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Entrevista

Podemos até dizer que o TJ-BA é feminista, diz desembargadora sobre participação feminina

Por Cláudia Cardozo

Foto: Nei Pinto | TJ/BA
A desembargadora Nágila Brito é uma das muitas mulheres que compõe o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). Em entrevista ao Bahia Notícias, a desembargadora afirma que “para orgulho nosso, nós somos praticamente equiparadas – e já fomos até maioria” no tribunal baiano. A desembargadora, que preside a Coordenadoria da Mulher, diz que pode até dizer que o TJ-BA “é feminista”. Nágila Brito avalia que no curso de sua carreira, desde a época em que era promotora de Justiça, nunca teve dificuldades para ser promovida, removida e ocupar cargos de confiança dentro do Ministério Público, órgão que a propiciou chegar ao tribunal, através do quinto constitucional. Ela conta que o tamanho de processos de violência contra mulher que tramitavam nas varas criminais fez com que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criasse a Coordenadoria de Violência Doméstica contra Mulher nos tribunais, para funcionar como uma interlocução entre a sociedade e a Rede de Proteção à Mulher. Nágila salienta que a rede se interliga, e a partir dela, a atuação de um juiz não é apenas mais instruindo um processo, sentenciando. “É aquela do ‘vamos nos ajudar’. Vamos ver com o Executivo agora, conseguindo com as prefeituras, que cedam psicólogos e assistentes sociais para atuar com uma equipe interdisciplinar, porque foi outra inovação da Lei Maria da Penha, que juntas, nas Varas de Violência Doméstica, funcionam de forma interdisciplinar”, conta. Sobre a instalação de duas varas de Violência Doméstica contra Mulher, a desembargadora afirma que não pode “esconder a felicidade” em que está, pois essa era uma luta desde que ingressou no tribunal, para que se instalasse mais varas especializadas. A presidente da Coordenadoria da Mulher acredita que sentenças condenatórias contra violência doméstica vão inibir a incidência de novos casos. A magistrada também falou das medidas que estão sendo adotadas para melhorar o atendimento nas varas da mulher, que foi considerado um dos piores serviços prestados aos jurisdicionados em Salvador, em um estudo da Defensoria Pública da Bahia. A magistrada defendeu ainda tipificação de mortes de mulheres em decorrência de violência doméstica como feminicídio. “A classificação é uma violência em razão do gênero, é uma violência por preconceito, de o homem imaginar que é superior a mulher, e por isso achar que ela pode ser morta, e que ela é sua propriedade. O feminicídio vai trazer novamente à tona isso que a gente está tentando evitar, que é a morte de mulheres, mas no amago do seu lar”.


 

Como é ser mulher no mundo jurídico? É difícil ser desembargadora em um ambiente, que, por tradição, é mais masculino?
Aqui no estado da Bahia, para orgulho nosso, nós somos praticamente equiparadas – e já fomos até maioria. Realmente, há tribunais que somos minorias, como em Pernambuco. Eu me lembro que, quando fiz concurso lá, aos 22 anos, para promotora de Justiça, e fiquei muito surpresa de saber que a primeira mulher que ingressou no concurso da magistratura de Pernambuco tinha um nome, que tanto poderia ser de homem quanto de mulher. Diziam que a banca examinadora teria se atrapalhado e aprovado uma mulher. Mas o fato é que hoje, as mulheres ingressam mais facilmente, mas há alguns tribunais mais tradicionais que a ala masculina ainda é ampla maioria, inclusive no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, que são maioria de homens. Mas aqui no tribunal da Bahia, eu poderia até dizer que é feminista.

Quais são os desafios que uma mulher encontra ao trilhar uma carreira no Sistema Judiciário?
Eu sempre costumo dizer que no Ministério Público eu nunca tive dificuldades de ser promovida, de ser removida, de ocupar cargos, desde que eu fui promovida para capital, que eu fui convocada- convocada mesmo, porque eu gosto de atuar nas varas, já fui titular de vara de família e não tive o direito de exercer o meu mister, pois fiquei só cinco meses, concomitante estudando processos contra prefeitos, porque era mais necessário à Procuradoria Geral e eles então me pediram ajuda, porque tinha experiência por já ter denunciado uma prefeita, na época ainda era possível, pois tramitavam no primeiro grau, e dada essa experiência, fiz um compromisso de levar para minha casa, nos finais de semana, para estudar esses processos, e não queria deixar a minha vara. Sou até professora de direito de família há mais de 15 anos. Mas, essa diferenciação entre homem e mulher, eu nunca senti. Apenas para desanuviar ao que a gente ouvi falar no derredor, que é de violência, eu tenho uma história interessante para contar exatamente sobre isso. Eu era diretora da escola do Ministério Público do qual havia um palestrante, o Dr. Mirabete que visitava a Bahia e tínhamos que leva-lo para jantar. O procurador-geral de Justiça da época me convocou e me disse: ‘Nágila, vamos levar o Mirabete para jantar’, e eu disse que tudo bem. Só que eu soube que ele tinha convidado outro colega, que iria. Para sair daquele compromisso, eu disse para ele: ‘já que vão homens, vocês vão ficar mais a vontade em conversar sozinhos e dispensa minha presença’. E ele me disse: ‘não convoquei a mulher, eu convoquei a promotora’. Ou seja, sempre houve essa distinção, esse respeito, essa consideração e eu nunca me senti desprestigiada. Ao contrário. Mas não posso negar que há colegas que em determinadas situações, se sentiram - na magistratura, principalmente-, por ter aquele poder que sempre se tentou deixar mais nas mãos masculinas. E isso é desde a antiguidade. Imagine que nosso Código Civil, até 1916, tínhamos a figura do ‘cabeça de família’, que só poderia ser homem, e foi modificado em 2002. Mas a Constituição, que trouxe o princípio da igualdade, não só aquele princípio geral, formal, mas no capitulo da família, trouxe a igualdade de exercício entre homem e mulher na sociedade conjugal, e a coisa mudou a partir daí -. Mas há uma coisa interessante para falar da mulher no mundo jurídico, que é a questão das licenças, a questão que se toca acerca da igualdade entre homem e mulher. E as pessoas, nem sempre, conseguem vislumbrar que o princípio da igualdade só é efetivado, como dizia Aristóteles, e repetido por Ruy Barbosa, quando se trata desigualmente os desiguais na medida que  se desigualam. Então, os meus colegas promotores, especialmente um, em determinada comarca dizia – na época eu era procuradora e fazia parte do conselho Superior do MP- e ele dizia: ‘Vou trazer uma petição para dizer que tem que acabar com os quatros meses de licença gestação, porque a minha colega que eu substituo, ela já pariu três vezes, e eu trabalhei um ano inteiro e ela não’. Eu disse que ele até poderia peticionar, mas dizia que duvidava que o Conselho Superior aprovasse alguma a coisa em relação a isso, porque, efetivamente, ele não iria dar de mamar ao filho quando nascesse, e teria que ser a promotora que se tornou mãe. E que ele não poderia passar por todas aquelas transformações que uma gestação e o início da vida de um bebê promove. Depois disso, ele começou a sorrir, e não entrou com petição nenhuma. Praticar a igualdade é tratar a desigualdade desigualmente. Nunca poderemos dizer que o homem é igual à mulher, pelo menos fisicamente.

A senhora é coordenadora da área da Mulher no TJ. Quais os programas a Coordenadoria desenvolvem e com quais objetivos?
A Coordenadoria da Violência Doméstica contra Mulher nos tribunais de Justiça foi uma criação do Conselho Nacional de Justiça. Em um determinado momento, ao perceber os inúmeros processos que existem nos nossos foros, infelizmente, seja de agressões, como de ameaças e de homicídios. E o projeto de lei para modificar e agravar mais a pena para denominar feminicídio aconteceu por questão de gênero. O CNJ viu a necessidade de criar a Coordenadoria para funcionar como uma interlocução com a sociedade, ou mais propriamente com a Rede de Proteção à Mulher, da qual faz parte o Ministério Público, a Defensoria Pública, o próprio Poder Legislativo, que nós estamos sempre em contato com as deputados, e foi criada a Secretaria de Políticas para Mulheres. Também dialoga com Creas, Cras, movimentos feministas. Enfim, é uma rede de proteção que se interliga. Não é mais só o juiz instruindo seu processo, sentenciando. É aquela do ‘vamos nos ajudar’. Vamos ver com o Executivo agora, conseguindo com as prefeituras, que cedam psicólogos e assistentes sociais para atuar com uma equipe interdisciplinar, porque foi outra inovação da Lei Maria da Penha, que juntas, nas Varas de Violência Doméstica, funcionam de forma interdisciplinar. Nós não temos servidoras suficientes. Nós não temos esse cargo. Agora que estamos fazendo concurso com esse posto. O Executivo Municipal de Vitória da Conquista, de Feira de Santana, e agora mandei um ofício à Prefeitura de Salvador, e as prefeituras estão nos auxiliando na cessão dessas profissionais, em uma parceria com o Poder Judiciário.

