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Reservas a securitização da dívida ativa sob o prisma jurídico e financeiro

Por David Luduvice

Foto: Priscila Melo/ Bahia Notícias

No contexto da proposta de reforma tributária, atualmente em discussão no Congresso Nacional, está a previsão de permissivo legal para a securitização dos créditos fiscais, tributários e não tributários, dos entes públicos constituídos contra os particulares.

 

Tive a oportunidade de atuar em securitização de recebíveis na iniciativa privada (particularmente em operações estruturadas na indústria de óleo e gás, quando fui do jurídico tributário da Petrobras), minha pós-graduação em direito empresarial foi concluída com um trabalho sobre o tema, escrevi artigos sobre o tema (vide matéria de 19.11.2010) e, a partir disso, considerando o objeto essencial de uma operação de securitização (captar recursos de terceiros para antecipar o fluxo de caixa necessário à realização de um projeto cujo montante demandaria mais tempo para ser obtido), com todo respeito às posições contrárias, não vislumbro a oportunidade e necessidade de se implementar a securitização da divida ativa concomitantemente a uma reforma tributária como a que se propõe.

 

De fato, por que então se valer da securitização de créditos fiscais (o que compreende perder parte da receita para o securitizador – o conhecido deságio – em prol de uma antecipação de pagamento a menor) quando estamos às portas de uma reforma tributaria que pode melhorar a arrecadação e fiscalização tributária, particularmente para estados e municípios consumidores de produtos e serviços, como os do Nordeste?

 

Ou seja, por que adotar uma medida que me dará um retorno imediato menor em recursos, sem saber qual será o efeito da reforma tributária iminente que pode tornar mais eficaz a máquina de fiscalização e régua de cobrança de tributos?

 

De fato, a reformulação da exação sobre o consumo por meio da instituição do IBS – Imposto único sobre Bens e Serviços, permitira a estados e municípios usufruírem do aparato operacional e sistêmico da Receita Federal, o que por si só tem grande potencial de aumentar a eficácia da cobrança tributária.

 

Entendo assim, ser precipitada a proposta de securitização da dívida ativa em tais circunstâncias.

 

Além da análise sob o prisma de viabilidade econômica acima indicado, que já revela a inoportunidade da securitização em voga, existem ressalvas do ponto de vista jurídico e financeiro para essa tentativa de adaptação do instituto privado da securitização de recebíveis ao direito público. 

 

Necessário, como premissa, definir a securitização e sua origem na iniciativa privada.

 

Juridicamente, a securitização de recebíveis não é um negócio típico previsto no direito positivo brasileiro, mas sim, um negócio jurídico indireto fiduciário, destinado a transferir ativos  de uma empresa a outra, antecipando recebíveis sem a intermédio de instituições financeiras. Guardem esse aspecto, será o fiel da balança na análise da legalidade da securitização dos créditos fiscais!

 

Assim, a finalidade primordial da securitização, em sua origem, sempre foi viabilizar o financiamento de projetos através do mercado de capitais e não pela via do sistema financeiro, afastando o tradicional alto custo, no Brasil, das operações bancárias envolvidas.

 

O que se verifica, então, no contexto da reforma tributária como proposta, é a tentativa de adaptação do instituto jurídico civil atípico para aplicação no âmbito do Direito Público, especificamente sobre o estoque de Dívida Ativa. E é justamente nas arestas dessa adaptação que residem os pontos jurídicos de conflitos da securitização com a própria natureza do crédito público.

 

Os defensores da securitização dos créditos fiscais aduzem, em primeira linha, que  dita operação teria pleno respaldo no instituto da cessão de créditos do Código Civil e que isso seria bastante para a adequação aos créditos de origem pública.

 

Entretanto, atualmente a Administração Pública já se vale do instituto da cessão de créditos em negócios jurídicos envolvendo créditos fiscais, porém, apenas naqueles em que sua posição é unicamente de interveniente/autorizadora da cessão entre particulares (e.g. cessão de créditos de terceiro para fins de compensação tributária), mas não operações envolvendo a cessão do próprio crédito fiscal (tributário ou não tributário).

