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CNJ vai revisar PAD contra juiz alvo da Faroeste com ordem para novo comando de afastamento do cargo

Por Camila São José

CNJ vai revisar PAD contra juiz alvo da Faroeste com ordem para novo comando de afastamento do cargo
Foto: Reprodução

O juiz Sérgio Humberto de Quadros Sampaio terá um processo administrativo disciplinar (PAD) revisado pela Corregedoria Nacional de Justiça, órgão ligado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ele é um dos alvos da Operação Faroeste, que investiga venda de sentenças no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), e está em prisão domiciliar desde abril de 2022.

 

O corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, determinou a revisão do processo com afastamento cautelar, mesmo Sampaio estando preso e já tendo sido punido com a aposentadoria compulsória por duas vezes em PADs instaurados e julgados pelo TJ-BA. Salomão aponta que a revisão analisará de forma “mais detida” a infração disciplinar cometida e um possível redimensionamento da pena de censura aplicada ao magistrado.

 

“Creio seja recomendável expedir novo comando pelo afastamento do magistrado do cargo, a fim de corroborar a incompatibilidade das condutas que lhe são imputadas com o exercício da magistratura”, afirma o ministro em seu voto.

 

O PAD em questão, que no TJ-BA esteve sob relatoria da desembargadora Maria de Lourdes Pinho Medauar, apura a conduta de Sérgio Humberto de Quadros Sampaio diante da morosidade excessiva na condução de demanda possessória - “notadamente por ter se mantido inerte a despeito de várias petições informando o descumprimento de liminar de manutenção de posse”. O Pleno, em 14 de dezembro de 2022, decidiu pela aplicação da pena de censura ao juiz. O trânsito em julgado do acórdão ocorreu em 16 de março de 2023.

 

Segundo a Corregedoria das Comarcas do Interior do TJ-BA, o magistrado “negligenciou” por 1 ano e três meses o cumprimento da medida liminar de manutenção de posse, em caso “dotado de especial urgência e relevância social” diante dos conflitos de terra na região. A ação tramita na comarca de Formosa do Rio Preto, no oeste baiano, e o fato tem relação com as investigações da Operação Faroeste. 

 

A briga pela posse da terra envolve as comunidades geraizeiras de Aldeia (englobando a localidade Mutamba), Gatos, Marinheiro, Cacimbinha (englobando a localidade Arroz) e Cachoeira - descendentes de povos indígenas e de quilombolas - e o Condomínio Cachoeira do Estrondo. 

 

A efetivação da tutela de urgência, conforme a Justiça baiana, serviria para evitar violações aos direitos de comunidades rurais tradicionais da região, cujos membros vinham sendo vítimas de ameaças e de agressões físicas, envolvendo armas de fogo, praticadas por agentes de segurança privados contratados pelo condomínio.

 

Sampaio pleiteia que a revisão disciplinar se “limite à análise da prescrição da pena aplicada no TJ-BA, considerando que o conhecimento oficial do fato se operou muito antes da abertura do PAD e, portanto, já transcorridos os 2 anos e 140 dias reconhecidos na jurisprudência deste órgão de controle e do STJ".

 

No entanto, o ministro Salomão indica que o Regimento Interno do CNJ autoriza revisão dos processos disciplinares de juízes e membros dos tribunais julgados há menos de um ano do pedido de revisão.

 

CRONOLOGIA

Inicialmente o processo tramitava na comarca de Barreiras, em vara especializada, onde, em 3 de maio de 2017 a juíza Marlise Freire Alvarenga deferiu a medida liminar de manutenção de posse.

 

No dia 12 de maio foi confeccionada carta precatória, solicitando o cumprimento da liminar ao juízo de Formosa do Rio Preto diante da extinção da vara especializada de Barreiras. Sérgio Humberto de Quadros Sampaio já era titular da comarca desde julho de 2016.

 

“Observa-se que, a partir do momento em que o processo foi encaminhado para a Comarca de Formosa do Rio Preto, e passou a tramitar sob sua responsabilidade, a sua condução passou a sofrer com uma morosidade significativa e injustificada”, alerta relatório da Corregedoria Nacional de Justiça. 

 

Em 29 de agosto de 2017, por exemplo, os autores peticionaram se insurgindo contra a falta de citação do réu residente em Formosa do Rio Preto; em 11 de setembro, protocolaram outra petição informando que a liminar de manutenção de posse não estava sendo cumprida. No ano seguinte, em 2 de fevereiro de 2018, novo pedido para cumprimento da liminar, com mais uma reiteração em 5 de março. Porém somente em 22 de abril de 2018, cerca de oito meses e quatro petições depois, o juiz Sérgio Humberto despachou nos autos. 

 

No despacho nada foi dito acerca da alegação autoral de descumprimento da liminar possessória. O magistrado se conteve a apenas ratificar a validade dos atos processuais anteriormente praticados, e manter formalmente a liminar que havia sido deferida, mas sem adotar qualquer medida para assegurar o efetivo cumprimento da manutenção de posse, ou mesmo apreciar as petições sobre as alegações de violação da ordem judicial então em vigor.

 

Em 27 de novembro de 2018, ao invés de adotar medidas para garantir a efetivação da liminar então deferida nos autos, desde 3 de maio de 2017, Sérgio Humberto consignou a possibilidade de revogar a decisão liminar, por entender que a ação não poderia ter tramitado sob o rito especial possessório - isso depois de a liminar ter sido mantida pelo TJ-BA, em sede de agravo de instrumento, que rejeitou o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto contra a concessão da liminar em questão.

 

“Diante desse quadro, não se pode compreender que a prolongada (e injustificável) incúria do magistrado no exercício da prestação jurisdicional - que potencializou conflitos fundiários graves em Formosa do Rio Preto/BA - seja juridicamente qualificada como mera 'negligência reiterada', passível da aplicação da pena de censura”, opina o ministro Salomão. 

 

O Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) chegou a autorizar a supressão de vegetação de 24 mil hectares e instituiu sobre a área do Vale do Rio Preto, onde vivem os geraizeiros, reserva ambiental de 55 mil hectares, que beneficiava o Condomínio Estrondo com a permissão estatal para desmatar uma área cada vez maior. 

 

De acordo com depoimentos, houve excessiva e inexplicável demora no cumprimento de liminares de manutenção de posse, que, após a deflagração da Operação Faroeste - em 19 de novembro de 2019 - "começaram a ser [parcialmente] cumpridas com a derrubada de algumas das guaritas onde agentes de segurança privados contratados pelo Condomínio Estrondo restringiam o acesso nas estradas que levam às comunidades". 

 

Em audiência pública, moradores relataram a depredação e a inutilização de uma torre telefônica, imprescindível para a comunicação da comunidade, que fica a mais de 100 quilômetros do centro urbano. Existe também a denúncia de envolvimento da Polícia Militar na depredação de patrimônio, na invasão de residência, nas prisões forjadas de dois integrantes da comunidade e no “constrangimento de lideranças e de moradores das comunidades tradicionais".