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Artigo

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O silêncio da sanfona e o estrago na indústria cultural

Por Zé Reinaldo Nagana

Foto: Acervo pessoal

Quando se fala em festas juninas no Brasil, as maiores referências que vêm à cabeça apontam para as cidades de Campina Grande, no estado da Paraíba e Caruaru, em Pernambuco. Mas esses festejos, que chegaram ao Brasil, através dos portugueses, ainda no período colonial, se incorporaram ao folclore brasileiro, se espalharam por várias regiões, tomando características distintas, a depender da localidade.

 

Por aqui, até então as comemorações eram dedicadas a São João, o que mais tarde ganharam menções a Santo Antônio e São Pedro, todas no mês de junho. Em sua essência, as festas juninas são melhores representadas na região nordeste.

 

Essas festas costumam movimentar significativamente a economia, em todo o país.

 

Seria impensável a passagem de um ano sequer sem a comemoração junina, sem o clima atmosférico que a cerca.

 

Mas esse paradigma foi quebrado, através e sob a ordem de um vírus, que atende pelo nome de corona, surgido na China, em dezembro de 2019, que além de ter causado a doença cientificamente conhecida como covid-19, causou também um acidente de percurso. Uma pausa quanto à aglutinação de pessoas. O momento é de gerir as crises sanitária, social e econômica. Tempo de deixar a ciência se movimentar, na busca de soluções. Assim como o uso de máscaras e higienização das mãos com álcool em gel, o isolamento social se coloca como o principal e mais eficiente antídoto, por enquanto, abrindo espaço para uma nova ordem. O período é de minimizar ao máximo os possíveis danos, e isso inclui o cancelamento de toda e qualquer atividade, que pra acontecer tenha que juntar pessoas. Entre tais atividades estão as festas juninas.

 

NA BAHIA

Ibicuí, que proporciona uma das melhores festas de São João do nordeste, é um dos 417 municípios baianos e fica na região sudoeste do estado. A cidade tem 16.500 habitantes, mas durante os festejos juninos, que se dividem em três espaços diferentes, com duração de seis dias, costuma triplicar o número de pessoas. Hotéis e pousadas atingem ocupação máxima. Ao longo de 64 anos da tradicional festa, já se apresentaram grandes artistas da música brasileira, com ênfase para os tradicionalistas do forró.

 

A economia local se aquece ainda mais quando cerca de 500 casas são alugadas aos turistas no período, devido à alta demanda. Isso gera sempre uma renda extra pra muita gente.

 

De acordo com o prefeito da cidade, Marcos Galvão, falando em suas redes sociais e através da página Ibicuí Bahia, a não realização do São João nesse ano, trouxe de fato um prejuízo considerável. No entanto, desde que chegou à cidade a necessidade de ações quanto à prevenção e enfrentamento ao novo coronavírus, ele tratou logo de priorizar a saúde da população. Já em março, decretou o cancelamento do São João. No dia 03 de junho, quando surgiram os primeiros casos da doença na cidade, o chefe do executivo local instou os munícipes a se atentarem à nova ordem. Segundo ele, a lei e a proteção à vida das pessoas estão em primeiro plano, no momento, decretando inclusive, toque de recolher, das 20hs às 05hs da manhã do dia seguinte, o que vigorou até o dia 02 de julho.

 

O prefeito também deu prioridade às questões financeiras, buscando recursos para sanar pendências, para auxiliar a população.

 

Na cidade, há 35 casos confirmados da covid-19 até o momento, e por enquanto nenhum óbito em razão disso.

 

A sanfona ficou em silêncio (pelo menos junto à massa) e parece ter deixado órfã toda uma cadeia produtiva, dividida em muitas cidades de todo o estado.

 

O produtor de eventos Alessandro Teixeira, responsável pela produtora Agitus Produções, que há 13 anos costuma realizar espetáculos musicais com artistas regionais e outros de sucesso nacional nas cidades de Seabra, Iraquara e Irecê, todas na Chapada Diamantina, diz que além do prejuízo financeiro há os prejuízos simbólico e cultural, com a pausa da tradição. Ele relata que para as mais recentes festas, levou artistas como Targino Gondim, Limão com Mel, Dorgival Dantas e Mastruz com Leite; e pra esse ano já havia fechado uma apresentação com o cantor Saulo Fernandes, que viria pela segunda vez à região, pra mostrar um repertório todo dedicado ao autêntico forró, o que evidentemente ficou pra uma próxima empreita.

 

Sem outra fonte de renda, o produtor vem sobrevivendo com algumas reservas financeiras conquistadas em períodos anteriores à paralisação, através de contratos, por serviços prestados a essas prefeituras.

 

Já em Seabra, a vendedora de crepe suíço Maria Socorro de Jesus, de 50 anos, vem “se virando” como pode pra sobreviver, uma vez que só durante o período do São João, em que ela já trabalha há 22 anos, costuma vender entre 1.000 e 1.500 unidades. Em casa, ela faz e entrega quitutes aos supermercados e outros estabelecimentos da cidade. Com isso, consegue pelo menos um dinheiro pra sanar suas contas do dia a dia, mas nada comparado ao que costuma ganhar nos períodos das festas.

 

E como complemento, Maria Socorro recebe atualmente o auxílio emergencial temporário do governo.

 

ARTISTAS

Nos últimos sete anos, com predominância no estado da Bahia, o São João no nordeste tem sido o destino certo para Chambinho do Acordeon e seus músicos. Muitas cidades vêm recebendo o show de forró desse artista que no cinema, interpretou Luiz Gonzaga, o rei do Baião, no filme: “Gonzaga, de Pai pra Filho”, do diretor Breno Silveira. Ele fala com propriedade sobre o assunto. Chambinho informa que sua média é de 25 a 30 shows no mês de junho, e que para 2020, até o mês de março, antes da pandemia, já tinha 26 shows agendados, divididos entre vários estados, e a grande maioria na Bahia.

 

Devido à paralisação, o artista vem se apresentando através de lives em suas redes sociais. Algo que pretende continuar, até a coisa voltar ao “novo normal”.

 

Já a dupla sertaneja Bruno & Marrone, que costuma reservar boa parte de sua agenda do mês de junho para o nordeste, também se viu de repente na situação de ter que contabilizar o prejuízo em 2020. Foram 101 shows cancelados e que já estavam agendados para o ano todo. Segundo Roberto Martino Barbosa, da produtora World Show e responsável pela agenda de shows da dupla, somente na região nordeste foram canceladas 11 apresentações para o mês de junho, 3 delas no estado da Bahia.

 

INDÚSTRIA CULTURAL

A indústria cultural, que está focada na massa, tem a arte como pretexto, e no entanto, ela ultrapassa esse limite, se tornando uma espécie de manipuladora, que influi no indivíduo uma dependência mercadológica de consumo de produtos, criando a sensação de prazer e de compensação, ainda que efemeramente. Sendo assim, a partir de um evento como as festas juninas, ou festas de São João, o alcance econômico engloba uma grande cadeia produtiva. Nessa cadeia estão empresas aéreas e rodoviárias, hotéis, sonorização, artistas, alimentação, bebidas, roupas, etc..

 

Diante do hiato nos festejos  juninos e em tudo o que possa aglutinar pessoas, temos para o próximo ano uma grande demanda reprimida de entretenimento.

 

*Zé Reinaldo Nagana é jornalista e promotor de espetáculos musicais

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias

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