Governança e Desenvolvimento: Antifragilidade e Integridade - A Jornada da Ética nas Empresas
Uma empresa de telefonia conquistou, em 2023, o selo Pró-Ética da Controladoria Geral da União (CGU). A iniciativa reconhece companhias que voluntariamente implementaram medidas de integridade voltadas para a prevenção, detecção e remediação de atos de corrupção, fraude, violação socioambiental e desrespeito aos direitos humanos.
Três anos antes, os caminhos dessa mesma empresa e da CGU já tinham se cruzado - e de forma bem diferente.
Em 2020, a companhia havia sido multada em mais de R$ 45 milhões pela CGU porque presenteou agentes públicos com ingressos para jogos da Copa do Mundo de 2014, prática incompatível com a Lei Anticorrupção.
Histórias assim, com reviravoltas e final feliz, me fazem lembrar do conceito de “antifragilidade”, do matemático e analista de riscos Nassim Taleb. Ele afirma que existem coisas no mundo que se beneficiam com o caos. Elas não apenas resistem à volatilidade, crise, pressão, desordem e estresse. Elas se fortalecem, melhoram e crescem face às situações negativas, como fez a operadora de telefonia.
O caso também remete à importância dos órgãos de fiscalização no combate à corrupção e ao papel dos gestores corporativos nessa jornada de antifragilidade: ser transparente, admitir erros, assumir responsabilidades e liderar a transformação da empresa rumo a um sistema de integridade.
Evolução
A Lei Anticorrupção (12.846/2013) levou as organizações brasileiras a estruturarem programas de integridade centrados na prevenção e repressão à corrupção. Tais programas, à época, eram essencialmente mecanismos e procedimentos internos voltados à detecção e remediação de fraudes, desvios e ilícitos praticados contra a administração pública, conforme previa o Decreto 8.420/2015.
Com a promulgação do Decreto 11.129/2022, o escopo da integridade institucional foi ampliado, conferindo o merecido destaque à importância da promoção de uma cultura de integridade. Deixa-se, assim, a visão anterior limitada à conformidade para se adotar uma abordagem mais estratégica e transversal, que compreende a integridade como um valor organizacional capaz de orientar decisões, comportamentos e relações.
Mais recentemente, o Decreto 12.304/2024 incorporou de forma explícita à estrutura dos programas de integridade a mitigação de riscos sociais e ambientais decorrentes das atividades organizacionais, ressaltando a responsabilidade das empresas na proteção dos direitos humanos. A integridade, portanto, passa a dialogar não apenas com a conformidade, mas com a ética em sentido amplo, pilar da governança corporativa voltada à geração de valor compartilhado.
Ética
Não se trata de retórica, mas de coerência. Um sistema de integridade eficaz, em vez de focar exclusivamente na prevenção de fraudes ou no atendimento a normas externas, promove a ética como elemento central da identidade organizacional.
Para isso, é necessário um duplo alicerce cultural: o sistema formal, composto, por exemplo, por códigos de conduta, políticas, canais de denúncia e estruturas de responsabilização; e o sistema informal, representado pelas atitudes, decisões e relações cotidianas dentro da organização.
O alinhamento entre esses dois sistemas é o que torna possível uma cultura verdadeiramente íntegra. Como resume Jocko Willink, “não é o que você prega, é o que você tolera que define sua cultura”. Sem essa coerência, corre-se o risco de manter uma fachada ética apenas no papel, enquanto o cotidiano revela práticas distorcidas e permissivas.
O exemplo da liderança
Nesse processo, o papel da liderança é determinante. A integridade não pode ser delegada apenas a uma área técnica. Ela exige o envolvimento de sócios, conselhos, diretoria, gestores e colaboradores. E esse compromisso começa pelo exemplo de líderes éticos e inspiradores, que não apenas comunicam valores, mas os encarnam em suas decisões, mesmo diante de dilemas complexos ou pressões externas.
Competências como empatia, responsabilidade, tolerância ao estresse e assertividade são atributos da liderança ética e fundamentais para decisões justas, ambientes de trabalho saudáveis e relações institucionais confiáveis.
O sistema de integridade, portanto, não é um fim em si. É um meio poderoso para transformar a ética, de um valor abstrato, em prática cotidiana. Ele assegura que o propósito da organização não seja só declarado, mas vivido.
Ter a coragem “antifrágil” de adotar esse sistema se revela, ainda, um caminho para gerar e manter a reputação da companhia, ativo vital para a sustentabilidade do negócio e a construção de valor.
Roberta Carneiro é advogada especializada em Sistema de Integridade/Compliance, Governança Corporativa, Ética Empresarial, Diversidade & Inclusão (D&I) e sustentabilidade. Conselheira certificada em CCoAud+ IBGC. Sócia-fundadora da Consultoria Eticar. Atua como Conselheira de Administração, exercendo a função de membro independente, em Comitê de Auditoria, Comitê de Ética, Comitê de Risco, Comitê de Governança e Comitê ESG. Coordenadora da Comissão de Ética e Integridade do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) 2023-2024. Coordenadora-geral do IBGC Capítulo Bahia. Mestre em Direito, pós-graduada em Direito Público, com especializações em Compliance e Criminal Compliance. Especialista em Materialidade conforme as normas e padrões GRI 2021, IFRS e ODS, certificada internacionalmente pela Global Reporting Initiative (GRI) para Relato de Sustentabilidade.