, lazer, esporte, tudo como perspectivas claras a toda criança e adolescente teria direito aquilo você eventualmente poderia apresentar uma conta às crianças que não tivessem incluídas nesse processo, agora o grande problema é um problema demagógico: as pessoas passam a discutir sobre isso a partir de fatos isolados. E a ideia de redução da maior idade penal me faz um questionamento muito claro: reduzir para quanto? Hoje para 16, amanha para 14, depois para 12, 10, 8 e depois fazemos uma política de genocídio porque os pobres estão cometendo crime e não podem ter filhos. Não me parece razoável, então sob qualquer perspectiva. Sou membro do Conselho Penitenciário da Bahia e acompanho muito de perto a questão da superlotação das cadeias. Você não tem lugar pra botar mais gente presa e não tem sentido de você tirar um jovem nessa faixa de 16 anos e colocar ele para cumprir uma pena ou pelo menos ficar custodiado para provisoriamente juntamente com adultos porque ali vai se formar uma universidade do crime.  Se ele foi preso eventualmente passando uma droga qualquer, em qualquer lugar, ele vai ter contato pretencioso com aqueles que sequestram, estrupam, roubam, traficam e dai por diante, no final das contas ele sai dali pronto para qualquer coisa. Uma coisa que a sociedade tem que entender é o seguinte: esse lixo social que ela pretende eventualmente expurgar, volta pra sociedade. Então não adianta, no Brasil não há prisão perpétua, não há pena de morte, você tira ele hoje, coloca ele em uma instituição fechada total e no final ela vai voltar e quando ela voltar vai estar pior. Esse discurso me parece que é um discurso populista. Cada crime se coloca a redução da maioridade penal como solução, a solução não é essa, a solução é você ter mecanismos concretos de inclusão e de possibilidade que os indivíduos não se tornem delinquentes. A ideia é o fortalecimento da instituição da escola, do trabalho e o fortalecimento da questão da família. Sou absolutamente contra. A Ordem dos Advogados é absolutamente contra, exatamente porque não vai resolver o problema. E volto a reafirmar que não temos lugar para colocar essas pessoas. Acho que é muito mais claro que não precisamos construir cadeias, precisamos escolas, precisamos construir possiblidades não trabalhar em um caminho de retrocesso porque quando você coloca um individuo numa situação dessas, você está fadando ele a uma delinquência maior. É lógico que o deputado que sustenta uma tese dessas, parece muito benquista porque, a própria sociedade que vai sofrer com isso é a própria sociedade que aplaude. 
 
BN: O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que as crianças e adolescentes em conflito, que tenham cometidos atos infracionais, sejam submetidos a medidas socioeducativas. Essas medidas são eficientes, são eficazes? E por que elas não são a solução mais apontada nesse momento?
 
LC: Me parece que, na verdade, é exatamente aquele discurso do endurecimento, o que aconteceu nos Estados Unidos a teoria do Broken Windows (Janelas Quebradas) em que você maximiza a repressão, volta ela a determinados seguimentos e você depois na tolerância zero, respostas eficientes. Mas dentro da realidade deles, aquilo ali tem um discurso racista. No final das contas você sai reprimindo sobre tudo negros e latinos e contém a violência a um custo de fazer intervenções contra cidadãos de bem. A cada cem intervenções, um daria a possiblidade de uma detenção concreta sem violação de direitos humanos, e depois dessas muito menos haveria uma possibilidade de punição. Mas só que todas aquelas pessoas tiveram seus direito violados. Me parece que esse discurso de “tolerância zero” que se prega como uma solução também não é viável, o caminho esta exatamente no contraponto desse discurso, na possiblidade de inclusão desse individuo. Com relação ao estatuto, eu acho muito claro que as medidas socioeducativas são algo razoável. Agora, o mais importante é que vocês tenham nesses estabelecimentos a possibilidade de agregar estes indivíduos de uma forma útil, porque não podemos pensar em mais nenhum lugar que seja depósito de gente. Não adianta, as pessoas vão estar ali preparando o mal se você tem uma instituição em que você precisa agregar ao individuo em um prazo de internação de três anos você tem que colocar ele para produzir, se qualificar para poder ter a possibilidade de se reintegrar. O problema é que nós temos um discurso de ressocialização, mas como ressocializar quem não foi socializado? Na verdade nosso discurso tem que ser de socialização, fazer com que o indivíduo se inclua de alguma forma no mercado, seja pelo trabalho, estudo ou de qualquer outra forma que tenha uma possibilidade lícita. Quando você inverte esse jogo e traz o indivíduo para outra ponta, dizendo: ‘Quero ressocializar.” Como ressocializar quem não foi socializado? A grande mentira esta aí. E, infelizmente esse discurso do horror é o discurso que vende, que agrada. Se você for partir para esses programas sensacionalistas, tem alto público, porque as pessoas querem ver ‘o quanto pior, melhor’. Propus em uma mesa na ABI a poucos dias que houvesse um boicote geral a produtos que fossem anunciados nesse horário para que a televisão deixasse de investir nisso e que os anunciantes deixassem de pagar por aquele horário, porque na verdade é um jogo de marketing. Se você propõem um boicote geral aos produtos anunciados nesse horário, as pessoas passam a ter uma outra visão de como deve ser feito. Sou absolutamente a favor da liberdade de imprensa, totalmente contra a qualquer tipo de limitação, mas eu sou partidário da ideia de que se deve respeitar o individuo em quanto pessoa anônima. Na verdade, é justo que todos sejam tratados da mesma forma. Você não pode fazer um discurso de espetáculo como circo de horror com as pessoas que não são economicamente bem sucedidas.
 
