Turbilhão Feminino: Mulheres que trabalham com futebol
Jurema Bagatini é um nome desconhecido para a maioria dos brasileiros que acompanham futebol, porém ela foi a primeira presidente de um clube. Nos anos 70, aos 24 anos, comandou o Esporte Clube Encantado, time da cidade de Encantado, Rio Grande do Sul.
De lá para cá, várias mulheres comandaram clubes brasileiros, times como Corinthians, Flamengo, URT, Bangu, Tupi, Brasiliense e Palmeiras tiveram à frente uma presidente.
Leila Pereira, atual comandante do Palmeiras, chega em 2023 ao seu segundo ano como presidente da instituição, a frente do clube, alguns títulos foram conquistados, na Base o Palmeiras finalmente conquistou a Copa São Paulo de Juniores (2022 e 2023), pelo Profissional foram 4 títulos (Recopa, Paulista, Brasileiro e Supercopa), além claro dos títulos do time feminino (Paulista e Libertadores).
O futebol existe no Brasil desde 1895, há mais de 100 anos, uma paixão que não escolhe cor, sexo e idade. Uma pesquisa realizada pelo Kantar Ibope informou que as mulheres representam 44% entre os fãs de futebol.
Mesmo, quase, representando a metade dos amantes do futebol brasileiro, as mulheres ainda tentam conquistar um espaço em um ambiente tão masculino.
Quantas jornalistas vocês conhecem? E narradoras? Você lembra o nome de três arbitras do futebol brasileiro?
A jornalista Fernanda Barros, fundadora do projeto Turbilhão Feminino, conta a dificuldade de uma profissional atuar com o futebol e o preconceito que sofre:
"Em ser mulher, já estamos suscetíveis ao preconceito, no esporte não é diferente, até mesmo no futebol feminino. Infelizmente tive que lidar com o descaso de quem acho que nós no Nordeste não temos valor, de quem não vê a fala de uma jornalista com legitimidade. Quantas e quantas vezes fui questionada por uma fala em live? Não foi só uma vez. Tantas foram as vezes que passei noites e dias estudando um time, uma atleta e minha opinião foi recebida com desprezo? Lamento que para alguns, ainda hoje, mulher não entende de futebol e não passa de uma 'clubista que não sabe o que está fazendo'".
Foto: João Aurélio
A pesquisadora, produtora, historiadora, Aira Bonfim, é, também, curadora da exposição: "CONTRA ATAQUE! As mulheres do futebol" contou para nós como surgiu o projeto e qual a importância dele para o debate do futebol feminino:
"A exposição, "Contra ataque! As mulheres do futebol!" esse é o nome completo dela, tem a curadoria da Lu Castro, Silvana Goellner, Aira Bonfim e da Aline Pelegrini, ex capitã da seleção e hoje dirigente da CBF, foi produzida pela museu de futebol em 2019, ela é o meio do caminho, não é o início, posso pontuar uma outra exposição, chamada "visibilidade para o futebol feminino" de 2015 como o grande ponta pé, naquele momento a gente encontra um cenário devastado, existia poucas pessoas produzindo conteúdo do futebol feminino, mas já existiam, as pesquisas eram esparsas, a gente não conseguia entender um pouco da cronologia destas histórias, pensando desde o alto rendimento até mesmo aos inícios, as aproximações das brasileiras com o futebol e hoje pode precisar que ela tem mais de 100 anos, essas relações".
"Então ali foi o encontro, encontro destas pessoas que tão na curadoria de contra ataque, encontro do museu com os clubes, com as entidades esportivas que tão fomentando o futebol de mulheres no Brasil. Dali a gente se depara com o desafio e ao mesmo tempo se envolve com o tema, um tema que tá contextualizado num movimento de mulheres que também tá acontecendo em 2015".
"A Contra Ataque vem depois de uma maturação destes anos, 16, 17, 18... 4 anos depois, uma sinergia que tem o intuito de devolver ao público toda essa evolução que acontece depois de 2015, então são 4 anos de muita pesquisa, desde pesquisas mais institucionais e coletivizadas, o próprio museu do futebol reunindo milhões - é uma palavra exagerada - de materias, mas centenas de acervos, fotografias, narrativas de mulheres no futebol, não só jogadoras, mas mulheres envolvidas com o esporte, a gente reuni então outras pesquisadoras, outras pesquisas, a minha própria pesquisa de mestrado de alguma forma é absorvida dentro deste contexto da exposição dando aí uma visualidade para esse contexto que se inicia no início do século XX, então pensar que não estamos contando a história desde a sua regulamentação em 83, quando a gente tem ali a liberação do futebol feminino acontecendo no Brasil, mas a gente tem história que vão dar início em 1915, aí de alguma forma a gente consegue trazer alguns destes episódios inclusive fotografados, bem registrados que vão dar um sentido no que aconteceu com as brasileiras enquanto o futebol estava proibido, é uma exposição grande, que ocupa o primeiro andar do museu, ela tem uma outra ocupação, diferente de 2015, e também boas parcerias, uma vez que várias empresas de alguma forma estão se associando a projetos, a empreendimentos que tem o cunho social dentro dos seus objetivos. Então a contra ataque é muito potente, potente igual o nome que ela adota, a gente tava perdendo dentro deste campo, o campo da memória, o campo esportivo, o campo das mulheres. A Contra ataque representa essa virada de jogo, é uma exposição que continua, quem viu viu, continua sempre lembrada como um projeto revolucionário e hoje ela intinera, por exemplo, ela neste exato momento em uma versão pocket na cidade de Araraquara, até metade de abril, mas também permanece nessas parcerias que não foram encerradas, então eu continuo trabalhando com pesquisa junto a Lu Castro, com a Silvana, hoje a gente tem a parceria da Juliana Cabral, que foi ex jogadora da seleção brasileira, tem se apresentado como uma excelente pesquisadora e as pesquisas então permanece, cada dia que passa, cada oportunidade de pensar novos produtos culturais para o Brasil e para o mundo, eles oportunizam para que a gente revele pedacinhos desta história, ainda tem muita coisa a ser descoberta e revelada, eu me sinto uma verdadeira arqueóloga montando um esqueleto de um dinossauro".
