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Caso Miguel: ex-prefeito e esposa são condenados a pagar mais de R$ 380 mil por danos morais coletivos

Por Redação

Caso Miguel: ex-prefeito e esposa são condenados a pagar mais de R$ 380 mil por danos morais coletivos
Foto: Reprodução

Por unanimidade, a Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) condenou o ex-prefeito de Tamandaré, em Pernambuco, Sérgio Hacker, e sua esposa, Sari Corte Real, ao pagamento de R$ 386 mil de indenização por danos morais coletivos. 

 

O casal era empregador da mãe e da avó do menino Miguel Otávio, que, em junho de 2020, morreu ao cair de um prédio no Recife, depois de ser deixado sozinho no elevador pela patroa.

 

No entendimento do colegiado, Sérgio Hacker e Sari Corte Real reproduziram padrão social discriminatório e racista em relação às trabalhadoras domésticas. O ministro Alberto Bastos Balazeiro, relator do recurso de revista dos empregadores, assinalou que, de acordo com o TRT, o caso revela uma dinâmica de trabalho permeada por atos “estruturalmente discriminatórios”, que “gira em torno da cor da pele, do gênero e da situação socioeconômica” das trabalhadoras domésticas. Essa conclusão, a seu ver, está ancorada em muitas outras premissas fáticas que revelam o padrão e discriminação com que elas eram tratadas. 

 

“É de interesse de toda a sociedade a extirpação de condutas racistas, a partir das quais são reproduzidos padrões de comportamento que perpetuam a lógica esmagadoramente excludente do passado escravocrata do Brasil”, afirmou o ministro. 

 

Ainda, segundo o TST, a contratação das funcionárias foi fraudulenta e paga indevidamente pelos cofres públicos. O tribunal também considerou como gravíssimas violações humanitárias trabalhistas, que agrediram drasticamente o patrimônio imaterial de toda a sociedade brasileira, a exigência de trabalho durante a quarentena da Covid-19 e a negligência quanto às normas de segurança do trabalho, que resultou na morte do menino.

 

Balazeiro ressaltou que, no momento em que caiu do 9º andar, Miguel estava sob a tutela jurídica temporária da patroa. O caso, a seu ver, trata de violência inequívoca à integridade psíquico-social das trabalhadoras, cujo efeito danoso (a morte da criança) “vai de encontro aos interesses sociais e aos valores jurídicos mais básicos de todo Estado Democrático de Direito, os direitos à vida, à infância protegida e a um ambiente de trabalho digno e protegido”.

 

No mesmo sentido, o ministro Mauricio Godinho Delgado classificou o caso como chocante e desumano. “Lamentavelmente, as elites brasileiras, mesmo após quase 400 anos de escravidão, não retiraram a escravidão dos seus corações e das suas mentes e, por isso, reproduzem o racismo estrutural nas instituições, nas práticas cotidianas e na sociedade civil”.

 

O relator analisou o processo a partir das balizas do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), aplicável aos casos que discutam desigualdades estruturais e seus efeitos sobre a sociedade e a Justiça. “A análise das particularidades que envolvem as relações de trabalho doméstico no Brasil, a partir das lentes oferecidas pelo Protocolo, concretiza-se como um dos caminhos para a justiça social”, explicou. 

 

LEMBRE O CASO

No dia 2 de junho de 2020, a mãe de Miguel tinha que ir trabalhar, mas não podia deixar o garoto na escola ou creche, por conta da pandemia, e teve que levá-lo para a casa dos patrões. O apartamento fica no 5º andar do condomínio Píer Maurício de Nassau.

 

Imagens de uma câmera de segurança mostraram Sari Corte Real, proprietária do apartamento, apertando um botão do elevador, indo embora e deixando a porta se fechar com o menino, que foi em busca da mãe que havia levado o cachorro da família para passear. No 9º andar, ele subiu num parapeito de alumínio que não resistiu ao seu peso e caiu de uma altura de 35 metros.

 

A AÇÃO

O Ministério Público do Trabalho (MPT) abriu investigação a partir das notícias sobre o caso e ouviu pessoas que trabalhavam no condomínio, constatando diversas irregularidades na situação das três empregadas domésticas da casa. 

 

Conforme o MPT, além de exigir que elas trabalhassem durante a pandemia, mesmo quando havia pessoas contaminadas no apartamento, os patrões pagavam os salários com recursos da Prefeitura de Tamandaré, mas não recolhiam as contribuições previdenciárias, não pagavam o 13º nem horas extras nem concediam direito a férias.

 

Com base nas apurações, o MPT ajuizou uma ação civil pública, sustentando que as empregadas trabalhavam há anos sem ter seus direitos trabalhistas básicos garantidos e eram mantidas em atividade em total contrariedade a regras de saúde pública, com risco à sua saúde e à de seus familiares. Por esses e por diversos outros aspectos, pedia a condenação do casal ao cumprimento de diversas obrigações e ao pagamento de indenização de R$ 2 milhões.

 

O juízo de primeiro grau arbitrou a indenização em R$ 386 mil, e a sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco (TRT-PE).

 

No caso concreto, o relator, ministro Balazeiro, observou que os registros do TRT revelam alguns dos benefícios obtidos pelos empregadores - entre eles, a naturalização da fraude contratual envolvendo mulheres negras que, formalmente, eram empregadas do município de Tamandaré, embora prestassem serviços domésticos. “Diante desse cenário, eles se beneficiaram do uso indevido do dinheiro público e da manutenção de uma lógica excludente e precarizante das trabalhadoras domésticas”.

 

Os ministros encerraram o julgamento ressaltando o caráter civilizatório da decisão e mantiveram o valor da condenação, ante a ausência de recurso do Ministério Público do Trabalho nesse sentido.