BN: Quais são as principais infrações que são cometidas pela mídia e na internet?
 
LC: Na verdade, você vê aí todos os dias, de todas as formas pessoas tendo direitos humanos violados e no mundo inteiro. Eu agora via que na Rússia pauta que os pais insuflam os filhos a atacarem homossexuais e ainda baterem com urtiga como uma forma de punição, querendo coibir. Então você vê os ‘Felicianos’ da vida que sustentam coisas desta natureza geram iras em indivíduos. Não  há como negar hoje a questão da nova formulação de família, família não é mais um retrato em casa do pai, mãe e filho como uma família perfeita. Na verdade existem outras formas de amar e viver e que a gente tem que respeitar a liberdade de cada um. Eu acho que a ideia da gestão do casamento entre pessoas do mesmo sexo é algo irreversível.  Não adianta Feliciano insuflar para que isso não aconteça na igreja dele, tem que pensar em pós-modernidade. São as pessoas escolhendo a forma de viver. Hoje, as famílias são constituídas de pessoas de duas famílias que se juntam e criam uma nova família, são pessoas do mesmo sexo. As pessoas não podem a vida toda ser hostilizadas na família, muitas vezes, porque tiveram uma determinada opção sexual e no dia que morrem, a família vai herdar o que a pessoa construiu e o patrimônio que ela teve em conjunto com uma pessoa que vivia com ela. Não me parece razoável a negação do direito a assistência médica e outros tantos decorrente da própria união que esta ali estabelecida entre eles. Me parece que todas essas tentativas, e ai voltamos novamente a questão das mídias, tudo isso é insuflado por mídias sociais e são violações concretas no mundo inteiro, vistas razoáveis à partir de atitudes como essas que violam os direitos humanos. E contra isso a Ordem também se posiciona veementemente contra.
 
BN: Há um pensamento popular que fala que ‘bandido bom é bandido morto’ e quando se fala em direitos penitenciários, direitos de presidiários, provoca uma reação negativa na sociedade. Por que a gente precisa também debater os direitos dos penitenciários, quais são os direitos que eles têm enquanto pessoa humana?
 
LC: Na verdade todos os direitos não atingidos pela falta de liberdade. Ele mantém todos os direitos, me parece que isso é outra discussão na contramão da história. A pessoa é custodiada o Estado diz: ‘você vai ter que ficar preso por tanto tempo, porque você violou a lei’. Correto, mas a partir dali ele não perde mais outro direito.  É um outro debate sensacionalista. Se você verificar a lei da execução penal, Lei 7.180/84, ela prevê inúmeros direitos pra o indivíduo, entre eles: direito a uma sela com 6m² com ambiente sanitário individual, possiblidade de integração ao trabalho, lazer e outras tantas situações e uma a possiblidade de ser realizado o trabalho e ter a remuneração ter no mínimo 3/4 do salário mínimo para satisfazer todas aquelas necessidades. Do ponto de vista prático nada disso é respeitado. Tenho acompanhado o trabalho do secretario Nestor Duarte para poder tentar colocar vagas no sistema prisional, mas as vagas não são suficientes e por mais que se invista ainda há uma carência porque se banalizou a cultura da prisão preventiva. Hoje a lei a prevê a possiblidade de aplicação de medidas cautelares e infelizmente alguns ainda optam pela ideia de manter os indivíduos encarcerados dentro daquele discurso de terro que ‘bandido bom é bandido preso’ ou do discurso da mídia marrom que diz que ‘bandido bom é bandido morto’. 
 
BN: Alguns parlamentares, em alguns eventos que participo, afirmam que pauta de direitos humanos não da voto, não elege... Mas porque é tão importante a gente entender o poder de uma Comissão de Direitos Humanos e até mesmo a discussão sobre direitos humanos, não só em uma comissão da Câmara?
 