Aira, também, nos contou que um novo projeto acontecerá em breve e ampliará ainda mais o debate sobre o futebol feminino, principalmente por se tratar de um ano de Copa, no qual a modalidade ganhará mais visibilidade (do público e da mídia):
"Temos feitos muitos desdobramentos, ao ponto que neste ano de 2023, ano de copa do mundo feminina, a gente inaugura mais um novo projeto, que se chama "Rainhas de Copas", rainhas porque é essa relação de grandeza que as jogadoras do Mundo todo merecem, principalmente as do Brasil e as copas porque a gente merece conhecer a história deste campeonato mundial. Então ineditamente a gente vai trazer esse tema, imagens, narrativas, curiosidades, que vão de alguma forma dar sentido a copa das mulheres".
Foto: Julian Finney (Getty Images)
Thais Brandão, jornalista, é mais uma grande profissional a contribuir com o projeto, no seu relato contou sobre o início de carreira, influências e fez uma breve comparação de quando começou aos dias atuais no seu estado.
"Mulher fazer jornalismo esportivo nos dias de hoje já é muito mais fácil do que quando comecei. Lá em 2010, eu tive grandes referências no cenário baiano como Juliana Guimarães, Daniela Leone e Patrícia Abreu, que apoiavam, davam dicas, incentivavam todas as mulheres que chegavam. Eram poucas, mas acredito que elas foram responsáveis para o que vivemos hoje no jornalismo esportivo na Bahia. Os preconceitos e os tabus foram perdendo força e o interesse da mulher em fazer jornalismo esportivo foi ganhando cada vez mais espaço. Para além do futebol, as mulheres querem estar nas quadras, no mar, no tatame, em campo, ou em qualquer outro lugar que possa exercer a nossa profissão com respeito e seriedade. Acredito que por sabermos que ainda há uma certa descrença, as mulheres no esporte se jogam com muita determinação. E acho que é isso. Não só no jornalismo esportivo, mas em qualquer área que escolhermos seguir, mostraremos o quanto somos dedicadas, comprometidas, antenadas, etc."
"Confesso que quando escolhemos o jornalismo esportivo parece que o bichinho do esporte nos morde e se torna uma paixão arrebatadora e que nem mesmo as dificuldades conseguem nos desestabilizar. Sabe aquela frase clichê: “É uma verdadeira cachaça”.
Por anos vozes emocionaram, e emocionam, o Brasil. O grito do tetra do Galvão, o "Meu Deus" do Milton Leite entre outras frases e bordões marcaram o futebol brasileiro, mas a emoção com a voz delas vem ganhando, cada dia mais, espaço nas telinhas.
É o caso da Manu Avena, narradora, que recentemente teve uma narração reagida pelo maior streamer de sucesso brasileiro, o Casemiro. Manu contou sobre como é ser narradora:
"É um grande prazer ser narradora de futebol porque eu sempre fui uma apaixonada pelo esporte e fazer parte dele de uma forma tão importante, que é transmitir emoção de algo que as pessoas já são apaixonadas, é uma missão incrível, desafiadora e muito empolgante. Nunca pensei em ser narradora quando menor, até pelo fato de não ter tido referências na época, não me via na possibilidade de estar naquele lugar, então não me imaginava. Mas desde que comecei a construir a “Manuela narradora” sempre foi uma tarefa incrível de misturar tudo aquilo que eu gosto de ouvir com o que eu entendo ser essencial numa transmissão."
Manu relatou também que a profissão trouxe vários momentos maravilhosos.
"A profissão me trouxe várias surpresas maravilhosas dentre elas poder estar em locais onde nunca imaginei, fazer parte de transmissões de campeonatos que eram muito distantes de estar inserida, conhecer pessoas que admirava muito, mas que até pelo CEP seria difícil de encontrar algum dia, além da alegria de poder contar histórias emocionantes no futebol, enredos diversos a cada jogo e fazer parte deste momento de entretenimento na vida de tanta gente."
Mulheres no futebol, e no esporte, só crescem, é o que mostram os números, por exemplo, em 2019 houve um aumento de inscritas no curso de arbitragem da Federação Paulista de Futebol (FPF).
Mulheres que trabalham com futebol: Vocês sabem o que é impedimento?
A primeira parte do projeto trouxe ao debate mulheres que trabalham com futebol. Apesar do nome ser "Você sabe o que é impedimento?" em nenhum momento houve esse tipo de questionamento, o nome é meramente para chamar a atenção do leitor e leitora da coluna do Turbilhão Feminino.
O objetivo principal foi mostrar que o espaço, cada vez mais, vem sendo ocupado por brilhantes profissionais, que desafiaram estruturas, por vezes, 100% masculina e agora estabelecem seus nomes e sobrenomes no mundo esportivo.