STF suspende despejo de indígenas em Porto Seguro por suspeita de grilagem e cita Operação Liga da Justiça
Por Aline Gama
O Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão liminar proferida pelo ministro Flávio Dino nesta terça-feira (16), suspendeu a ordem de reintegração de posse que determinava a desocupação de uma área de aproximadamente 3.121 hectares em Trancoso, no município de Porto Seguro, no Sul da Bahia, onde vive uma comunidade indígena Pataxó.
A decisão, tomada no âmbito de uma Reclamação Constitucional, também determinou a suspensão imediata de qualquer ato expropriatório, como o leilão do imóvel marcado para 28 de agosto de 2025, e decretou a indisponibilidade dos registros imobiliários envolvidos, impedindo a venda ou transferência da terra.
O caso judicial teve início após uma comunidade indígena alegar uma ocupação tradicional de um território desde 1951. Além disso, eles sustentam que a empresa Itaquena S.A. – Agropecuária, Turismo e Empreendimentos Imobiliários, que detém o registro formal da área, com matrícula no Cartório de Imóveis de Porto Seguro, advém de um registro indevido.
A reintegração de posse havia sido concedida pela Justiça Federal de Eunápolis, com base no título de propriedade da empresa e na conclusão de que a ocupação indígena era recente, precária e incompatível com o status de unidade de conservação ambiental da região, o Refúgio de Vida Silvestre do Rio dos Frades (Revis).
Segundo o documento, o ministro Flávio Dino identificou indícios de nulidade no título de propriedade da empresa. A área, denominada "Conjunto Rio dos Frades", foi alienada pelo Estado da Bahia à empresa em 1979, por meio de um procedimento administrativo de alienação excepcional de terras.
O problema, conforme destacado na decisão, é que o imóvel possui 3.121 hectares, o que, à época da transação, exigia autorização prévia do Senado Federal, nos termos do art. 171, parágrafo único, da Constituição de 1967. Não há, nos autos, qualquer comprovação de que essa autorização tenha sido obtida.
Além da possível inconstitucionalidade do título, o ministro citou, em decisão, investigações recentes veiculadas na mídia nacional sobre um suposto esquema de corrupção e grilagem de terras no sul da Bahia, envolvendo magistrados estaduais, afastados cautelarmente pelo Pleno do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), para investigação da possível prática dos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, grilagem de terra, fraude processual e agiotagem em Porto Seguro e Eunápolis. Esse contexto, na avaliação de Dino, reforça a necessidade de cautela e de uma apuração rigorosa da legitimidade dominial.
Vale ressaltar que a decisão do STF não entrou no mérito da discussão sobre a tradicionalidade da ocupação indígena, pois essa questão ainda será analisada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), onde tramitam agravos de instrumento contra a decisão de primeiro grau. Ao invés disso, a fundamentação fala acerca da defesa do patrimônio público e na estrita observância dos requisitos legais para a alienação de terras públicas. O ministro determinou que o juízo de origem apure a legalidade do título da Itaquena, com a juntada de toda a documentação comprobatória, incluindo a eventual autorização do Senado.
Enquanto isso, a área permanecerá sob custódia judicial, sem que novas ocupações irregulares sejam permitidas. Foram intimados o Ministério Público Federal, a FUNAI, o ICMBio, o Estado da Bahia e a própria Itaquena S.A., que terá prazo para se manifestar. A decisão liminar ainda será submetida a referendo da Primeira Turma do STF, mas produz efeitos imediatos.
RELEMBRE
Três juízes foram afastados cautelarmente pelo Pleno do Tribunal, para investigação da possível prática dos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, grilagem de terra, fraude processual e agiotagem.
Um relatório da Corregedoria Geral de Justiça (CGJ) do TJ-BA levantou indícios da atuação do juiz Fernando Machado Paropat Souza, titular da 1ª Vara dos Feitos Relativos às Relações de Consumo, Cíveis, Comerciais e Registros Públicos, em favor de um empresário da região.
OPERAÇÃO LIGA DA JUSTIÇA
A operação investiga a possível associação entre os juízes com um promotor, advogados, empresários e um secretário de obras do município em um esquema de grilagem de terras que permitiu aos magistrados se tornarem donos de um patrimônio imobiliário milionário.