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TJ-BA suspende decreto após desembargadores acusarem 'censura prévia' e 'mordaça'

Por Cláudia Cardozo

TJ-BA suspende decreto após desembargadores acusarem 'censura prévia' e 'mordaça'
Decreto foi assinado por Gesivaldo Britto | Foto: Max Haack/ Ag.Haack/ BN

Diante da “mordaça” imposta pelo decreto que instituía a Política de Segurança da Informação no âmbito do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) (entenda aqui), os desembargadores, em sessão plenária desta quarta-feira (29), pediram a suspensão do ato pelas restrições impostas. De acordo com o desembargador Mário Albiani Júnior, o decreto do presidente do TJ, desembargador Gesivaldo Britto, é “uma verdadeira mordaça que está se instituindo através de ato unilateral”, constituindo assim “uma censura prévia”. O decreto foi publicado nesta terça-feira (28) e foi considerado pelo Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário como uma “ameaça à liberdade de expressão” (veja aqui).

 

A sessão foi presidida pelo vice-presidente do TJ, Augusto Bispo. Gesivaldo Britto está em viagem a Brasília. Mário Albiani pediu a palavra para manifestar sua  indignação com o decreto, por ele extrapolar “os limites de atribuição da Mesa Diretora, em especial na figura do presidente”, e do próprio Poder Judiciário, que deve ser “garantidor das liberdades, inclusive, a liberdade de expressão”. “No estado democrático de direito, a informação é livre”, declarou. Ele reforça que não cabe à administração pública “a censura” e, muito menos, administrar as “liberdades individuais através do decreto”. Ele diz que o texto não observou a “boa fé que deve calcar a administração pública” e não estabelece quando o decreto entra em vigor. “Esse decreto nasce nulo de pleno direito e não pode ser aplicável, imposto a todos desembargadores e servidores do Tribunal de Justiça da Bahia”, reclamou. “Aqui, nós temos uma função, um escopo de proteção do estado democrático de direito e não de restrição das liberdades garantidas constitucionalmente”, frisou.

 

Ele ficou assustado com o alcance do decreto e de como ele pode censurar os membros do TJ-BA, tanto desembargadores, quanto juízes e servidores, que são tratados no texto como “colaboradores”. Albiani indica que todos estão sendo monitorados por usar a rede de internet dentro da instituição e que, mesmo se feito através de modem particular, a monitoria não cessará. “Não poderemos mais votar nos processos à distância, vai ser um percalço que teremos que enfrentar na prestação jurisdicional?”, destaca, acrescentando que, com isso, será necessário pedir “autorização” para usar um modem particular.

 

Também diz que o decreto atinge a atividade associativa e sindical de forma frontal e questiona qual seria a proibição de participar de “crises relacionadas ao TJ-BA nas redes sociais”. “O que é possível o juiz falar, o que é possível o juiz discutir?”, pergunta. Também questiona o impedimento de levar discussões e debates do trabalho nas mídias sociais “no momento em que a transparência constitui princípio da administração pública”. Sobre a produção de imagens dentro das dependências do TJ, afirma que os desembargadores estarão impedidos de tirar uma foto no local sem autorização, além da prévia autorização para utilizar aplicativos de conversa como Skype, Whatsapp, Telegram, entre outros.

 

Já sobre a cessão de equipamento para uso exclusivo de trabalho, Albiani afirma que quando foram entregues, nunca foram informados sobre isso. “Existem inúmeros dados particulares de desembargadores e servidores que devem ser protegidos, e não há ‘vacatio legis’, e não há data para o início de vigência deste ato”, informa. “Todas as informações armazenadas nos equipamentos são de propriedade do Tribunal de Justiça da Bahia sem aviso prévio”, se indigna. “Eu tenho informações particulares no meu notebook, e segundo esse decreto, a partir de hoje, são de propriedade do TJ-BA”, declara, salientando que a medida “é uma verdade quebra de sigilo”. “Eu estou em via de entregar meu notebook, meu celular de volta, quero usar o particular, e mesmo assim, minhas informações serão monitoradas”, destaca.

 

Para o desembargador, a matéria deveria ser objeto de resolução e não ser editada a “pretexto de uma lei de proteção de dados, que está crua”, ainda sem entendimento por parte dos magistrados quanto da sua aplicação. Pediu para que o decreto fosse suspenso, já que Gesivaldo Britto está ausente para revogar a questão. Defendeu que o texto seja amplamente debatido, até com a realização de audiência pública, para após entrar em validade.

 

Logo após a manifestação, a desembargadora Gardênia Duarte também declarou ter ficado surpresa com o texto. “É nosso material de trabalho, o laptop em que nós votamos, eu uso o celular, porque ficamos atentos às comunicações dos colegas e do próprio Tribunal. E eu me surpreendi com essa situação que nos engessa”, pontua. “As determinações são muito grandes, muito genéricas, e nos engessam nas nossas atividades. Não digo na mídia, porque eu não sei me manifestar direito sobre isso, mas pelas vias eletrônicas que nós utilizamos e necessitamos nos comunicar entre nós. Então nós vamos ficar sem saber: precisamos de autorização para isso? Para aquilo? Como devo agir? Vou desligar o telefone? É uma espécie de censura prévia", afirma.

 

Para o desembargador Baltazar Miranda, a resolução do Conselho Nacional de Justiça 211/15, que teria sido utilizada para basear o decreto do TJ-BA, não entra "na intimidade pessoal como tenta fazer prevalecer o eminente presidente". "O presidente está cometendo um ato absurdo e nós temos de coibir. Porque se o Tribunal não tomar uma providência séria, nós seremos desmoralizados perante a opinião pública nacional. Eu endosso e creio que não é caso de suspensão, é caso de revogação imediata, porque um ato ilegal não pode produzir efeitos”, destaca. Baltazar afirma que Gesivaldo usa a resolução do CNJ “para invadir a privacidade de todos os desembargadores, juízes e servidores”. “Então eu acredito que a posição do Tribunal tem que ser enérgica. Porque ele foi eleito por nós, mas não pode extrapolar os seus poderes", pondera. Já para a desembargadora Ivone Bessa, o decreto deve ser mantido e discutido na presença de Gesivaldo Britto e poderia ser discutido até em uma sessão privada por ser um “assunto interno”.

 

A ex-presidente do TJ-BA, desembargadora Telma Britto, afirma que “a proposta não é de cassar o decreto, é para um exame mais detalhado, evitando inclusive a exploração pela imprensa”, pois foi um dos objetivos do decreto, “justamente a exposição do tribunal perante o grande público via mídia”. “Me parece que a intenção do presidente foi essa, de proteger do Tribunal. Só que quem redigiu talvez não tenha atentado que realmente extrapolou, e invade privacidade das pessoas, trata servidores e magistrados como colaboradores. Nós não somos, nós somos integrantes do poder. São ajustes que precisam ser feitos e não há nenhuma afronta", frisa.

 

O desembargador Luís Fernando Lima afirma que o decreto o lembrou do livro 1984, de George Orwell, que instituiu o termo “Big Brother”, que monitorava todos os atos de toda a comunidade. “Eu uso o telefone institucional para falar com minha mulher, com meus filhos, minha conta bancária também está no telefone institucional, os aplicativos, de forma que, esses dados, como grupos de escola, de faculdade, essas coisas todas, pertencendo ao tribunal, viola meu direito subjetivo, acima de tudo”. O desembargador ainda declara que estava pronto a entregar o celular institucional ao Tribunal e não aceitar mais nenhum oferecido a ele. Durante a coleta de votos pela suspensão ou não do decreto, Gesivaldo Britto mandou uma mensagem para Augusto Bispo, informando que era para suspender o decreto.