 

Nesse ponto cabe a referência, inclusive, ao recente julgamento pelo STF das Adis 3786 e 3845 (publicado em 18.10.2019 no DJE), através do qual declarou inconstitucional a Resolução 33/2006 do Senado que autorizava a cessão da dívida ativa consolidada para instituições financeiras, mediante endosso-mandato para sua cobrança e com a antecipação de receita até o valor de face do crédito.

 

Entendeu a Corte Suprema que dita cessão configura ofensa ao princípio da moralidade administrativa (art. 37 da Constituição da República) e ofensa ao princípio federativo, ao retirar das Procuradorias a representação judicial e extrajudicial dos entes federados.

 

Outro ponto de incompatibilidade alertado pelos críticos é a caracterização da securitização dos créditos fiscais como uma efetiva operação de crédito mascarada e a consequente ofensa perpetrada à Lei de Responsabilidade Fiscal (LCP 101/2000, art. 29, III e IV; art. 37, III e IV) e ao art. 167, IV, da Constituição da República.

 

Essa questão da securitização da dívida ativa consubstanciar, na prática, uma operação de crédito vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal e não computada nos limites orçamentários da Administração Pública sempre foi o ponto jurídico fulcral da discussão acerca da legalidade da securitização pública.

 

No entanto, os defensores da novidade sustentam que essa questão estaria resolvida a partir da edição da Resolução do Senado 17/2015 ao estabelecer, em síntese, que a securitização dos créditos fiscais deve obedecer três premissas: (i) não pode haver a transferência do fluxo receitas dos créditos fiscais; (ii) não fixar responsabilidade do ente público cedente pelo efetivo pagamento do crédito securitizado (cedente não se responsabiliza pela satisfação da dívida e solvência do devedor); (iii) que será admitida a operação simples de alienação de ativos, a partir do atendimento dos dois itens anteriores. Assim, atendidos esses requisitos, a securitização pública, então, não se configura como uma operação de crédito, a qual seria ilegal.

 

Já no âmbito da reforma tributária, encontram-se em trâmite no Congresso dois projetos de lei complementar e um projeto de lei ordinária que objetivam instituir e reger a securitização dos créditos fiscais, tributários e não tributários.

 

O PLC 181/2015 altera o CTN para acrescentar o art. 204-A.

 

Em primeira linha, (i) permite a cessão de crédito tributário às empresas privadas (Pessoas Jurídicas, em geral). O que se observar quanto a esse dispositivo é que indevidamente visa colocar o instituto jurídico da cessão de crédito em uma situação semelhante à substituição tributária (prevista no art. 7º, § 3º, CTN).

Nesse projeto ainda é definida a (ii) permissão do deságio no preço pago ao ente público cedente, quando da celebração da operação de securitização.

 

O ponto crítico desse projeto de lei se encontra no § 3º do art. 204-A. Tal dispositivo estabelece que o ente cedente apenas responde pela existência e legalidade do crédito (mesma previsão constante do art. 5º do PLO 3337/2015). Isso porque a questão é justamente saber qual o limite da interpretação dessa expressão normativa?

 

Dita definição  se restringiria a legalidade do ato de lançamento tributário, no momento do fato gerador e à luz do art. 142 do CTN ou uma ilegalidade e/ou inconstitucionalidade posteriormente fixadas por jurisprudência, também ensejaria a responsabilidade do ente público pelo pagamento do valor do crédito ao cessionário privado?

 

De fato, em se entendendo que uma ilegalidade/inconstitucionalidade declarada pelo Judiciário posteriormente à cessão, a Securitizadora Cessionária poderia evocar a norma de responsabilidade do ente público para devolver os créditos atingidos e exigir o valor do correspondente do ente cedente.

 

Imaginemos a seguinte situação. Um Estado cede sua carteira de créditos de ICMS sobre determinada atividade, plenamente legais sob o prisma da legislação estadual e da jurisprudência do TJ local e, por julgamento do STF, publicado após a cessão dos créditos à Securitizadora, a posição da jurisprudência é modificada e decreta a inconstitucionalidade de tais lançamentos tributários. Pelos termos amplos da proposta  normativa referida há margem interpretativa para se imputar a responsabilidade ao ente público pela não satisfação de tais créditos. Dita situação hipotética, como se sabe, é deveras corriqueira no âmbito do Direito Tributário brasileiro.

