Usamos cookies para personalizar e melhorar sua experiência em nosso site e aprimorar a oferta de anúncios para você. Visite nossa Política de Cookies para saber mais. Ao clicar em "aceitar" você concorda com o uso que fazemos dos cookies

Marca Bahia Notícias Hall

Coluna

Vinho por Ela: O vinho precisa dar prazer, não medo

Por Daniele de Mattos

Foto: Acervo Pessoal

O vinho já estava aberto antes mesmo de a conversa começar. Não por estratégia, nem para criar clima, mas por hábito. Em um restaurante aconchegante, daqueles em que o tilintar das taças se mistura às conversas ao redor, Ari Gorenstein chega sem cerimônia. Sentamos, pedimos algo simples para comer e o vinho segue ali, como deve ser: acompanhando o momento, não impondo regras.

 

“A primeira coisa que eu sempre digo é: vinho precisa dar prazer. Quando começa a dar medo, alguma coisa está errada”, ele diz logo no início, enquanto observa a taça. A frase resume bem a forma como Ari enxerga o vinho, não como um território exclusivo, mas como algo que deve caber na rotina, no paladar e na vontade de quem bebe.

 

Fundador da Evino, Ari ajudou a aproximar o brasileiro do vinho, mas prefere falar menos de mercado e mais de experiência. “Vinho não é prova. Não tem certo ou errado. Se você gosta, está certo.” E talvez seja por isso que conversar com ele sobre vinho seja tão confortável: não há pressão para entender tudo, apenas para sentir.

 

Pergunto como tudo começou. Ele sorri e conta que caiu nesse mundo quase por acaso. “Eu estudei engenharia e fiz intercâmbio em Lyon. No começo, eu vivia numa bolha de estrangeiros, falando inglês, sem viver a França de verdade.” Foi buscando se aproximar da cultura local que encontrou um clube de enologia na universidade. “Era um grupo que se reunia a cada quinze dias para beber vinho, conversar e degustar. Simples assim.”

 

Ali, entre uma taça e outra, o francês destravava, as amizades surgiam e o vinho ganhava outro significado. “Eu comecei a aprender a degustar sem perceber. E nunca mais larguei.” Vieram as visitas a vinícolas, as leituras, o interesse que só cresceu. Ele tinha 21 anos. “É um caminho sem volta”, diz, rindo.

 

O vinho, para Ari, quase nunca vem sozinho. “Normalmente, ele vem com comida. Seja um aperitivo ou uma refeição.” Ele acredita que a experiência fica mais completa quando há harmonização, mesmo que intuitiva. “É ali que você brinca com sabores, erra, acerta, descobre.”

 

Pergunto se ele lembra do primeiro vinho que quis beber de novo. Não o mais caro, nem o mais famoso. Ele lembra na hora. “Foi um Chenin Blanc do Loire.” Na época, vivia mergulhado nos tintos do Rhône. “Quando provei aquele branco, algo que eu não conhecia, fiquei intrigado. Anotei o produtor e voltei para comprar de novo. Foi a primeira vez que eu quis repetir um vinho.”

 

Hoje, seu gosto muda bastante, e ele faz questão de dizer isso. “Eu vario muito. Atualmente, estou numa fase muito mais de brancos do que de tintos.” Riesling aparece rápido na conversa. “Gosto muito de Riesling, principalmente da Alemanha, mas também de outros lugares.” Brancos da Borgonha seguem firmes. “Borgonha branco sempre faz parte.” Não há rótulo fixo, nem apego rígido. “Eu vou flutuando.”

 

Quando falo sobre o que ainda assusta as pessoas no vinho, ele volta ao ponto central. “Existe um medo de não saber. As pessoas acham que precisam entender tudo para gostar.” Para ele, isso é o maior erro. “Você só precisa saber do que você gosta. O resto é curiosidade.”

 

Antes de encerrarmos, pergunto o que ele tem descoberto recentemente. Ele cita vinhos do leste europeu, como Romênia e Bulgária. “Fazia tempo que eu não provava coisas dali. Hoje a qualidade está muito melhor.” Fala também dos vinhos laranja. “Já passei por uma fase de provar muitos laranjas cheios de defeitos. Agora tenho encontrado laranjas bem vinificados, bem-acabados, que surpreendem.”

 

A taça esvazia, o prato também. A conversa termina como começou: leve, sem rigidez, sem pose. Saio com a sensação de que o maior aprendizado daquela mesa não estava em nomes, regiões ou técnicas, mas nessa ideia simples que Ari repete quase como um mantra: vinho não é para intimidar.

 

Vinho é para dar prazer. E, se acompanhar uma boa conversa, melhor ainda.