Tributo em Pauta: ISS fixo e o mito da uniprofissionalidade
No meu último artigo na coluna Tributo em Pauta, estive falando um pouco sobre o regime de tributação fixa do ISS, lembra? Se não se lembra, não se estressa, que a redação do Bahia Notícias vai colocar o link bem aqui. Espia.
Agora, sim. Eu falava do regime especial em que as sociedades de profissionais não pagam o ISS calculando-o sobre o seu faturamento de serviços, mas um valor fixo por cada profissional vinculado a si. E tratando disso, devo ter jogado água no chopp de várias profissões quando disse que as não indicadas na legislação complementar estão mesmo presas às alíquotas de 2% a 5%.
Expliquei isto com cuidado porque as leis de alguns Municípios baianos não foram tão claras quanto deveriam e induzem ao erro pela vagueza do texto que dá espaço indistinto às atividades profissionais que se organizem em sociedades.
Mas, nem sempre o legislador municipal faz essa boca de siri e diz menos do que deveria. De vez em quando, ele resolve mesmo é morrer pela boca - seja porque fala demais, seja porque o faz para abocanhar um pouco mais de ISS.
Como em diversos casos este regime especial é (muito) mais vantajoso para as sociedades profissionais do que as alíquotas percentuais, a fruição daquele frustra a expectativa dos Municípios na arrecadação do ISS. Resulta disto que o regime do ISS fixo seja tratado como uma contingência que se precisa minimizar, levando a lei municipal a criar inúmeros requisitos que a legislação complementar (Decreto-Lei nº 406/1968) não exige.
Um dos evidentes exemplos disto é a ideia de “uniprofissionalidade” da sociedade. Isto é, um número vasto de leis municipais exige que, para usufruir do ISS fixo, a sociedade de profissionais não seja “mista” entre as profissões dos sócios envolvidos (ex.: advogados e contadores; engenheiros e arquitetos; médicos e enfermeiros), mas singular (ex.: só advogados, só contadores, só médicos etc.).
Quer exemplos?
Em Salvador, a exigência de uniprofissionalidade está posta no inciso III e no § 5º, ambos do art. 87-B da Lei Municipal nº 7.186/2006. Usando a mesma redação, o Município de Simões Filho exigiu o requisito no art. 128, III e § 5º da Lei Municipal nº 1.102/2018. Já em Camaçari, a necessidade de restringir o regime do ISS fixo levou à criação, em 2017, do art. 126-B na Lei Municipal nº 1.039/2009, proibindo o regime à sociedade pluriprofissional, tão direta e cuidadosamente que o legislador se preocupou até em exemplificar! Quem estiver curioso, dê uma olhada no parágrafo único do art. 126-B e depois volte para me contar.
O interessante nisto tudo, para o Direito, é que não há uma palavra sequer na legislação complementar da qual se deduza que a “uniprofissionalidade” seria uma exigência para a fruição do regime especial de ISS fixo.
Então, quando no outro artigo eu falava de profissões não listadas no Decreto-Lei nº 406/68, eu disse que a lei municipal não podia ser interpretada para ampliar o espaço de aplicação do ISS fixo, mas para inventar condições e restringi-lo, pode?
Em absoluto, não. A regra que dá em Chico, também dá em Francisco.
As leis tributárias municipais não podem criar qualquer novo requisito para delinear quem pode ou não se beneficiar do regime do ISS fixo. É possível, sim, regulamentar os requisitos já fixados pelo próprio Decreto-Lei nº 406/1968, mas não ampliá-los - reduzindo o rol de sociedades que podem fruir do regime especial - tampouco dispensá-los - beneficiando quem não poderia dele utilizar.
Esta limitação imposta às leis municipais foi esclarecida pelo Supremo Tribunal Federal em 2019, mas, anos antes, a matéria que discutimos já encontrava precedentes contrários à discriminação de sociedades pela “uniprofissionalidade” tanto no STJ quanto no nosso Tribunal de Justiça.
Mesmo assim, inúmeras autuações municipais têm tido lugar baseadas na “uniprofissionalidade” que não passa de um mito. Um requisito falso repetido tantas vezes na doutrina descuidada e em jurisprudência ultrapassada que virou realidade nas leis municipais, incentivando tantas e novas disputas tributárias nas quais todos perdem, Municípios e contribuintes.
*Leandro Aragão Werneck é advogado, professor de Direito Tributário, Doutorando e Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), especialista em Direito Tributário (IBET) e conselheiro do Conselho Municipal de Tributos de Salvador (2021)