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Tributo em Pauta: ICMS e as alíquotas seletivas - Como isso interfere no nosso dia a dia?

Por Rafael Figueiredo

Tributo em Pauta: ICMS e as alíquotas seletivas - Como isso interfere no nosso dia a dia?
Foto: Divulgação

O princípio da seletividade está previsto na Constituição Federal e é uma determinação ao legislador tributário no sentido de atribuir alíquotas diversas às mercadorias e serviços em razão da sua essencialidade. Assim, os bens e serviços cujo consumo é essencial e são necessários à nossa subsistência digna, devem ser tributados com alíquotas menores ou até mesmo desonerados por completo; já os que nos são úteis, porém não imprescindíveis, devem ser tributados por alíquotas medianas; e, por fim, os supérfluos e produtos de luxo devem ser tributados por alíquotas elevadas. 

 

A previsão constitucional determina que o princípio da seletividade é obrigatório para o IPI e facultativo para o ICMS. No entanto, a faculdade conferida ao legislador do ICMS se limita à escolha entre a adoção de alíquotas seletivas ou a aplicação de uma alíquota única, não lhe sendo permitido instituir alíquotas diferenciadas por qualquer critério que não seja a essencialidade. Assim, as alíquotas do ICMS somente podem ser diferenciadas em razão da essencialidade dos bens e serviços, quanto maior a essencialidade menor deverá ser a alíquota.

 

Esta foi a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) ao concluir o julgamento do Recurso Extraordinário nº 714139 em sede de repercussão geral (efeito vinculante), quando decidiu que são inconstitucionais as alíquotas de 25% aplicadas à prestação do serviço de comunicação e ao consumo de energia elétrica, uma vez que se tratam de bens e serviços essenciais e não podem ser tributados pelo ICMS de forma mais pesada que os demais bens e serviços, que estão, em regra, sujeitos a uma alíquota na faixa de 18%.

 

A decisão foi muito comemorada pelos contribuintes, pois há muitos anos era aguardado o desfecho desta questão pelo STF. Contudo, a pressão dos Estados da Federação, preocupados com a significativa perda de arrecadação, fez com que o STF modulasse os efeitos desta decisão para 1º/01/2024, frustrando as expectativas de grande parte dos contribuintes, ressalvados aqueles que ingressaram com ação judicial até 05/02/2021 (data do início do julgamento do RE nº 714139, que foram excepcionados da modulação temporal).

 

A modulação temporal dos efeitos de uma decisão pelo STF está prevista na lei e é um instrumento que visa garantir a segurança jurídica nos casos de declaração de inconstitucionalidade de uma lei. De fato, enquanto não for declarada inconstitucional, a lei produz efeitos uma vez que se presume que ela é constitucional. Por isso, quando o STF declara a inconstitucionalidade de uma determinada lei, costuma analisar a questão da produção dos efeitos da decisão e os modula para proteger a segurança jurídica e os cidadãos que estavam de boa-fé cumprindo a lei inconstitucional.

 

Infelizmente, este instrumento vem sendo utilizado de forma deturpada pelo STF nas decisões constitucionais tributárias. A prática que se vê há alguns anos no Brasil é a de que o fisco, em suas três esferas (federal, estadual e municipal) institui, cobra e arrecada tributos nitidamente inconstitucionais, insistindo nas defesas dos mesmos em discussões judiciais que costumam durar décadas. Quando, enfim é derrotado no STF, o fisco requer a aplicação da modulação dos efeitos da decisão. Para ficar mais claro, depois que perde o fisco pede que o tributo somente seja reconhecido como inconstitucional dali para frente, ou pior, que seja reconhecido inconstitucional somente daqui a um ou dois anos!

 

E foi exatamente isso que foi feito no julgamento do RE nº 714139! O STF determinou que, salvo os casos dos contribuintes que ingressaram com ação judicial até 05/02/2021, a decisão somente valerá a partir de 1º/01/2024. Em outras palavras, o STF disse que a inconstitucionalidade por ele reconhecida deve perdurar por mais dois anos porque se ela fosse aplicada de imediato geraria um impacto muito forte nas contas dos Estados da Federação, que passaram décadas cobrando uma alíquota de ICMS inconstitucional e que e se acostumaram com tal receita, por isso devem ficar mais 2 cobrando do mesmo jeito para se adaptarem à perda de uma receita de tributo inconstitucional. De fato, é um grande negócio cobrar tributo inconstitucional no Brasil!

 

Na prática, a decisão proferida pelo STF impactará nas contas dos cidadãos da seguinte maneira: aqueles que ingressaram com ação contra o ICMS energia até 05/02/2021 já estão gozando de redução do ICMS nas suas contas de luz, enquanto os demais terão que esperar até 1º/01/2024. No caso do ICMS sobre energia, cabia a cada consumidor ingressar com sua ação, seja coletiva ou individualmente (aqui fica o recado para o nosso leitor: sempre que possível, busque o quanto antes a defesa dos seus direitos de contribuinte na justiça, pois a demora pode te colocar em situação bastante desfavorável).


 
Já as contas de serviços de comunicação (telefonia, internet, tv por assinatura etc.) estas já devem estar usufruindo da redução da alíquota do ICMS, uma vez que todas as empresas de telecomunicação já discutem judicialmente esta cobrança há muitos anos e portanto se enquadram na exceção feita pelo STF (ações ajuizadas até 24/02/2021). Neste ponto, nós, consumidores dos diversos serviços de comunicação, gostaríamos de usufruir indiretamente desta redução de alíquota do ICMS sobre serviço de comunicação, pagando um menor preço por eles, contudo, não é o que estamos vendo (pelo menos aqui em casa as contas de telefone e internet não tiveram nenhuma redução de preço, e com vocês?). 

 

Vale lembrar que o ICMS é embutido no preço dos bens e serviços que estão sujeitos à sua incidência e oneram o consumidor final. Na verdade, a razão de existir o princípio da seletividade em função da essencialidade é justamente tornar mais acessível o consumo de bens e serviços essenciais.

 

A decisão do STF no RE nº 714139 tratou apenas de energia elétrica e serviços de comunicação, mas é um importante precedente que fortalece a discussão da constitucionalidade das alíquotas aplicadas a outros bens, como é o caso dos combustíveis (gasolina, álcool e diesel), que são essenciais à vida moderna e são tributados com alíquota muito superior à dos bens em geral. Na Bahia, a legislação tributa em 18% os bens em geral (bijuterias e relógios, por exemplo), enquanto que aplica uma alíquota de 28% para a gasolina, e de 25% para o álcool e o diesel.

 

Não há a menor sombra de dúvidas de que os combustíveis são essenciais em nossa sociedade. Basta o leitor lembrar da greve dos caminhoneiros ocorrida em 2018 e as dificuldades de abastecimento dos postos de combustíveis para se dar conta da importância destes bens em nossa vida moderna. Além disso, há de frisar que os preços dos combustíveis compõem os custos com frete e estão embutidos nos preços de todos os bens e serviços consumidor por nós.

 

Conforme já falamos nesta coluna (veja aqui), o ICMS é um fator importante na definição do preço dos combustíveis e a redução da alíquota ao patamar médio de 18% seria uma medida que, além de atender a determinação constitucional, reduziria significativamente os preços dos combustíveis.

 

*Rafael Figueiredo é advogado Tributarista, professor de Direito Tributário e mestre em Direito pela UFBA- Universidade Federal da Bahia