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Artigo

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Por um consenso mínimo

Por Zilan Costa e Silva

Foto: Bahia Notícias

A sociedade moderna, como um todo, há algum tempo, vive em meio a um grande fluxo de informações veiculadas em tempo real através das mídias digitais. A sociedade ao mesmo tempo que recebe o impacto desse fluxo de informações também é a responsável pela sua construção, distribuição e acesso.

 

Essa é a era do acesso do conteúdo. Como já disse Ortega y Gasset, no início do século passado, a vida se tornou global, e os indivíduos passaram a viver muitas relações de ubiquidade, estando mais próximos dos distantes, sentindo a presença dos ausentes,  podendo, assim, “estar em mais lugares que antes, desfrutar mais idas e vindas, consumir em menos tempo vital mais tempo cósmico”.

 

É nesse sentido que o acesso a informação não é mais uma retórica, pois tornou-se imprescindível, vital. Essa facilidade de acesso a conteúdos cada vez mais extensos em espaço de tempo cada vez menor provoca o que já foi denominado de “diluvio informacional” e isso acaba por requerer que o individuo seja capaz de triar desse emaranhado de informações aquilo que o serve no universo de possibilidades de acordo com as suas necessidades.

 

Mas, para isso é preciso um método que permita evitar o caos conceitual e a pluridade de alternativas ancoradas em definições vagas ou assentadas em opiniões acríticas que muitas vezes são antagônicas e que não permitem se chegar a uma concordância uniforme.

 

Segundo Kuhn, a ciência não possui uma evolução linear e continua, vez que ocorre através de rupturas que provocam conquistas e descobertas revolucionárias. Morin, por sua vez, afirma que o progresso das certezas cientificas não caminha na direção de uma grande certeza e Buckland nos disse que a informação como conhecimento pode tanto diminuir quanto aumentar a incerteza. O que conduz ao progresso desde que, de acordo com Bachelard, se tolerem as incertezas e se priorizem as perguntas em detrimento das respostas.

 

Vivemos, portanto, um momento de grandes incertezas, com inúmeros conceitos ainda em discussão e de ausência de paradigmas sustentáveis condutores da nossa ação em e como sociedade.

 

Mas, não podemos nos quedar inertes, precisamos agir e logo.

 

E a resposta a esta inquietante indagação está na ciência e no passado. No início dos anos 80 surgiu nos noticiários a informação de uma doença que estava devastando uma comunidade: a AIDS, que de início provocou toda sorte de preconceitos, confusão e medo.

 

Para combater a Aids a primeira estratégia sugerida foi a abstinência. Assim como a abstinência ainda hoje é a resposta do Estado no combate às drogas e no controle da natalidade entre adolescentes, por exemplo. 

 

Todavia, a maioria dos especialistas em saúde pública acredita que a abstinência como resposta não funciona, embora por aqui ainda encontremos ardentes defensores dessa perspectiva. Não foi à toa que, para enfrentar a crise provocada pelo Sars-Cov-2, a primeira resposta do estado foi a mesma: quase total abstinência de contato pessoal.

 

Por óbvio, embora necessária em um primeiro momento, esta estratégia não conseguirá resolver o problema a curto prazo. Já estamos vendo os índices de isolamento caindo em todos os lugares, mesmo com a implementação de normas cada vez mais rígidas. As pessoas já estão se cansando do isolamento e irão se rebelar: o ser humano precisa do prazer e do contato social, foi assim que nos organizamos socialmente desde tempos imemoriais.

 

Não questiono as medidas adotadas, em um primeiro momento são fundamentais para alongar a curva e evitar o colapso do sistema de saúde. Assim se salvam vidas. Contudo, em países como o Brasil, será sempre implementada parcialmente em razão das enormes desigualdades sociais e da nossa estruturação urbana e econômica. E, como sempre, o maior preço será pago pelos mais pobres. O distanciamento ou isolamento social é um privilégio, factível apenas pela elite.

 

Por esse motivo o isolamento social não pode ser a única estratégia, sob o risco de desobediência voluntária. Muitos já estão sentindo o peso do isolamento físico e social. E não falo do peso econômico, exclusivamente, mas sobretudo do psicológico.

 

Por outro lado, o retorno aos padrões anteriores pode ser desastroso: a maioria das pessoas ainda está suscetível ao vírus e uma vacina parece distante. Milhares de novos casos e mortes são noticiados diariamente. As comunidades não podem voltar ao normal do passado.

 

Igualmente, a vida nos ensina que qualquer pensamento polarizado não reflete a realidade: não há apenas a escolha entre voltar ao normal ou ficar em isolamento. O risco não é binário.

 

Por isso, não devemos manter o mesmo paradigma de respostas se sabemos que não funcionarão. A abstinência do contato social, assim, como as outras abstinências, demonstram ser ineficazes a longo prazo e destroem o tecido da sociedade, a economia e o emprego.

 

Qual a resposta, então?

 

Sempre será a educação e a liberdade. Compreender a realidade e entender claramente as estratégias de diminuição do risco serão fundamentais. A população precisa de ferramentas para lidar com o risco adotando estratégias individuais para redução de danos, mas continuando com as suas vidas. E não adianta recriminar ou criminalizar essas condutas, haverá sempre aqueles que irão correr riscos, por vontade ou necessidade. E a reprovação social, pessoal ou através das mídias sociais, só leva ao estigma e os comportamentos arriscados para a escuridão do oculto ou secreto.

 

Efetivamente ainda sabemos muito pouco sobre o vírus, mas está claro que nem todas as atividades conferem o mesmo grau de risco de transmissão. Nós precisamos, então, de uma estratégia sustentável contra o vírus que os membros da sociedade possam adotar voluntariamente, ou seja, o governo precisa instruir a população para que ela possa adotar e adaptar, para cada situação pessoal, estratégias de redução de danos, sendo capazes de reconhecer, em cada situação, aquilo que tem potencial baixo ou alto de risco.

 

Concluindo: precisamos de um consenso mínimo sobre como viver em uma pandemia e a sua ausência só levará ao desenvolvimento e à adoção de estratégias individuais que, nem sempre, podem ser as mais acertadas.

 

* Zilan Costa e Silva é advogado

 

* Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias

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