 

Verifica-se assim perigosa margem interpretativa nesse sentido que acaba por repercutir na caracterização de uma operação de crédito sem registro orçamentário e consequente ofensa à Lei de Responsabilidade Fiscal, afastando-se do conceito de simples alienação de ativos que os projetos de lei buscam sustentar.

 

Por fim, dito PLC prevê o § 4º do art. 204-A, com a (iv) permissão para posterior novação subjetiva e objetiva (transação) do cessionário diretamente com o devedor (sujeito passivo tributário). O ponto crítico que se verifica a partir desse dispositivo, então, está em saber se essa relação contratual direta entre particulares assumirá natureza estritamente privada ou não (diante da origem pública dos créditos) e as suas repercussões na relação jurídica pública de base do negócio jurídico originário.

 

Por seu turno, o PLO 3337/2015 estabelece, em seu art. 3º, a cessão de crédito da divida ativa consolidada da União, mediante licitação (leilão por menor deságio).

 

A crítica a essa proposta normativa está justamente no fato de que o seu formato releva que tal instituto acaba sendo criado para alcançar apenas instituições financeiras e bancárias, sem destinação ao mercado de capitais, mercado esse que seria o caminho e objetivo natural de uma operação de securitização de recebíveis.

 

Esse aspecto, de fato, afasta a securitização da divida ativa (como está sendo prevista) do conceito usual e já utilizado no segmento privado e acaba por aproximá-la de uma efetiva operação de crédito disfarçada, o que não pode ser admitido à luz da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Constituição quanto ao crédito público.

 

Assevere-se, inclusive, que da análise dos projetos de lei acima referidos se depreende, com todo respeito aos autores, que as próprias justificativas do PLP 181/2015 e do PLO 3337/2015 já apresentam contradição acerca do conhecimento do seu objeto.

 

Isso porque, diversamente do que é declinado nas referidas justificativas dos projetos, a cessão do crédito naturalmente não se configura como uma nova ferramenta de cobrança da divida ativa, como anunciado nas justificativas dos projetos, mas sim consubstancia a alienação do próprio crédito.

 

Ou seja, toda a justificativa declinada pelo legislador serve não para justificar a mera cessão do crédito público a instituições financeiras, mediante deságio, mas sim para fomentar o uso do protesto extrajudicial, do emprego de tecnologias da informação na gestão do estoque de dívida, rastreio de bens e endereços, como ferramentas aptas a minimizar o uso da via da execução fiscal, o que deveria ser o foco nesse primeiro momento, particularmente para que seja possível perceber os efeitos da reforma tributária (em especial a instituição do IBS) na capacidade fiscalizatória e arrecadatória dos entes públicos estaduais e municipais, diante do compartilhamento do aparato fiscal operante da Receita Federal.

 

Por fim, no contexto da reforma tributária tem-se o PLP 459/17 que estabelece a cessão com ônus dos créditos tributários e não tributários, inscritos ou não na Dívida Ativa, através do acréscimo do art. 39-A na Lei n.º 4.320/64, lei essa que define Normas Gerais de Direito Financeiro e Orçamentário para os entes públicos.

 

O inc IV, § 1º, do art. 39-A proposto fixa a definitividade e irreversibilidade da cessão dos créditos fiscais. Ponto positivo desse projeto de lei é que o dispositivo em foco não prevê qualquer ressalva que estabeleça hipótese de responsabilidade do ente público cedente, ao contrário do que estabelece o § 3º, do art. 204-A CTN, proposto pelo PLC 181/2015, anteriormente criticado.

 

No entanto, o inc V, § 1º, art. 39-A merece críticas. Isso porque, na forma como proposto, amplia de forma expressa o objeto da cessão para alcançar os créditos já parcelados, ou seja, os créditos de maior garantia e liquidez dos entes públicos.

