No JusPod, Dirley da Cunha Jr. fala sobre as medidas cautelares atípicas
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro, por descumprimento de medidas cautelares, incluindo restrições ao uso de celulares e proibição de manifestações em redes sociais, trouxe o debate: qual o limite para as chamadas "medidas cautelares atípicas"?
Em entrevista ao JusPod, podcast do Bahia Notícias, o juiz federal e professor de Direito Constitucional, Dirley da Cunha Jr., alertou para os riscos de um "poder geral de cautela" sem freios. "Um poder geral de cautela ilimitado volta aos tempos do Estado Absoluto. Só que com uma diferença, não governado pelo executivo e sim governado pelo judiciário", afirmou.
Como exemplo para os "poderes excessivos", o jurista lembrou de uma decisão que proibiu um pai inadimplente de assistir a jogos do time de futebol Bahia até que regularizasse o pagamento da pensão alimentícia. A decisão, considerada criativa por alguns e arbitrária por outros, funcionou: o pai quitou a dívida. Mas, para Dirley, o precedente é perigoso. "Quando a própria Constituição diz lá no artigo 5º, inciso II, que ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão previsto em lei. Tá lá. É a mais pura expressão do princípio da legalidade que nós temos", afirmou.
De acordo com o professor, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso II, estabelece que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". No entanto, juízes e tribunais têm recorrido cada vez mais a medidas cautelares atípicas. Para ele, o problema não está nas medidas cautelares em si, mas na falta de critérios objetivos. "Não se discute a legitimidade de restrições quando há risco concreto, como afastar um investigado de cargos para não destruir provas. O problema é quando o Judiciário passa a criar proibições que a lei não prevê, sob o argumento de um suposto 'poder geral de cautela'", explicou.
O grande temor, segundo o jurista, é que o excesso de medidas cautelares atípicas transforme juízes em legisladores de fato, criando regras que deveriam ser discutidas e aprovadas pelo Congresso. "Não devemos ser tolerantes com os intolerantes, concordo, mas dentro de uma mais absoluta margem de proporcionalidade, de razoabilidade e de responsabilidade. Até que ponto um magistrado, seja ele de primeiro grau ou da nossa Suprema Corte, pode adotar uma medida não prevista em lei para restringir uma liberdade?", questionou.