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Entenda origem e consequências de proibição de mulheres em estádios no Irã

Por Nuno Krause

Entenda origem e consequências de proibição de mulheres em estádios no Irã
Foto: Reprodução / SBT News

Correu o mundo, na última quarta-feira (30), a notícia de duas mil mulheres sendo impedidas de entrar na arena Imã Reza, na cidade de Mashhad, para acompanhar a partida entre Irã e Líbano, pela última rodada das eliminatórias asiáticas da Copa do Mundo. Mesmo tendo comprado ingressos, elas foram recebidas com spray de pimenta, e não conseguiram acessar o local (lembre aqui). A polêmica, que dura desde 1981, quando a Revolução Islâmica determinou a proibição, passa por questões políticas, religiosas e constitucionais. 

 

A revolução deu fim ao regime monárquico dos xás, que se concentrava na figura de Mohammad Reza Pahlavi desde 1941, e o país passou a ser uma república islâmica, que combina elementos democráticos e teocráticos - religiosos. A maior figura do movimento foi o aiatolá Ruhollah Khomeini, o primeiro a comandar o país pós-monarquia. “Os aiatolás passam a ter a liderança na religião, na política e nos costumes”, explica Matheus Souza, internacionalista e doutorando em Administração pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). 

 

A mudança interferiu diretamente no modo de vida das mulheres, que passaram a viver sob a vertente xiita - grupo que coordenou a revolução - do islã. A proibição de assistir a partidas de futebol masculino foi ordenada com a justificativa de protegê-las do "ambiente masculino" e da visão dos homens "seminus".

 

No entanto, atualmente a questão não é tão simples. A Constituição do Irã, por exemplo, prevê direitos iguais para homens e mulheres. “Foram duas mil mulheres que pagaram o ingresso. Além da questão religiosa, tem a institucional e legal. Eles alegaram que no local do estádio não haveria garantias de que seria oportunizado um lugar adequado para as mulheres assistirem a uma partida com homens. Ao mesmo tempo, você tem uma legislação que deveria viabilizar esse acesso”, afirma Matheus. 

 

Ainda assim, há um estereótipo sobre a religião islâmica que precisa ser combatido, segundo o internacionalista. “Da mesma forma que existem diferenças entre xiitas e sunitas, entre muçulmanos e cristãos, dentro da própria vertente xiita tem aqueles que são um pouco mais radicais e aqueles mais progressistas. (...) Não é a religião em si [que proíbe as mulheres de assistirem a partidas de futebol], mas alguns mais tradicionais e radicais. A mesma vertente xiita que fez a revolução abarca esses mais tradicionais, então isso acaba ocorrendo”, explica. 

 

Desde 1981, as mulheres puderam ter acesso ao estádio para assistir a apenas três jogos da seleção masculina do Irã de futebol: em outubro de 2019, para Irã x Camboja; em outubro de 2021, para Irã x Coreia do Sul; e em janeiro de 2022, para Irã x Iraque. 

 

A liberação ocorreu após pressão da Fifa, que ameaçou suspender a seleção, o que a impediria de disputar a Copa do Mundo de 2022. “Toda sociedade iraniana passa por momentos de mudanças, de adaptação, tensão, e nesse caso específico a gente percebe a atuação de um ator externo, que é a Fifa. A Fifa está longe de ser um exemplo de organização limpa, mas desse ponto de vista há uma construção interessante. Ela não pode ser um agente aculturador, nem do Irã nem de qualquer país, mas ajuda a atender a própria demanda da sociedade iraniana, da mulher”, avalia Matheus. 

 

O impedimento ocorrido na última quarta-feira, contudo, não deve gerar sanções futebolísticas ao Irã. O país deve estar na Copa do Mundo, segundo a Fifa (veja aqui), e conheceu sua chave nesta sexta (1º). A seleção está no Grupo B, ao lado de Inglaterra, Estados Unidos e um adversário que será definido pelo playoff europeu (País de Gales, Escócia ou Ucrânia). 

 

Após o episódio, o governador de Mashadd, Moshen Davarim, pediu perdão. "Peço desculpas porque muitas pessoas não puderam entrar no estádio e ver de perto a partida de futebol entre as seleções do Irã e do Líbano", afirmou, em entrevista à emissora de TV iraniana IRIB. 

 

Na visão de Matheus, a atitude representa um esforço das próprias lideranças políticas para acabar com o estereótipo radicalizado dos xiitas. 

 

“Tem outro ponto que é interessante, que tem a ver com a política internacional. Que é a tensão entre Irã e Arábia Saudita - outro polo de poder no Oriente Médio, de matriz Sunita, que rivaliza. Eles disputam ali zonas de influência, cada um defendendo suas vertentes da religião. Do ponto de vista da projeção de imagem do país, sobre os pontos positivos de um Irã xiita, nessa lógica de disputa por espaço de poder, uma notícia como essa na semana do sorteio da Copa, vídeo que viralizou, tudo isso atenta contra esse objetivo estratégico do Irã de se projetar como modelo de um estado não laico, uma teocracia a ser seguida por outros países. Irã e Arábia Saudita disputam isso. Do ponto de vista geopolítico, estratégico, eu vejo uma tentativa de mudar”, pontua. 

 

O Irã estreia na Copa do Mundo no dia 21 de novembro, contra a Inglaterra.