 

No âmbito da Dívida Ativa, esses seriam os créditos de melhor rating, melhor classificação quanto a possibilidade de satisfação. Justamente por isso é que se entende que tal gama de créditos não precisa ser levada a uma securitização, posto que as ferramentas tecnológicas de cobrança, em especial o protesto extrajudicial eletrônico, entregam ao ente público essa grande capacidade direta de realizar o crédito e receber a integralidade de seu valor em curto prazo, sem necessidade de recorrer a uma antecipação financeira mediante deságio.

 

Por fim, os §§ 4º e 5º, do art. 39-A proposto, atribuem à cessão de crédito fiscal a natureza de venda definitiva de patrimônio público (alienação de ativos), buscando afastá-la da natureza de operação de crédito que estaria sujeita aos incisos III e IV do art. 29 e art. 37 da Lei de Responsabilidade Fiscal; bem assim afastar da vedação do art. 167, IV, da Constituição da República.

 

Assim, do que se apresenta e se pode extrair dos projetos de lei que visam inserir a securitização de recebíveis no âmbito da dívida ativa e de seu estoque de créditos públicos (tributários e não tributários), depreende-se que são procedentes as severas críticas que seguem sendo feitas ao formato, momento, oportunidade e legalidade da aplicação da securitização na Administração Tributária no Brasil.

 

A securitização, pode sim ser algo possível e viável com relação ao estoque das Dívidas Ativas dos entes públicos brasileiros, mas não agora, não nesse momento de reforma tributária, não nesse cenário de inserção das ferramentas de tecnologia da informação na gestão do crédito público. Afinal, “não se pode negociar com um tigre quando ele tem sua cabeça na boca”, como já dizia Winston Churchill. Não se celebra venda de créditos com deságio quando sua carteira de ativos está muito longe de ter uma classificação AAA para o mercado de capitais. E nesse momento, essa é a realidade da grande maioria dos municípios e dos estados da federação.

 

A celebração de securitizações de créditos públicos, nesse cenário, não desperta interesse do mercado de capitais, não significa certeza de que é a melhor opção para os entes públicos municipais e estaduais (que ainda não experimentaram os efeitos de um IBS, por exemplo), ou seja, revela-se prematura, tanto assim que formatada para ter como securitizadores única e exclusivamente os bancos e seus fundos.

 

Nesse contexto, nem mesmo a letra fria da Resolução do Senado 17/2015 e do PLP 459/17, que afirmam que a securitização da divida ativa não configurará operação de crédito, tem o poder mudar a realidade que se afigura e debelar os elementos fáticos caracterizadores de efetiva operação de crédito desautorizada que acaba por se materializar.

 

Nas circunstâncias referidas, o ente tributante contrai uma indevida dívida pública, ao mesmo tempo em que incorre em desvio de finalidade da arrecadação de seus tributos”, como já afirmam as principais vozes contrárias à securitização dos créditos fiscais no país.

 

Desta forma, a pergunta fundamental é: qual o sentido de se estruturar uma operação de securitização de recebíveis com títulos ainda de baixíssima aceitação no mercado de capitais? Na iniciativa privada essa proposta não sobreviveria ao primeiro teste em uma assentada de diretoria executiva.

 

Então, por que, às portas de uma reforma tributária que pode vir a melhorar a aceitação (rating) de títulos lastreados em créditos fiscais, cogita-se de securitizações precipitadas de estoques de Dívida Ativa? Justamente porque apenas os bancos serão os securitizadores nesse cenário e são também eles os maiores financiadores da atividade estatal no país. Ou seja, a inovação na captação de recursos que os entes públicos poderiam obter junto ao mercado de capitais, com uma securitização lastreada em títulos de rating melhor, nunca acontecerá.

 

Isso significa dizer que uma securitização nesse momento e contexto não se coaduna com os reais limites do interesse do mercado financeiro por valores mobiliários de créditos fiscais.