LC: Exatamente na proposta de que as pessoas precisam reacender essa chama de lutar pelos seus direitos. O Estado não pode negar tudo ao individuo e depois lhe mandar um ‘bolsa família’, e dizer ‘fique feliz’, pois você faz parte de um contexto em que você tem um obsequio legal. Até porque, aquele dinheiro poderia ser investido de outra forma. Eu não vejo com bons olhos essa ideia de se deixar se perder esses direitos, na perspectiva de que você precisa de um Estado com absoluta segurança. Segurança não vem da violação de direitos humanos. É exatamente o contrário. O que mais nos preocupa, enquanto instituição, é exatamente que, a violação aos direitos humanos acontecem, sobretudo, com as pessoas menos favorecidas. É exatamente com quem não tem a força para poder lutar e poder questionar. Então, todas essas hipóteses são as que estão ali, sendo violadas, dia a dia. E as pessoas fazem pouco caso, até porque, como você diz, o discurso de direitos humanos não vende, mas é necessário a defesa dos direitos humanos. Até porque, daqui a pouco começa a sumir gente de novo, como aconteceu na época da ditadura militar. Porque está sumindo bandido, a gente não vai dar conta? Aí depois começa a sumir os pais, depois os jornalistas, depois os advogados e aí já vai ser tarde. Porque as violações já vinham sendo aplaudidas pela sociedade. O que a gente vê é um despertar da cidadania.
 
 
BN: Essas violações que a gente pontuou aqui, de direitos dos homossexuais e da redução da maioridade penal são mais veiculadas na imprensa. Mas, no dia a dia, tantas outras violações acontecem. Quais são as mais corriqueiras que a gente não enxerga?
 
LC: Quer ver uma violação concreta? Abordagem indiscriminada das pessoas em ônibus, ou até mesmo em carro. Sob o discurso de ‘nós estamos diante de uma necessidade de contenção da violência’, a polícia aborda as pessoas, dia a dia, e determina que as pessoas se coloquem em posição de revista e, muitas vezes, são apalpadas pelos oficiais na busca de armas ou outras coisas. Aquilo é absolutamente contrário ao processo penal. O Código do Processo Penal prevê a possibilidade da busca pessoal em situação de cometimento de crime, ou de suspeita fundada de quem esteja portando arma, ou qualquer utensílio voltado para o crime. E, toda pessoa que anda de ônibus na cidade, acaba passando por uma abordagem. A mesma coisa é com relação aos carros. Seu carro é parado em uma blitz. Se você mostra seus documentos, e apresenta sua habilitação, não tem motivo para você ser revistado, porque não é suspeito de crime. Mas ali é uma violação concreta aos direitos humanos. Agora, a sociedade vai encarando isso aí como uma medida de segurança da ordem. Qualquer situação que impeça você de ir e vir, ou ficar, é violação de direitos humanos. A blitz do bafômetro também é uma violação. Ninguém é obrigado a – aí já é um direito constitucional – fazer prova contra si próprio. A legislação era muito melhor antes, porque ela entendia da seguinte forma: se você fosse encontrado em estado de embriaguez, conduzindo o veículo de forma perigosa, você seria encaminhado à polícia, e lá seria possível se fazer um exame geral, sem retirada de nenhum tipo de substância do seu corpo, porque isso não é permitido, e aquilo geraria a possibilidade de um processo por uso de álcool ou de substâncias entorpecentes. 
 
BN: Como a Comissão de Direitos Humanos da OAB atua para assegurar que os direitos humanos não serão violados?
 
LC: Nós temos uma ação integrada em todos os estados. Cada estado tem uma Comissão de Direitos Humanos, que toda vez que é acionado, ou que verifica a violação de um direito fundamental, ela posiciona-se, e busca das autoridades competentes, a ideia de reparação ou de minoração do problema, e de uma solução da demanda como um todo. A Ordem é uma instituição já quase secular, que tem como objetivo concreto a defesa intransigente do Estado Democrático de Direito. A Ordem não compactua com nenhum tipo de situação que eventualmente viole os direitos humanos. Inicialmente, é uma Ordem voltada para os advogados, mas é uma instituição voltada para a sociedade civil como um todo. Ela tem o objetivo de fiscalizar, de um modo geral, ou de ajudar, a construção de um Estado Democrático de Direito.
 
BN: A comissão recebe denúncias, busca diálogo com as autoridades...
 
LC: Recebe, com o objetivo de aplacar essas violações. Inclusive, temos recebido um grande número de denúncias nesses últimos protestos, pedindo a intervenção da Ordem. Os poderes públicos estão sendo acionados de forma concreta, com objetivo de fazer, sobretudo, valer o direito das pessoas que foram presas de forma arbitraria pela polícia.

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