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Artigo

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Os pacotes prontos de pensamento

Por Heleno Nazario

Foto: Acervo pessoal

Diante do nosso espaço público digital, as redes sociais na Internet, cada um de nós faria muito bem em resgatar com sensatez o ceticismo, a curiosidade e a empatia para entender melhor as pessoas e os problemas do nosso cotidiano. Tentar compreender as atitudes alheias, entender mais do que se fala e refletir antes de compartilhar mensagens  é o melhor a se fazer para buscar soluções, decidir o voto, se posicionar acerca de qualquer coisa. Sem isso, o que nos resta é a defesa de vieses de confirmação, mentiras, baixezas, bravatas e dogmatismos. É por esse nosso descaso que temos hoje nas redes um ambiente de discussão tão agradável quanto um aterro sanitário.

 

O que nós precisamos é conciliar o diálogo com o pensar mais por nós mesmos. Temos de abandonar as ideias prontas e prestarmos atenção para como as coisas realmente funcionam: em articulação umas com as outras, isto é, em complexidade. O filósofo francês Edgar Morin abordou a questão do sistemas de ideias distinguindo-os entre "abertos" e "fechados". Para ele, o pensamento científico é representativo dos sistemas abertos, capazes de se reorganizar com informações novas, refutando proposições ou melhorando o entendimento do que se sabe em um dado momento. Mesmo se considerarmos a proposta de Thomas Kuhn sobre as revoluções científicas, os diferentes campos de saber sistematizado tendem a se melhorar em um processo coletivo.

 

Já o pensamento religioso é apontado por Morin como um produto exemplar de sistemas fechados de ideias. Em lugar de normas que regem a evolução do sistema, há os dogmas, conceitos pétreos, imutáveis. É a crença, em lugar da prova e da adesão a uma lógica verificável, que liga os indivíduos. A rigidez é tão forte em setores de comunidades religiosas que para eles nem mesmo os líderes máximos devem promover alterações que reflitam a adequação a novos tempos. Basta ver a saraivada de reprimendas que o Papa Francisco recebe dentro e fora do clero por conta de suas posturas mais progressistas.

 

Buscar o pensamento complexo é justamente o contrário de aderir totalmente a uma receita pronta, um pacote psíquico-intelectual fechado que poupa o cérebro de processar novas informações. É a diferença entre um sujeito que tem uma caixa de ferramentas para atender diferentes tarefas e o outro que possui apenas um martelo e quer tratar todos os problemas como se fossem pregos.

 

A replicação de argumentos mentirosos, enviesados e, especialmente, raivosos que vemos nas recentes polêmicas da vez nas redes sociais pode significar, em certo ponto, a adesão de pessoas aos pacotes prontos de pensamento. E eles são sedutores. Dão aquela sensação de segurança de que se sabe o que está acontecendo, de quem é o responsável pelo mal no mundo e até conferem uma aparência de que se realiza algo: fica mais fácil “lacrar” num post até porque por vezes a comunidade de “pensamento” se faz presente. Se o que se falou está baseado em fatos é detalhe que despreza questionamentos. Importa mais calar o outro, ter a aparência de conhecer os assuntos, de que está do lado certo contra os infiéis. Tem algo de fanatismo religioso em vários lados da polarização em que estamos mergulhados.

 

Se quisermos entender de fato o que se passa no mundo, um bom começo é abrir mão do conforto dos pacotes prontos, dos chavões que, se são antigos, nem por isso estão corretos ou são justos. A segurança que essas muletas do pensamento oferecem é fraca, porque não correspondem aos fatos e levam a uma leitura pobre dos contextos. É o combustível das massas de manobra. Incluir leituras e conteúdos para muito além dos vídeos performáticos e textos sensacionalistas é o que pode ajudar alguém a colocar alicerces mais firmes e próprios para a sua visão de mundo.

 

* Heleno Nazario é jornalista
 
* Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias

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