 

Destaque-se ainda que os projetos não visam securitizar os créditos podres do estoque de divida ativa, mas sim as dívidas já parceladas e pagas em parte. Uma securitização dos créditos fiscais, no presente momento e diante do quanto já declinado, somente não configuraria ofensa ao interesse público se toda a carteira de ativos do ente público fosse adquirida pela securitizadora, sem seleção de créditos e mediante um deságio abaixo do patamar dos juros e encargos atualmente oferecidos em financiamentos bancários aos entes públicos. Não é isso que vem sendo proposto na prática aos estados e municípios.

 

Nessas circunstâncias, efetivamente o projeto cria, na prática, uma operação de crédito disfarçada, com prejuízo a médio e longo prazo, por conta do deságio no valor pago pela instituição financeira para a antecipação do crédito.

 

E isso se agrava mais ainda se a instituição que for estruturar a operação de emissão de títulos com base nos créditos fiscais, vier a ser a mesma que compra tais créditos base. Lembremos, nesse ponto, que os títulos não terão aceitação direta no mercado de capitais, diante de sua baixa performance. Com isso, será inevitável que os próprios bancos fechem o ciclo, adquirindo-os e mediante grande deságio.

 

A SPE (Sociedade de Propósito Específico) a ser criada (pelo ente público ou por instituição financeira) recebe os direitos creditórios  lastreados nos créditos fiscais cedidos (em estoque de dívida ou não, parcelados ou não) e emite títulos (debêntures ou cotas), os quais são oferecidos a fundos de investimentos e empresas atuantes no mercado financeiro. Para o ente público o grande atrativo é a antecipação de receita, mas essa operação tem como custo o deságio no valor de face do crédito fiscal, deságio/desconto esse que é justamente de onde vem a contrapartida para o investidor (comprador dos títulos da SPE). Toda essa operação deve se submeter a uma licitação, quando a empresa securitizadora for constituída por instituição financeira, somente estando dispensada o certame quando a SPE for instituída pelo próprio ente público, conforme a proposta para o § 7º, do art. 39-A da Lei 4.320/64.

 

Desse modo, o veículo operacional da securitização da Dívida Ativa se consubstancia na emissão de valores mobiliários (debêntures ou quotas sociais) de empresas estatais (ex: CPSec de São Paulo) ou fundos especiais de investimento (FIDCs) para as quais os direitos sobre os créditos fiscais foram transferidos, sendo os debenturistas/quotistas pagos, de forma indireta, pelos originários devedores dos créditos cedidos.

 

A grande questão é que, mesmo com a presença de todos os elementos de uma operação estruturada acima declinados, a ausência de uma efetiva alienação de títulos em mercado de capitais, mas sim a aquisição concentrada por uma instituição financeira, acaba por configurar tomada de empréstimo pelo ente público, sem o necessário registro no endividamento público do ente, para fins de limitações orçamentária da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000). Isso porque, ao cabo, esse cenário repercute em uma prioridade absoluta de pagamento à instituição financeira envolvida na securitização. Com isso, configura-se ofensa ao princípio da unicidade orçamentária que rege as finanças da Administração Pública.

 

Por fim, quanto ao projeto de lei em foco (PLP 459/2017 e sua proposta de um art. 39-A, § 6º, da Lei 4.320/64, em referência ao art. 44 da LRF), vale louvar a ressalva de que a receita obtida com a operação da SPE deve ser destinada 50% para a previdência social do ente público e 50% para investimento público, não podendo ser destinadas a custear despesas correntes da gestão do ente. Obviamente, tal medida não interfere no exame da natureza da operação (se de alienação de ativos ou se de operação de crédito bancário), mas é a que merece destaque positivo, uma vez que impede o indevido uso dos recursos obtidos para salvar o orçamento da gestão em curso. 

 

A conclusão a que se chega, diante do quanto colocado, é que nem estamos ainda no momento adequado para se pensar em implementar securitizações de recebíveis no âmbito da Administração Pública Tributária, bem assim que a legislação proposta para o regramento da operação ainda demandaria evolução para, de fato, não entregar aos entes públicos apenas mais uma linha de operação de crédito.

 

*David Bittencourt Luduvice é advogado tributarista no Luduvice, Cal & Alpire Advogados, procurador do Município do Salvador (Coordenador da Procuradoria Fiscal) e consultor jurídico da Proteste Brasil Digital

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias

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