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Coluna

Tributo em Pauta: Ano Novo a caminho e os boletos do IPTU também (com e sem trava)

Por Anna Tereza Landgraf

Foto: Divulgação

Ano novo, vida nova? Nem tanto... 2022 se aproxima e, com ele, a velha certeza de que quem detém a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel urbano – incluindo residências, prédios comerciais e industriais, terrenos, sítios e chácaras de recreio ou lazer – receberá a cobrança do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, o velho conhecido IPTU.


Sabemos que compete aos Municípios instituir e cobrar o IPTU, sempre observando os princípios e regras basilares do Sistema Tributário Nacional, previstos na nossa Constituição Federal de 1988.


Consultando a legislação do Município de Salvador, verificamos que a base de cálculo do IPTU é o valor venal do imóvel, assim considerado o valor que este alcançaria para venda à vista, em condições normais de mercado. Tal valor é apurado conforme avaliação realizada pela Administração Tributária, que toma como referência os Valores Unitário Padrão – VUP constantes da Planta Genérica de Valores Imobiliários do Município e as características de cada imóvel (tamanho do terreno, localização, área construída, tipo e finalidade da construção, ano da edificação, acabamento etc.). 


Uma vez identificado o valor venal do imóvel, o Município multiplica essa base pela alíquota definida em lei, para chegar ao valor do imposto devido. Parece uma equação relativamente simples, mas entender a forma de cálculo do Valor Venal e do IPTU é um dos muitos desafios que o contribuinte inconformado com o valor que paga se depara ao decidir discutir a cobrança. Aos leitores mais curiosos, já deixo a sugestão de consultá-la no site da Secretaria Municipal da Fazenda (www.sefaz.salvador.ba.gov.br), na aba Serviços/IPTU/Cálculo do IPTU.


Pois bem. É natural que, ao longo dos anos, os imóveis sofram variação do seu valor de mercado – para mais ou para menos – e, bem por isso, o Município está autorizado a propor avaliação ou realinhamento dos Valores Unitários Padrão (art. 67 do CTRMS). Nessa linha, surge a Lei n. 8.473, de 27 de setembro de 2013, que aprovou os novos VUPs de terreno e de construção do Município do Salvador, atualizando a Planta Genérica de Valores Imobiliários do Município e estabelecendo um complexo conjunto de fatores e índices que determinam os valores médios unitários do metro quadrado de terreno e de construção, usado para a apuração do valor venal de imóveis. 


Tal atualização gerou muita discussão e polêmica sobre a legalidade e constitucionalidade do IPTU lançado em 2014. Isto porque, a Planta Genérica de Valores não sofria atualização há mais de 20 anos. E, por conta razão dessa defasagem, o aumento do IPTU, em alguns casos, deu-se em mais de 1.000%.


No Direito Tributário, existe o princípio da não surpresa, que visa justamente evitar que os contribuintes sejam surpreendidos com novas cobranças, sem terem tido tempo suficiente para conhecer a nova legislação e se programarem, já que o contribuinte, seja empresário ou não, necessita de planejamento para seus negócios, assim como para controle do orçamento familiar.
Em atenção a este princípio, o Município de Salvador cuidou de estabelecer as chamadas “travas”, que impedem o aumento absurdo do valor do imposto devido de um exercício para outro. Em função desta “trava”, você pode observar, no boleto de cobrança, o valor do “IPTU lançado” e o valor do “IPTU devido”, este limitado ao aumento anual autorizado pelo art. 4º da Lei n. 8.473/2013. Para unidades imobiliárias residenciais, por exemplo, está autorizado um aumento de 35% a cada exercício, até que se atinja o valor do “IPTU devido”. Já para as unidades imobiliárias não residenciais e as não edificadas, o percentual de aumento varia de acordo com a área de construção, podendo chegar a 300%. 


Inúmeros foram os questionamentos em relação à constitucionalidade e legalidade da referida lei municipal. Tanto que, desde 2015, o Município vem, reiteradamente, publicando leis estabelecendo que, no exercício seguinte, os limites previstos pelo art. 4º acima citado não podem ser superiores à variação anual do Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (Leis ns. 8.621/2014, 9.279/2017, 9.548/2020 e 9.601/2021). Tal providência temporária, contudo, ao que parece, apenas jogou o problema para frente. Quando a aplicação gradativa das “travas” for retomada, é muito provável que mais uma leva de ações seja ajuizada buscando afastá-la.


