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Especialista classifica caso exposição dos nomes de pessoas com HIV em Feira de Santana como "violação gravíssima"

Por Aline Gama / Leonardo Almeida

Especialista classifica caso exposição dos nomes de pessoas com HIV em Feira de Santana como "violação gravíssima"
Foto: Reprodução

A Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (Semob) de Feira de Santana publicou no Diário Oficial a suspensão do benefício de Passe Livre concedido a pessoas vivendo com HIV/AIDS e chamou atenção da sociedade devido à exposição de dados sensíveis dos cidadãos locais. No documento, a gestão feirense divulgou uma lista com nomes de mais de 600 pessoas que vivem com HIV no município, ferindo a privacidade dos cidadãos.

 

O fato, que expôs os nomes de pessoas vivendo com HIV, foi analisado pela pesquisadora e advogada Cristina Rios, especialista em proteção de dados e governança digital, em entrevista ao Bahia Notícias, como um "como um dos mais graves casos de violação de dados sensíveis no poder público".

 

A especialista, sócia da Vogel LegalTech e cofundadora do Instituto STEM Para Todas, manifestou "extrema perplexidade" ao tomar conhecimento do caso. "Trata-se de uma violação de direitos fundamentais, da dignidade das pessoas, da privacidade e da proteção de dados. O resultado foi uma violação em praça pública que coloca esses cidadãos em uma situação de hipervulnerabilidade, sujeitos ao preconceito, à exclusão social e até a risco de violência", afirmou Rios.

 

De acordo com a especialista, as informações de saúde estão entre as categorias de dados com a proteção mais rigorosa pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). "Publicar nomes de pacientes, especialmente em um contexto de HIV, não se trata apenas de uma falha administrativa. É uma violação gravíssima", enfatizou.

 

Segundo a advogada, o episódio configura um "incidente de segurança" e exige uma resposta imediata do poder público, que deve incluir a investigação das causas, a reparação dos danos causados e a adoção de medidas efetivas para evitar a repetição de situações semelhantes.

 

Questionada sobre as providências que devem ser tomadas, a advogada citou afirmou a necessidade de:

  • Remoção imediata: A lista deveria ter sido retirada do Diário Oficial o mais rápido possível. De acordo com informações, a prefeitura já realizou essa etapa.
  • Comunicação às autoridades: O controlador dos dados – neste caso, o ente público – tem a obrigação de comunicar o incidente à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), conforme previsto em resolução específica.
  • Comunicação aos afetados: As pessoas cujos dados foram vazados devem ser informadas de forma clara, em linguagem acessível e, preferencialmente, de maneira individualizada.
  • Prestação de apoio: A prefeitura deveria oferecer suporte jurídico e psicológico às vítimas.
  • Revisão de protocolos: É fundamental que o órgão público revise seus procedimentos internos para tratar dados com a segurança necessária.

 

"A ANPD prevê que cada controlador mantenha registros de incidentes e apresente relatórios de impacto exatamente para evitar a repetição de falhas estruturais como essa", complementou Rios.

 

Para os cidadãos afetados pela exposição indevida, a especialista elencou as medidas que podem ser adotadas:

  • Registrar denúncia na ANPD: A autoridade tem poder de fiscalizar e aplicar sanções administrativas.
  • Procurar o Ministério Público ou a Defensoria Pública: Estas instituições têm legitimidade para atuar em defesa de direitos coletivos e individuais.
  • Ingressar com ação judicial: É possível pleitear indenização por danos morais e materiais.

 

"A LGPD prevê a responsabilidade civil do controlador em caso de tratamento inadequado de dados", explicou Rios.

 

A advogada ressaltou a importância de os afetados entenderem a gravidade do ocorrido. "Cada afetado saiba que não se trata de um erro administrativo. É uma violação de direitos fundamentais. Por isso, eles têm todo um parâmetro legal para buscar a reparação e a proteção".

 

Cristina ressaltou a importância de que os gestores públicos apliquem a LGPD. "O gestor precisa entender que a LGPD não é uma letra morta, é uma lei viva, está aqui para ser aplicada. E é justamente o Estado que concentra as bases de dados mais sensíveis da população". Ela alertou que quando o próprio poder público viola a privacidade, "abala a confiança nas políticas sociais e compromete a dignidade das pessoas".

