Aquele abraço apertado e sem querer dizer adeus: Gilberto Gil se despede dos palcos em Salvador com último show da turnê Tempo Rei em 2025
Se o Brasil começou pela Bahia, nada mais justo do que “terminar” nele também. Não estamos no fim do mundo, mas, de uma forma poética e melancólica, o encerramento do ano para os mais nostálgicos soa como o fim de uma era — ainda que, no dia 1º de janeiro, o sol nasça igual.
Foi em Salvador que Gilberto Gil deu o start na despedida dos palcos com a estreia da turnê Tempo Rei em março deste ano, e a capital baiana voltou a ser palco do artista no último show de 2025 da turnê, como o encerramento de um ciclo.
Foto: Bianca Andrade
A turnê ainda terá datas em 2026, mas esta foi a última vez que os soteropolitanos viram o filho da terra na terra. E a despedida foi em grande estilo, com direito a emoção do Imortal, estrelas no céu brilhando ainda mais forte ao som de ‘Estrela’ e, nas arquibancadas, com o auxílio das lanternas, coral do público ao som de ‘Drão’ e discoteca na pista com ‘Realce’.
Longe da pontualidade britânica, o relógio de Gil permitiu que o público vivesse a expectativa por alguns minutos, tempo suficiente para que tricolores, rubro-negros e até torcedores de times de fora se acomodassem na Arena Fonte Nova.
Torcedores de todos os times se uniram a um público diverso, dos mais novos, bebês de colo, aos mais velhos. Alguns colados na grade da pista premium, outros sentadinhos na arquibancada, mas todos à espera de Gil. Ao som de ‘Palco’, música de 1981, o artista deu início ao show, que seguiu com outros clássicos da carreira do cantor.
Foto: Bianca Andrade
No telão, mesmo sem saber o que estava acontecendo, Chico Buarque foi ovacionado pelo público baiano ao som de ‘Cálice’. A canção, marco da ditadura e que nunca deixou de ter seu tom político, ainda que tentassem, foi trilha para o protesto de 2025. Na Fonte Nova, os gritos ouvidos aos quatro cantos do estádio e até do lado de fora foram de: “SEM ANISTIA”.
Ao longo da noite, Gil conversou com o público, dançou, contou um pouco dos bastidores das canções e, é claro, se declarou para a Bahia.
“Se for o caso de haver vida depois [da morte], eu amarei vocês depois. Viva a Bahia!”, disse em uma das pausas.
Se no primeiro show Gil recebeu sua parceira de cargo, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, desta vez o Rei da Bahia teve ao seu lado como convidada a Rainha do Carnaval, Ivete Sangalo.
Foto: Instagram / Gilberto Gil
A artista tinha nas mãos um repertório cheio para escolher. Vale lembrar que Ivete já se apresentou com Gil e Caetano em um show que rendeu registro audiovisual em 2012. A escolha, no entanto, ficou com ‘Vamos Fugir’. Bem ensaiados, os dois dividiram os vocais na canção, que já ganhou versão com Skank.
Emendado com Ivete, como em um dia de Carnaval onde os trios acabam saindo um atrás do outro, com direito a encontro nos bastidores, veio Carlinhos Brown, que cantou ‘Nos Barracos da Cidade’ e revelou que foi Gil a pessoa que o ensinou a saudar “Ajayô” nos palcos.
O momento emoção, não que o show todo não tenha sido, ficou por conta de canções que, para o público, tocam em um lugar especial. Ou melhor, três canções: ‘Se Eu Quiser Falar com Deus’, ‘Estrela’ e ‘Drão’. Esta última, que marcou a despedida dos palcos de Preta Gil ao lado do pai, e que ganhou um novo peso desde o falecimento da artista.
No show, a canção, que sempre emocionou, tornou-se um tributo à eterna Pretinha de Gil.
O público dançou juntinho o que tinha que dançar e, na hora de ‘Realce’, o gramado foi transformado em uma pista de dança. Ao meu lado, mãe e filho, que acompanhavam ‘A Novidade’ juntinhos, pulavam quase como se o chão fosse uma cama elástica, e a energia dos dois contagiou quem estava ao redor.
Filho de José, filho de Claudina e Filho de Gandhy, Gil não deixaria de saudar o bloco que ajudou a reerguer nos anos 80. Com imagens do tapete branco no telão, Gil puxou ‘Emoriô’ e começou a transformar a Arena em um circuito de Carnaval.
No maior baianês atualizado, Gil estava soltinho no pagode. Arriscou um sambinha em ‘Aquele Abraço’ e fez questão de citar o Bahia e o Vitória, além, é claro, do Flamengo, imortalizado na música original.
Foto: Bianca Andrade
Para encerrar a festa com gosto de Carnaval, Daniela Mercury foi a última convidada da noite, cantando um dos maiores clássicos do repertório de Gil: ‘Toda Menina Baiana’. Acompanhada pela banda do Imortal e por Ivete e Brown na percussão, a artista fez como se estivesse puxando o Crocodilo na avenida. E o quarteto se despediu do público ao som de Caetano com ‘Atrás do Trio Elétrico’, como um prenúncio do que vem por aí…
Se dependesse da vitalidade que Gil apresenta no palco, ninguém diria que esta é a última turnê. Aos 83 anos, se alguém trocasse a ordem dos números, seria fácil acreditar que esta é a idade real do Imortal, apesar dos cabelos brancos. Neste show e na vida, Gil mostra que a idade é só um número, e só não é um mero detalhe porque foi através desses anos de experiência que o artista conseguiu nos presentear com o melhor da música brasileira.
Foto: Bianca Andrade
Acredito que nunca é tarde para agradecer pelo fato da música ser eterna e por ter pessoas como Gilberto Gil na Terra. Pode parecer de outro planeta, devido a tanta genialidade, mas é daqui e é nosso! Que bom saber que, apesar do adeus dos palcos, muitas outras gerações poderão ter contato com essa arte e entender quem é Gilberto Gil e o tamanho dessa figura para a nossa identidade.
VIVA SEU GILBERTO!