O Tribunal de Justiça, recentemente,  publicou um decreto para instalar duas varas de Violência Doméstica contra Mulher. Qual a importância dessas varas?
Essa é uma grande conquista, não posso esconder a felicidade em que estou, porque aqui, desde que ingressei como coordenadora da Mulher, venho tratando essa luta de instalar mais varas especializadas. Conseguimos a vara de Vitória da Conquista, inaugurada no dia 2 de março. A população de lá está muito feliz, e no dia 9 de março, em Salvador, a vara vai funcionar nas dependências de Fórum, por enquanto. Porque o ideal é que seja afastada para que a mulher fique mais a vontade, não se sinta inibida, não se sinta envergonhada de estar entrando em uma vara de violência doméstica. Já estamos com a equipe cedida pelo prefeito e é mais um local em que a mulher, com certeza, vai conseguir proteção. Ela vai encontrar um promotor de Justiça para ouvi-la, vai encontrar um defensor e um juiz que vai conceder, com a maior celeridade possível, uma medida protetiva de urgência. Ao tramitar dos processos, sentenças condenatórias, vai inibir essa multiplicação de violência, que nos assustam a cada momento, com o crescimento da violência contra mulher.

A instalação das novas varas é um pedido da sociedade?
É um pedido da sociedade. A própria rede de proteção, ela praticamente - não é que obrigou-, mas nos levou a pensar a instalar as novas varas porque, o número tão crescente de casos, não dava mais. Só para historiar, vieram todas as deputadas estaduais, vereadoras, secretária de Política para Mulheres, tanto estadual como municipal. Todos nessa luta fizemos muitas reuniões. Fomos até a Presidência do tribunal, com todo apoio da coordenadoria, para mostrar a necessidade das novas unidades. O presidente [Eserval Rocha] se comprometeu de instalar agora essas duas varas, porque são as possíveis nesse momento. Eu quero esclarecer que é realmente muito bom quando temos uma vara especializada, porque a mulher já sabe, é um outro olhar que ali ela vai ter profissionais que estão capacitados para atende-la e entender seus problemas, que são bem diferenciados dos outros tipos de agressões. É quando envolve sentimento, a dor é muito maior. É um sofrimento mais moral até do que propriamente físico, às vezes, quando não acaba, infelizmente, para um mal maior, que é o homicídio. Precisa ter o acolhimento por uma equipe de profissionais, por um juiz que esteja vocacionado para isso. A gente sabe que as quatro varas não são suficientes para um estado tão grande. Mas o que importa é que estamos começando essa especialização já, crescendo em número, e que nenhuma mulher ficará desprotegida onde não há vara especializada, porque a própria Lei Maria da Penha prevê que onde não haja varas especializadas contra Violência Doméstica, que o juiz criminal aplicará a Lei. Ou seja, vai receber os processos, vai aplicar as mesmas medidas protetivas de urgência, e já estamos juntando esforços para que até no Plantão, as medidas de urgência sejam levadas a efetividade pelos oficiais de Justiça de primeiro grau. É necessário a Vara, é, por causa dessa visão de se sentir mais protegida, de ter uma assistência especial, de ter toda uma gama de profissionais a sua disposição. Mas não se deixará de processar, de decretar medidas protetivas, por ausência da vara.


Um estudo recente da Defensoria Pública aponta que a Vara da Violência Doméstica oferece um serviço sem qualidade para os jurisdicionados. O que o TJ tem feito para melhorar o atendimento das mulheres nessas unidades?
Nós temos o conhecimento desde o ano passado, de que não estávamos funcionando a contento. Desde então, temos reforçado, no sentido de tentar ajudar. Inclusive, um dos pedidos é de mais psicólogos, de mais assistentes sociais, juízes para auxiliar – tem uma juíza lá auxiliando, e são 300 processos que ingressam por mês - em média. São seis oficiais de Justiça que lá trabalham. Estamos detectando todos os problemas, até com esse funcionamento de aconselhamento, de procura de resultados. Agora, nessa campanha 'Justiça pela paz em casa', a juíza adiou as férias para antecipar audiências, inclusive, com uma vítima grave, que veio aqui, à porta do Tribunal de Justiça. Eu recebi essa pessoa. E nós estamos, na medida do possível, melhorar essa performance. E a solução maior, digamos assim, que vai ser definitiva, é a instalação da 2ª Vara.
 