Dentre as celeumas trazidas pela atualização da Planta Genérica de Valores, temos aquela que atinge “imóveis novos”, leia-se, aqueles que surgiram após a instituição dos novos parâmetros de cobrança. É que, para estes, o Município não aplica a metodologia das “travas”, ou seja, o valor do “IPTU lançado” é exatamente o valor do “IPTU devido”, sem qualquer redução.

 

Por conta disso, muitos contribuintes vivenciam a realidade de terem vizinhos que pagam até 5 vezes menos IPTU, simplesmente porque seus imóveis foram inscritos no cadastro da Prefeitura antes de 2014. Já vimos acontecer essa situação esdrúxula dentro de um mesmo condomínio, que possui várias torres idênticas, mas que algumas foram concluídas antes da Lei n. 8.473/2013, outras depois, e, em função disso, os valores do IPTU das unidades destoam absurdamente.


Muitas foram as demandas ajuizadas por contribuintes inconformados, alegando ofensa à isonomia tributária, afinal, não aplicar as “travas” para o IPTU dos “imóveis novos” seria conferir tratamento distinto a contribuintes em situações similares, sem falar na desproporcionalidade imputada pelas travas, que refletiria como fator negativo quando o contribuinte decidisse vender a sua propriedade.


Outros tantos argumentos foram explorados nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade que impugnaram os dispositivos das leis instituidoras da nova metodologia de cálculo do IPTU – dentre elas a Lei n. 8.473/2013 – mas o Judiciário baiano decidiu que as “travas” previstas na legislação municipal constituem benefícios fiscais e, como tal, o Judiciário não pode ampliar o seu alcance a situações que não foram regulamentadas pelo Poder Legislativo, pois assim estaria atuando como “legislador positivo”, o que não é admitido em nosso ordenamento jurídico (ADI ns. 0002398-17.2014.8.05.0000, 0002526-37.2014.8.05.0000, 0002552-35.2014.8.05.0000 e 0002641-58.2014.8.05.0000). 


De fato, não se trata aqui de definição do valor de tributo, mas, sim, de previsão para limitar, de modo gradativo, o valor a ser pago por determinados contribuintes, assemelhando-se, por assim dizer, a uma espécie de isenção. E, aqui, nos deparamos com uma questão que talvez não tenha sido suficientemente explorada: tratando-se de isenção, poderia ter sido aprovada pela mesma lei que instituiu a Planta Genérica de Valores? 


O art. 150, § 6º da Constituição Federal é claro ao dispor que “qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição”. Mas deixemos essa discussão para outro artigo.


Ainda que não se possa ir muito longe na discussão sobre a extensão da “trava” aos “imóveis novos” (até porque, para estes, sequer seria aplicável o princípio da não surpresa), existem situações que ainda justificam uma boa briga. Refiro-me a imóveis que já existiam quando da instituição da nova Planta Genérica de Valores, mas que, em função do atraso na autorização e autenticação do Alvará de Habite-se e do consequente atraso no cadastro da inscrição imobiliária, a Prefeitura tem-lhes negado o benefício da “trava”. Para estes casos, havendo como provar que o imóvel existia antes da instituição da lei (mediante a apresentação de contas de água, energia, gás, por exemplo), não há motivo para que a Prefeitura negue o direito à trava. 


É certo que, muitas vezes, a formalização dos atos não acompanha a velocidade dos fatos, mas, em hipótese alguma, a verdade dos fatos pode ser ignorada. Não é possível haver justiça tributária se todos os contribuintes não contribuírem de modo igualitário (isonomia) e na medida de suas forças econômicas (capacidade contributiva). E, assim sendo, não se justifica que pessoas nas mesmas condições arquem com tributação distinta pelo simples fato de que o cadastro imobiliário de um ocorreu antes da atualização da Planta Genérica de Valores, e do outro depois, sobretudo quando se consegue provar que o imóvel existia antes desta atualização. 

 

*Anna Tereza Landgraf é advogada e professora; especialista em Direito Tributário; com MBA em Planejamento Tributário e em Gestão e Administração de Negócios; e membro da Associação Brasileira de Direito Tributário – ABRADT

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