 

Questionada se o "dever de transparência" poderia ser usado como justificativa para a publicação, a especialista foi taxativa: "Não, essa argumentação não serve de defesa". Ela explicou que o tratamento de dados sensíveis exige uma base legal específica, que não existia neste caso. "Quando colocamos na balança o dever de transparência com o dever de proteger os dados daquelas pessoas, o dever de proteção se sobressai, até mesmo porque em caso de violação, as pessoas afetadas estão sujeitas a danos graves".

 

Uma mulher, que foi uma das vítimas da divulgação, já prometeu tomar as medidas cabíveis após ser exposta como portadora do vírus HIV. Segundo ela, que não teve o nome revelado, a exposição foi um “desrespeito” e que o sigilo deveria ter sido respeitado.

 

“Foi um misto de desrespeito com desamparo porque as pessoas que tratam disso deveriam ter respeitado o sigilo, e toda a nossa vida com essa questão de conviver com o HIV não é fácil. A gente já luta diariamente pra poder vencer o estigma, o preconceito, a falta de informação que as pessoas têm. É uma violência que consumiu meu domingo. Algumas pessoas jamais terão reparação. Algumas nem revelaram o diagnóstico para a família e agora podem ser identificadas. Para mim, é uma questão de reparação moral", ressaltou”, disse em entrevista ao G1.

 

RESPOSTA DA PREFEITURA
A reportagem do Bahia Notícias procurou a prefeitura de Feira de Santana para esclarecimentos sobre o caso. Em nota, a Secretaria de Mobilidade informou que houve uma “falha de sistema” e lamentou o ocorrido. A pasta também afirmou que realizou a remoção do Diário Oficial de maneira imediata.

 

“A Semob lamenta profundamente o ocorrido e reforça o compromisso da Prefeitura de Feira de Santana com a preservação da privacidade e da dignidade dos cidadãos. A Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana informa que, por uma falha do sistema, foram publicados indevidamente os nomes de pessoas portadoras de fibromialgia, HIV e anemia falciforme na portaria que trata da suspensão do benefício do passe livre no transporte coletivo urbano, conforme determinação judicial. A Semob lamenta profundamente o ocorrido e reforça o compromisso da Prefeitura de Feira de Santana com a preservação da privacidade e da dignidade dos cidadãos”, diz a nota.

 

Em entrevista ao Acorda Cidade, parceiro do Bahia Notícias, o secretário de Mobilidade Urbana, Sérgio Carneiro, alegou que a publicação aconteceu em um ato de “boa-fé”, para que as pessoas não fossem surpreendidas pela suspensão no momento de embarcar e pediu desculpas publicamente pelo constrangimento e a violação de privacidade. No entanto, segundo ele, os nomes não deveriam ter sido divulgados.

 

“No intuito de boa-fé, não houve nenhuma má-fé nisso, e eu me desculpo com quem se sentiu atingido ou exposto. Nós tentamos dar ainda uma oportunidade, não só de que elas tivessem conhecimento, evitassem algum constrangimento, mas pudessem fazer algum tipo de contraditório, algum tipo de defesa em que pudessem, enfim, por modo próprio, como muitas fazem, apresentar à justiça essa decisão. Então, nós tentamos chamar a atenção dessas pessoas, ao invés de cumprir imediatamente a sentença judicial. E, por um equívoco nosso, o nome dessas pessoas foi junto e terminou sendo publicado. Eu assumo o nosso erro, peço desculpas”, declarou o secretário.

 

O CASO
Na sexta, Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (Semob) de Feira de Santana publicou, na edição do Diário Oficial, a Portaria nº 19/2025, que determina a suspensão do benefício de Passe Livre concedido a pessoas vivendo com HIV/AIDS. O ato, assinado pelo secretário Sérgio Barradas Carneiro, cumpre uma decisão judicial que revogou uma tutela provisória de urgência anteriormente concedida pela Justiça.

 

De acordo com a portaria, os beneficiários têm o prazo de cinco dias úteis para devolver seus cartões à Secretaria O documento também estabelece que os indivíduos podem apresentar uma defesa escrita ou documentos junto à secretaria, "sob pena de suspensão ou cancelamento definitivo do benefício". As defesas devem ser protocoladas presencialmente na sede da Semob, localizada no bairro Mangabeira, durante o horário de expediente.

 

Em anexos publicados na mesma edição do Diário Oficial, a prefeitura divulgou listas contendo os nomes completos e os números do cartão de todos os beneficiários afetados pela medida. O Anexo I relaciona aproximadamente 600 nomes, enquanto o Anexo II contém mais 15, totalizando cerca de 245 cidadãos publicamente identificados.