A senhora atribui o aumento de processos a partir da criação da Lei Maria da Penha, pois as mulheres se sentem mais encorajadas a denunciarem?
Exatamente. Eu discordo plenamente quando houve aquela publicação de que a Lei Maria da Penha ‘não pegou’, de que os ‘números estão aumentando’. Eu faço outro raciocínio. Dizem que é uma das leis mais conhecidas e uma das mais evoluídas no mundo, sendo tida como segunda lei melhor de proteção à mulher no mundo. Esse conhecimento levado através de muitas campanhas no Brasil inteiro, do Balcão de Justiça, da Secretaria de Mulheres que vai até o meio rural – onde existe muita violência – e muitas vezes, elas sequer sabiam que tinham direitos e direito a denunciar. O que se esta dizendo é que é para que essas mulheres denunciem, e que se não houver uma delegacia especializada da mulher – que ainda não temos em número suficiente no estado – que vá a uma delegacia comum. Ou vá bater na porta da Defensoria, do Ministério Público, ou que busque o próprio juiz. A Lei Maria da Penha permite que a mulher possa pedir uma medida protetiva ao juiz, independentemente da presença de um advogado, que o juiz poderá decretar essa medida protetiva. A mulher tem agora maior conhecimento, inclusive, até as brincadeiras não param de existir, tem piadas, tem tudo, que dizem que ‘quando vem a Lei João do Penha’. Isso tudo leva o conhecimento de que existe uma lei, e que essa lei da maior proteção à mulher, e que está havendo todo um movimento para isso. Ela tem menos medo de denunciar. Antes, o que acontecia? Elas não denunciavam porque não ia dar em nada mesmo. As ameaças que surgiam era de que ‘eu não lhe matei porque não quis’. A juíza vai dizer ‘ele não vai mais se aproximar de você, vou colocar uma medida protetiva de manter distância de 300 metros’. Ela já vai se sentir mais segura. Se ela tiver um abrigo, uma casa em que ela possa se dirigir com seus filhos, porque muitas vezes ela morre, porque não tem nem para onde ir. Ou ela sai e deixa os filhos, e é atraída porque os filhos estão lá, e lá ela é morta. Como foi em Camaçari, que a mulher morreu com um paralelepípedo, buscou os vizinhos, mas foi perseguida até a morte. É isso que nós queremos evitar com o aumento de número de varas, para que as mulheres possam realmente denunciar, e efetivamente ter um resultado. Só com a punição, é que a gente vai poder reduzir esses números tão crescentes de violência doméstica.

Muitos homens são condenados no estado por violência contra mulher?
Tem aquele caso do (Cristiano) Rangel, tem muitos outros casos sim. No interior, talvez tenhamos mais. É que não tem essa visibilidade, até porque, só agora – eu já estou pedindo de que coloquem tarjas violetas nos processos de violência doméstica, e cada juiz que eu vejo que é da área criminal, eu peço para que coloque a tarja no processo, porque assim, ele pode dar celeridade que aquele caso necessita. Porque o agressor e vítima continuam vivendo juntos, ou porque têm filhos ou moram em uma cidade pequena. Nesses casos, é necessário que se chegue logo ao final da instrução, e se de uma sentença condenatória ou não. O que o agressor também tem que saber é que temos uma Justiça para fazer valer e aprisionar quando for necessário, afastar quando precisar, que a Justiça tem uma resposta para aquela agressão.

A senhora defende a classificação de feminicídio para a morte de mulheres?
Eu atuo na área criminal há quatro anos. Antes, no Ministério Público, atuava na área cível. Mas já li sobre isso. Percebi que no projeto há um aumento da pena. Alguns que são contra dizem que é apenas homicídio – homicídio contra mulher. Mas só que não é qualquer mulher, não é aquela que passou na rua e o ladrão tomou a bolsa, que ela tentou segurar e que ele revidou e a matou. Ali é um homicídio como se fosse um homem. Não é violência doméstica.  A classificação é uma violência em razão do gênero, é uma violência por preconceito, de o homem imaginar que é superior a mulher, e por isso achar que ela pode ser morta, e que ela é sua propriedade. O feminicídio vai trazer novamente à tona isso que a gente está tentando evitar, que é a morte de mulheres, mas no amago do seu lar. Algumas que estão amamentando sua criança que nasceu a pouco, e ela é morta ali pela pessoa que ela mais amava, com quem ela teve aquele filho. É isso que se está querendo, aumentar a pena, chamar a atenção. E quando ouvirem feminicídio, já vão saber do que se trata. É um homicídio que é alguém mais frágil, de alguém que confiava no agressor, alguém que morreu, porque não conseguiu se defender.  Eu considero positiva sim essa alteração.

Quais outras medidas que o país deve adotar para preservar a integridade física e moral da mulher?
Eu acho que tudo passa pela efetividade da Justiça, passa pela conscientização de que temos que condenar sim, quando for necessário, ou aplicar uma medida mais branda, quando for o caso, mas nunca esquecer da reeducação do agressor. Não adianta nada condenarmos todos os homens do mundo, eles vão cumprir a pena, e através da Lei de Execuções Penais, poderão sair antes do previsto, e vai repetir o ciclo. Ele vai encontrar outra mulher, e vai agredi-la, ou ate matar. Temos que cuidar do ser humano, temos que cuidar do agressor, o que mais falta, o que mais precisa, e isso já é no âmbito do Executivo, que é segurança pública. O Judiciário pode determinar na própria sentença que o condenado seja obrigado a participar de um tratamento com equipe interdisciplinar para que ele se cure desse problema, ou que ele se conscientize, porque cura pode parecer que é doença, mas nem sempre é doença. Mas que se conscientize de que ele não pode continuar a agredir mulheres. Eu acho que isso é essencial. Os tribunais também precisam se aparelhas para que essas medidas protetivas sejam efetivadas, que os réus sejam intimados com a maior rapidez possível, seja no final de semana, seja em dia normal. É fazer acontecer como determina a Lei Maria da Penha.

Como o tribunal ajuda a fortalecer a luta contra violência contra a mulher?
A nossa colaboração é para que a Bahia se torne uma sociedade melhor para a mulher. As vezes a gente não pode propagar tudo, não é nem porque não queiramos, é por achar que não temos oportunidade mesmo. Mas se entrassem no meu Whatsapp, nos meus e-mails, nos e-mails do desembargador presidente, no grupo com a ministra Carmen Lúcia, com toda essa estrutura que se formou para campanha, veriam que tem lindos pedidos – no sentido de afetuosos e pedintes – pedindo aos juízes que antecipem as audiências, antecipem os júris, e observem toda a estrutura procedimental para que no mês de março se possa julgar, fazer mutirões de casos de violência doméstica contra mulher. E eu vou mais além. Não fiquem só na semana, vão em todo mês de março, em todo o ano de 2015, façam as coisas acontecerem, que entrem em contato as empresas, com o comércio, que peçam aos empresários para aceitarem estagiárias para ensinar um ofício, consigam com o Senac, Senai, com todos os órgãos que existam na sua cidade para que a mulher aprenda a ser manicure, cabelereira, aprenda a ser vigilante, motorista de táxi ou de ônibus. A mulher pode tudo. Ela só precisa de ajuda, precisa de profissionalização. Isso também é uma meta de quem trabalha nesse setor, que é empoderar a mulher. Como é que fazemos isso, para que ela não se envergue, para que não aceite a agressão, e dizer que ‘ele não bateu em mim, eu bati meu rosto na geladeira’ ou diga, ‘ele está certo, eu não sei cozinhar, eu queimei a comida, eu sou feia, eu sou gorda’. A auto estima baixa tanto que ela começa a aceitar que a culpa é dela, e não dele que é o agressor, o criminoso. Na verdade, esse empoderamento da mulher não é um trabalho jurisdicional, não é um trabalho que eu possa fazer aqui, na minha função de aplicar o direito, e é isso que nós estamos dizendo aos juízes: ‘ vá às ruas, peça ajuda, peça que essas mulheres façam cursos’, porque depois que ela conseguir um emprego, já profissionalizada, ela não vai mais se submeter, até a morte para aquele homem com quem ela se casou, com quem ela está convivendo, com aquele patrão que a humilha. Ela vai sair desse ciclo de violência.

Nós deixamos o espaço aberto aqui para suas considerações finais.
Na verdade, essa campanha não é só do Judiciário, não é só do Ministério Público, da Defensoria, é da sociedade baiana. E a sociedade baiana pode colaborar e muito para que a Justiça se efetive e que as mulheres saiam do ciclo de violência. Seja denunciando. Veja o que a sua vizinha está passando. Lance aquele olhar caridoso sobre a mulher que sequer tem forças para denunciar.  Isso pode ser feito de forma anônima. Dê oportunidades, auxilie aquela que precisa de profissão. Oriente nesse sentido. Ajude a acessar benefícios sociais que ela não tem conhecimento. Se você tem, oriente. Tudo isso vai colaborar com esse mês da mulher, e quem sabe em abril, elas estejam mais felizes.

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