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Tributo em Pauta: O ICMS sobre combustíveis no estado da Bahia

Por Rafael Figueiredo

Tributo em Pauta: O ICMS sobre combustíveis no estado da Bahia
Foto: Divulgação

Os altos preços dos combustíveis praticados atualmente no Brasil têm levado nossa sociedade a questionar cada vez mais a carga tributária incidente sobre tais produtos tão essenciais em nosso cotidiano. Afinal, somos nós, consumidores finais, que arcamos com o ônus financeiro dos tributos incidentes sobre o consumo e que são embutidos nos preços das mercadorias.  


Entre os diversos tributos que incidem sobre os combustíveis, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) é o que chama mais atenção, por se tratar do mais oneroso (segundo a Petrobrás, somente o ICMS representa em média 27,7% do preço final da gasolina, enquanto que os tributos federais, CIDE, PIS e COFINS representam cerca de 11,3%).


O tema tem gerado inúmeras discussões de cunho político e trocas de acusações entre o Presidente, que imputa a culpa pelo aumento do preço dos combustíveis na bomba de gasolina ao ICMS cobrado pelos Estados, e os Governadores, que retrucam dizendo que não aumentaram o ICMS e que a culpa é da política de preço adotada pela Petrobrás.


Afinal, houve aumento do ICMS sobre os combustíveis ou não? É possível reduzir o ICMS cobrado pelos Estados sobre as vendas de combustíveis? O que significa esse tal de “PMPF” que andam falando por aí? Estes são alguns dos muitos questionamentos feitos sobre o assunto pela sociedade brasileira. 


O nosso desafio aqui na Coluna Tributo em Pauta é justamente abordar os temas tributários com a seriedade e o aprofundamento necessário, mas com uma linguagem que seja acessível a todos, sejam profissionais da área ou não. E iniciamos este desafio enfrentando os questionamentos acima e analisando o ICMS cobrado pelos combustíveis no Estado da Bahia. Vamos lá!
Os combustíveis (gasolina, álcool, diesel etc.) são mercadorias e a sua venda está sujeita ao ICMS, cuja competência para instituir e cobrar é dos Estados da Federação. Vale observar que 1/4 do total desta arrecadação estadual é repassada aos Municípios em razão de determinação prevista na Constituição.


Em regra geral, o cálculo do ICMS devido é feito pela multiplicação do preço pelo qual a mercadoria foi vendida (base de cálculo do imposto) pela alíquota (percentual previsto na legislação estadual). 


Contudo os combustíveis estão sujeitos a uma técnica de arrecadação chamada substituição tributária com pagamento antecipado do imposto, que visa concentrar a arrecadação do imposto no início da sua cadeia de incidência, com a finalidade de facilitar a fiscalização dos sujeitos passivos em universo bastante reduzido e inibir a sonegação fiscal. 


Dessa forma, quando a Petrobrás faz a venda do combustível para as Distribuidoras de Combustíveis, fica responsável pelo recolhimento antecipado de todo o ICMS incidente sobre as vendas da cadeia de incidência (Petrobrás -> Distribuidora -> Posto de Combustível -> Consumidor Final). 


Neste ponto, vocês devem estar se perguntando: Como é possível calcular o ICMS das vendas futuras se não se sabe ainda qual será o preço pelo qual o combustível será vendido? 
É justamente aí que entra a tal sigla “PMPF” a que nos referimos acima, que significa “Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final”. Expliquemos: o PMPF é uma média dos preços praticados no mercado para o consumidor final, é uma estimativa do valor pelo qual se imagina que a mercadoria seja vendida na última etapa da cadeia (venda ao consumidor final).
No âmbito dos combustíveis, os valores de PMPF são publicados pelo CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária), do qual fazem parte os Secretários de Fazenda de todos os Estados da Federação e também o Ministro da Economia do Governo Federal, além de representantes da Receita Federal, da Procuradoria da Fazenda Nacional entre outros. 


Dentro do CONFAZ, existe a COTEPE (Comissão Técnica Permanente do ICMS), a quem compete consolidar os PMPF dos combustíveis a serem adotados como base de cálculo do ICMS em cada Estado da Federação. Funciona assim: Os Estados apresentam os dados do PMPF que pretendem adotar, os quais são consolidados pela COTEPE e após isso é publicado um ATO COTEPE/PMPF com a indicação dos valores para cada um dos Estados. Caso o Estado não apresente nenhum dado novo, prevalece o PMPF publicado no Ato COTEPE anterior (Convênio CONFAZ 110/2007, Cláusulas Nona e Décima). Ou seja, há aí também uma decisão política de cada Governo Estadual de aumentar, reduzir ou não alterar o PMPF previsto como base de cálculo de ICMS nas vendas de combustíveis no seu território. 


Vale salientar que o PMPF serve apenas para o Estado calcular o ICMS e não define o preço que o combustível será vendido na bomba. Contudo, como o preço praticado na bomba leva em consideração o valor do ICMS pago antecipadamente, o aumento do PMPF reflete diretamente no preço dos combustíveis. É sempre uma conta de chegada e os Estados buscam constantemente reajustar o PMPF, seja reduzindo ou majorando, para se chegar o mais próximo possível da realidade.


Esclarecido o conceito do PMPF, vamos enfrentar a primeira pergunta: Houve aumento do ICMS sobre os combustíveis ou não? 


A resposta é: Proporcionalmente não houve aumento, uma vez que a alíquota (percentual aplicável sobre o valor do PMPF) continua a mesma, no entanto, houve um aumento nominal, porque muitos Estados provocaram o CONFAZ para reajustar para cima os PMPFs aplicados sobre os combustíveis. 


No caso da Bahia, foram procedidos alguns aumentos de PMPF ao longo de 2021, sendo que o último ocorreu em julho de 2021, pelo Ato COTEPE/PMPF nº 25/2021, que passou a estabelecer os seguintes valores de PMPF, vigentes até hoje: 


Combustível                          PMPF
Gasolina Comum            R$ 6,044/litro
Gasolina Aditivada          R$ 6,95/litro
Óleo Diesel                     R$ 4,633/litro
Álcool                              R$ 4,99/litro

 

Portanto, é preciso ter um pouco de cuidado quando se fala em ocorrência de aumento ou não de ICMS sobre combustíveis, porque todo reajuste de PMPF, seja aumento ou redução, reflete no ICMS cobrado. Logo, uma majoração do PMPF representa sim um aumento do imposto, ainda que não haja aumento de alíquota. 


Por outro lado, não se pode impedir que os Estados da Federação busquem ajustar a base de cálculo do ICMS sobre os combustíveis quando o preço destes aumentar em razão da política de preços adotada pela Petrobrás, principalmente quando esta vincula o preço dos combustíveis às variações cambiais do preço do dólar.


Neste ponto é preciso que a sociedade civil organizada fique vigilante e compare sempre os PMPFs adotados pelo Estado com a média dos preços praticados nas bombas, exigindo que estes guardem o mínimo de similaridade, pois a aplicação de um valor de PMPF maior do que é verificado na prática representa um aumento injustificado de ICMS.


Esclarecida a questão do aumento ou não do ICMS sobre os combustíveis, vamos ao nosso último questionamento: É possível reduzir o ICMS cobrado pelos Estados sobre as vendas de combustíveis?


Ideias como zerar o ICMS sobre combustíveis são comuns nos debates travados atualmente sobre a matéria, mas a sua implementação representaria um problema para os Estados, cuja arrecadação tributária advém quase totalmente do ICMS, e o ICMS sobre os Combustíveis é uma grande parcela desta arrecadação. Renunciar totalmente a tal receita sem prever redução de gastos compatível ou criação de novas fontes de receitas, acarretaria ofensa à Lei de Responsabilidade Fiscal e colocaria em risco todos os compromissos financeiros do Estado, com consequências extremamente danosas à economia e ao bom funcionamento da máquina pública. Além disso, é importante observar que 25% do ICMS arrecado é destinado aos Municípios, e zerar a sua cobrança sobre os combustíveis também implicaria consideravelmente nas contas públicas municipais.


Apesar disso, não podemos deixar de observar que o ICMS cobrado sobre os combustíveis é sim muito elevado, pois as alíquotas previstas na legislação são muito superiores às alíquotas médias adotadas para as demais mercadorias. Enquanto a alíquota média do ICMS na Bahia é de 18%, acrescidos dos 2% destinados ao FECEP - Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza, totalizando 20%, a alíquota aplicável à gasolina é de 28%, e a aplicável ao álcool e ao diesel é de 27%. Vale ressaltar que esta prática não é exclusividade da Bahia, pois também é adotada de forma semelhante por outros Estados.


Neste ponto, consideramos totalmente válido um debate sobre a constitucionalidade da adoção destas alíquotas, uma vez que a Constituição Federal somente permite utilização de alíquotas diferenciadas em razão da essencialidade das mercadorias (art. 155, §2º, II), quanto mais essencial ela for menor deve ser alíquota. Assim, não se pode admitir que a alíquota média aplicável a mercadorias como objetos de decoração, bijuterias ou cosméticos seja de 20% e que a alíquota da gasolina seja 28%. 


É evidente a essencialidade dos combustíveis em nossa sociedade, e esta ficou ainda mais clara com a greve dos caminhoneiros ocorrida em 2018 e as suas consequências. Desta forma, a redução das alíquotas de ICMS sobre combustíveis a patamares médios está em consonância com o texto constitucional, sendo totalmente justo o pleito pela sua redução, a qual pode ser procedida até mesmo por decisão judicial. 

 

*Rafael Figueiredo é advogado Tributarista, professor de Direito Tributário, ex-Conselheiro do Conselho de Fazenda do Estado da Bahia e mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia