Daniela Borges, primeira mulher à frente da OAB-BA, fala sobre desafios da advocacia e a importância da profissão
A advogada Daniela Borges, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil na Bahia (OAB-BA), em entrevista ao Bahia Notícias, destacou a relevância da advocacia para a justiça e compartilhou sua trajetória pessoal, marcada por desafios e conquistas. Primeira mulher a comandar a instituição em 90 anos de história, ela falou sobre representatividade, acesso à justiça, inteligência artificial e os obstáculos enfrentados pelos advogados no estado.
TRAJETÓRIA
Nascida em Salvador, mas formada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Daniela narrou as dificuldades de construir uma carreira longe de suas raízes: "Não tinha ninguém da família na área jurídica. Foi um desafio duplo: adaptação a BH e conseguir estágios sem indicações". Seu primeiro emprego exigia jornadas de 11 horas diárias, mas o esforço rendeu frutos: "Saí de lá coordenando a área tributária antes de voltar para Salvador em 2004".
O retorno à Bahia trouxe novos obstáculos: "Tive que recomeçar do zero. Sem faculdade local nem rede de contatos, aluguei salas emprestadas para atender clientes". Essa vivência moldou sua compreensão das dificuldades dos jovens advogados, tema que hoje prioriza em sua gestão.
REPRESENTATIVIDADE
À frente da Comissão Nacional da Mulher Advogada em 2019, Daniela liderou a campanha pela paridade de gênero e cotas raciais nas eleições da OAB: "As mulheres já eram maioria entre inscritos, mas não nos espaços de decisão. Nossa vitória mudou a cara da instituição". Citando Victor Hugo, lembrou: "Nada é mais poderoso que uma ideia cujo tempo chegou".
Questionada sobre a proposta de mudar o nome para "Ordem da Advocacia", respondeu: "O crucial não é o nome, mas garantir que as mulheres transformem os espaços que ocupam".
JUDICIÁRIO BAIANO
A presidente da OAB-BA fez um grave alerta sobre a situação do Poder Judiciário na Bahia: "Eu não sei e qual é a dificuldade que existe do tribunal colocar isso como meta, porque vários estados, você vai em outros estados no nosso país, tem um juiz em cada unidade", afirmou.
Ela destacou que enquanto algumas varas e comarcas funcionam adequadamente, "muitas unidades enfrentam problemas gravíssimos que não recebem a atenção devida pelos próprios atores do sistema judiciário". A situação chegou a níveis críticos: "Já tivemos um déficit de mais de 200 juízes. Hoje são 67 vagas não preenchidas, número que ainda é inaceitavelmente alto".
Segundo a advogada, a OAB mantém pressão constante por soluções: "Desde o esgotamento do cadastro reserva, somos voz ativa cobrando novo concurso. Já fomos ao tribunal inúmeras vezes exigir providências".
O projeto Movimentação da OAB-BA surge como contraponto: "Quando um processo para 180 dias, nosso ofício faz 70% deles voltarem a andar". Mas alerta para novas artimanhas: "Alguns juízes dão despachos protelatórios só para burlar o sistema. Estamos mapeando esses casos para levar ao CNJ".
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Perguntada sobre os vídeos de advogados nas redes sociais, a advogada explicou que não é proibido. Segundo ela, a tecnologia deve sempre ser utilizada a favor dos benefícios da profissão, porém salientou a necessidade de ter “bom senso”: "Podem usar, mas dentro dos parâmetros éticos. Oferecer serviços diretamente é proibido".
Quanto à IA, fez ressalvas: "Já vimos petições e decisões com citações inventadas por algoritmos. A responsabilidade sempre será do profissional que assina". Sobre o futuro, foi enfática: "A IA não substitui a advocacia porque não tem empatia. Ninguém quer um robô ouvindo seu desespero ao dizer 'preciso de ajuda, doutor'".
Acesso à justiça: o abismo social
Daniela criticou a tabela de custas do TJ-BA: "Há uma faixa da população que não se qualifica como vulnerável, mas não consegue pagar. Estamos estudando ações contra esse modelo". Sobre o interior, destacou: "Comarcas como Cocos e Barra ficam uma década sem juízes titulares. Isso nega justiça".
Formação e Exame de Ordem
Sobre a "banalização" do Direito, foi direta: "Temos faculdades que não formam adequadamente. Lutamos para que nosso parecer sobre cursos tenha força vinculante". Defendeu o exame da OAB: "Não é peneira, mas garantia para a sociedade. Assim como queremos médicos qualificados, cidadãos merecem advogados preparados".
Aos colegas, declarou: "Advocacia nasceu do instinto humano de defesa. Quando alguém disse 'você que fala melhor, me defenda', criou-se nossa essência". E finalizou: "Enfrentamos desafios, mas a OAB está mais forte e diversa. Seguiremos lutando por justiça e pela categoria".
Veja a entrevista na íntegra: