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Nesta reportagem, revisitamos alguns momentos que definiram a relação entre a polícia e as comunidades, levantando questões sobre a impunidade, os direitos humanos e a busca por justiça em um estado marcado pela desigualdade.
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GAMBOA
A madrugada de 1º de março de 2020 ficou marcada por gritos e silêncio na Gamboa de Baixo, comunidade periférica de Salvador. Enquanto a vida pulsava na cidade, Alexandre Santos dos Reis, de 20 anos, Cléverson Guimarães Cruz, de 22, e Patrick Sousa Sapucaia, de apenas 16, celebravam em um bar local.
O brilho das luzes festivas se apagou para os três jovens quando foram retirados à força por agentes do Batalhão de Rondas Especiais da Polícia Militar da Bahia (Rondesp). Poucas horas depois, seus corpos seriam encontrados sem vida em uma casa abandonada.
Hoje, quatro anos depois, a dor ainda ecoa pelas escadarias da comunidade. Na época, os moradores denunciaram que os policiais chegaram atirando e lançando gás lacrimogêneo, transformando a madrugada carnavalesca em uma noite de terror. A versão oficial da PM dizia que a ação foi uma resposta a uma ocorrência de sequestro, e que os jovens, supostamente armados, haviam resistido. Porém, as investigações desmontaram essa narrativa.
Os laudos periciais e as simulações realizadas mostraram que as armas de fogo apresentadas pelos policiais haviam sido plantadas no cenário do crime. Testemunhas relataram que, após as execuções, os PMs usaram vassouras, baldes e água cedida por moradores para lavar as poças de sangue que manchavam as escadarias. Mais tarde, os corpos de Alexandre, Cléverson e Patrick foram retirados da cena do crime, enrolados em lençóis e levados ao Hospital Geral do Estado (HGE) para sustentar a falsa versão de que teriam sido socorridos após um confronto.
Para Wagner Moreira, coordenador do IDEAS Assessoria Popular, que oferece suporte jurídico às famílias das vítimas, a denúncia do Ministério Público é um marco. “A tentativa de responsabilizar os policiais revela um esforço do MP para enfrentar a crise na segurança pública na Bahia, especialmente em casos emblemáticos como este”, afirmou Wagner.
Em novembro de 2023, três dos quatro policiais envolvidos foram denunciados por homicídio qualificado cometido por motivo torpe. Eles aguardam a decisão judicial que poderá levá-los a júri popular. Na mesma ocasião, a Justiça determinou o afastamento dos policiais por 180 dias, além da proibição de acesso à Gamboa e de contato com testemunhas e familiares. Contudo, relatos de moradores sugerem que os PMs continuaram frequentando a área, perpetuando o clima de medo.
Em julho de 2024, o Ministério Público da Bahia (MP-BA) acusou formalmente quatro policiais militares por crime de fraude processual. Eles foram denunciados por alterar a cena do crime.
CABULA
Na madrugada do dia 6 de fevereiro de 2015, as vielas da Vila Moisés, no bairro do Cabula, em Salvador, foram testemunhas de uma tragédia que marcou para sempre a história da cidade. Doze jovens foram mortos durante uma operação das Rondas Especiais da Polícia Militar (Rondesp). As vítimas tinham idades entre 16 e 27 anos. O caso, que ficou conhecido como "Chacina do Cabula", levantou questões sobre o uso excessivo da força policial, as desigualdades sociais e as feridas abertas do racismo estrutural.
De acordo com a versão inicial apresentada pela Secretaria de Segurança Pública, os policiais estavam respondendo a uma informação de que um grupo planejava assaltar um banco na região. Ao chegarem no local, teriam sido recebidos a tiros por cerca de 30 suspeitos. Em contrapartida, investigações conduzidas pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA) trouxeram à tona uma narrativa bem diferente: o crime teria sido premeditado pelos policiais como uma resposta violenta ao tráfico de drogas e em retaliação à morte de dois jovens ocorrida semanas antes, em 17 de janeiro de 2015, após uma incursão policial no bairro.
As evidências coletadas durante o inquérito sugerem que houve uma execução planejada. Dos 12 mortos, apenas quatro apresentavam vestígios de pólvora nas mãos. Laudos médicos revelaram que muitos foram atingidos por tiros disparados de cima para baixo, à queima-roupa. Alguns projéteis atravessaram a cabeça das vítimas, indicando uma abordagem de curta distância. Ao todo, as vítimas e os quatro sobreviventes receberam impressionantes 88 tiros.
As vidas ceifadas naquela noite incluíram os jovens Evson Pereira Dos Santos (27); Ricardo Vilas Boas Silva (27); Jeferson Pereira dos Santos (22); João Luís Pereira Rodrigues (21); Adriano de Souza Guimarães (21); Vitor Amorim de Araújo (19); Agenor Vitalino dos Santos Neto (19); Bruno Pires Nascimento (19); Tiago Gomes das Virgens (18); Natanael de Jesus Costa (17); Rodrigo Martins de Oliveira (17); e Caique Bastos dos Santos (16).
Quatro sobreviventes deram entrada no Hospital Roberto Santos naquela madrugada: Nilson Santana da Conceição (22); Luís Alberto de Jesus Filho (28); Luan Lucas Vieira de Oliveira (20); Arão de Paula Santos (23).
A denúncia foi inicialmente aceita pelo juiz Vilebaldo José de Freitas Pereira, mas, devido às férias do magistrado, o caso foi transferido para a juíza Marivalda Almeida Moutinho. Em julho de 2015, apenas cinco meses após o crime, Marivalda absolveu sumariamente os nove policiais acusados. Ela justificou sua decisão como uma tentativa de dar “satisfação à sociedade”, mas a decisão causou indignação e foi amplamente contestada.
Três anos depois, em setembro de 2018, a sentença foi anulada pela 1ª Turma da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia, que acolheu um recurso do MP-BA. O processo, então, ganhou novos contornos quando a própria juíza Marivalda foi afastada do cargo, acusada de participação em um esquema criminoso no âmbito da Operação Faroeste, envolvendo venda de sentenças judiciais.
A falta de confiança no sistema judicial baiano levou o procurador-geral da República da época, Rodrigo Janot, a pedir a federalização do caso. Havia preocupações com a neutralidade das investigações, agravadas por ameaças feitas ao promotor de justiça que conduzia o caso. A questão se tornou um símbolo da luta por justiça e transparência em um estado marcado por históricos de violência policial.
TUCANO
Pedro Henrique era um homem de presença marcante. Negro, ativista pelos Direitos Humanos, tatuador, seguidor da cultura rastafári e defensor da legalização da maconha, ele levava em seus dreadlocks não apenas um estilo, mas uma declaração de identidade e resistência. Sua vida, interrompida em 2018 por um crime brutal, tornou-se um símbolo da luta contra o preconceito e a violência policial no interior da Bahia.
Em 2012, Pedro mudou-se para Tucano, uma pequena cidade com pouco mais de 48 mil habitantes. Apesar de frequentar o lugar devido a laços familiares, ele logo se tornou alvo de abordagens policiais constantes. Para seu irmão, Davi Santos Cruz Souza, o preconceito em relação à aparência de Pedro foi o gatilho para a perseguição.
Ainda naquele ano, Pedro sofreu agressões durante uma abordagem policial. Ele reagiu da maneira que sabia: denunciou o ocorrido ao Ministério Público da Bahia (MP-BA) e utilizou suas redes sociais para expor a violência. Mais do que isso, fundou a Caminhada da Paz, um ato em defesa dos Direitos Humanos e contra os abusos policiais, que, cinco anos após sua morte, continua sendo realizado anualmente em Tucano.
Entre 2012 e 2018, Pedro Henrique registrou ao menos cinco denúncias contra policiais militares, incluindo Sidiney Santana e Bruno Montino, que mais tarde seriam acusados de participar de seu assassinato.
Em 5 de maio de 2017, Pedro relatou ter sido praticamente despido em via pública para que suas tatuagens fossem examinadas pelos PMs. Em 14 de maio de 2018, ele precisou buscar atendimento médico após ser agredido durante uma abordagem. Menos de dez dias depois, em 24 de maio, ele e sua namorada foram abordados de forma truculenta ao voltarem do mercado. Nessa ocasião, Pedro afirmou que Sidiney mexeu em seus bolsos, quebrou seu celular, deu-lhe tapas e socos e, exibindo sua arma, desafiou: “Vá tomar suas providências porque você tem seu advogado e eu tenho o meu”.
Na noite do crime, em 2018, a casa do pai de Pedro, José Aguiar de Souza, foi invadida por três homens armados. Sob ameaça, ele foi obrigado a levar os assassinos até a residência do filho.
A invasão foi rápida e brutal. Pedro Henrique foi executado à queima-roupa, enquanto sua companheira estava dentro da casa. Ela ouviu os tiros, mas optou por não falar sobre o caso publicamente, temendo represálias. Contudo, em depoimento à polícia, identificou os três autores do crime como Sidiney Santana, Bruno Montino e José Carlos Dias. Apesar de estarem encapuzados, ela os reconheceu pelas vozes e características físicas.
A Polícia Civil concluiu o inquérito e indiciou os três policiais militares pelo homicídio. O trabalho foi realizado em conjunto com a Corregedoria da Secretaria de Segurança Pública, e o caso agora está sob responsabilidade do MP-BA. Apesar de o Departamento de Polícia Técnica (DPT) ter concluído todos os laudos periciais, o Ministério Público aguarda os resultados para dar prosseguimento ao processo.
FEIRA DE SANTANA
Na noite de um dia comum em Feira de Santana, o que parecia ser uma brincadeira entre adolescentes resultou em uma tragédia irreversível. Matheus dos Santos Souza, de apenas 14 anos, morreu após ser baleado enquanto estava na garupa de uma motocicleta. O caso chocou a população e levantou questionamentos sobre a violência policial e a vulnerabilidade juvenil.
De acordo com relatos de moradores e vídeos que circulam nas redes sociais, Matheus e um amigo estavam simulando uma situação de assalto, aproximando-se de dois jovens que vestiam uniformes escolares. A "brincadeira" foi interrompida pela chegada de uma viatura da Rondesp Leste, que avistou os adolescentes e interpretou a cena como uma tentativa de roubo.
Os policiais seguiram os jovens e, em uma sequência de eventos ainda sob investigação, dispararam contra a motocicleta. Os tiros atingiram Matheus, que não resistiu aos ferimentos. O amigo que conduzia a moto também foi atingido, mas sobreviveu e está sob cuidados médicos.
A Polícia Militar divulgou uma nota oficial expressando pesar pelo ocorrido e informando que os quatro policiais envolvidos foram afastados de suas funções operacionais até a conclusão do Inquérito Policial Militar (IPM).
“A PM lamenta profundamente as circunstâncias do ocorrido e informa que o Comando de Policiamento da Região Leste (CPRL) afastou das atividades operacionais os quatro policiais militares integrantes da guarnição até a conclusão do Inquérito Policial Militar (IPM), instaurado imediatamente após o fato”, afirmou a corporação em nota oficial.
LAURO DE FREITAS
Na manhã silenciosa de um dia comum no bairro do Portão, em Lauro de Freitas, a rotina foi abruptamente interrompida por tiros que ecoaram na localidade conhecida como Vila Nova de Portão. Givanildo Silva, um marceneiro de 36 anos, tombou ao chão, morto em uma ação policial que se transformou em mais um caso controverso envolvendo a Polícia Militar.
Em nota, a Polícia Militar afirmou que, durante rondas na região, os policiais avistaram um grupo de homens armados e houve um confronto. Segundo o relato dos agentes, ao final da suposta troca de tiros, Givanildo foi encontrado caído no chão. Ele foi socorrido e levado ao Hospital Menandro de Faria, mas não resistiu aos ferimentos.
Ainda de acordo com a PM, uma pistola calibre .40, sete munições, 34 pinos de cocaína e 79 trouxas de maconha teriam sido encontrados com Givanildo. Essa narrativa, no entanto, é fortemente contestada pela família, amigos e testemunhas.
Para os moradores da região e parentes de Givanildo, a história contada pelos policiais não condiz com os fatos. Testemunhas afirmaram que os policiais chegaram atirando sem qualquer aviso ou confronto prévio. “Ele era trabalhador, não tinha nada a ver com o que estão dizendo. Era um homem honesto”, declarou um amigo próximo da vítima.
A revolta se transformou em protestos. Dois atos já foram realizados no bairro do Portão, com faixas e gritos por justiça. Os manifestantes exigem que os policiais envolvidos sejam responsabilizados e que a Polícia Militar se retrate pelas acusações contra o marceneiro.
"A carne mais barata do mercado é a carne negra/ Que vai de graça pro presídio/ E para debaixo do plástico/ E vai de graça pro subemprego/ E pros hospitais psiquiátricos". Imortalizada na voz de Elza Soares, a canção "A Carne" é uma triste realidade do povo brasileiro. E, em meio a esse problema, uma chaga se mantém aberta: a violência policial. O tema tem sido recorrente em protestos e denúncias ao longo das últimas décadas no Brasil — e na Bahia. Casos emblemáticos, muitas vezes marcados por abusos de poder, seguem ecoando nas ruas e nas memórias da sociedade baiana. Esses episódios trágicos revelam um padrão de violência que ameaça a vida dos baianos.
Em um caso recente, um funcionário da embasa, identificado como Welson Figueiredo Macedo, de 28 anos, foi morto por policiais militares com um tiro nas costas, no bairro de Castelo Branco, enquanto voltava do trabalho de moto.
Welson voltava do trabalho de moto e passou no bairro para deixar um amigo. Após levar levá-lo, Welson seguiu para o bairro de Fazenda Grande 2, onde morava com a esposa e o filho de oito anos. No percurso, policiais que estavam em uma viatura alegam que o teriam confundido com um suspeito.
Em nota, a PM informou que agentes faziam rondas, quando viram três suspeitos, de moto, assaltando um casal. Com a aproximação dos policiais, eles atiraram contra a viatura e fugiram. Pouco depois, os policiais receberam denúncias de que eles estavam no fim de linha do bairro. Houve troca de tiros e Welson foi encontrado ferido. Após ser baleado, o homem foi levado ao Hospital Eládio Lassere, onde morreu durante uma cirurgia.
A família acusa a Polícia Militar de matar a vítima, enquanto a corporação afirma que houve troca de tiros.
Se engana quem acredita que este é apenas mais um caso isolado, esse caso vem se somar a uma série de episódios semelhantes que, ao longo dos anos, continuam a expor a falha do sistema de segurança pública em garantir direitos básicos de proteção e segurança para a população.
No ano de 2023, foram registradas 1.702 mortes por ações policiais na Bahia em 2023. Este é o segundo ano consecutivo em que a Bahia supera os índices registrados no Rio de Janeiro e São Paulo, dois dos três estados brasileiros com maiores populações. As informações fazem parte da pesquisa Pele Alvo, da Rede de Observatório de Segurança, divulgados no dia 7 de novembro.
A Rede de Observatórios de Segurança monitora a situação em nove estados brasileiros: Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo. Dentre esses, a Bahia foi o único estado a registrar mais de mil óbitos no ano passado.
Das 1.702 pessoas mortas em operação, a população negra representou 94,6% do total e 99,5% são homens, com uma vítima a cada sete horas. Segundo o estudo, a polícia baiana é a que mais mata, sendo responsável por quase a metade dos casos (47,5%) de pessoas negras mortas em ações policiais de todos os nove estados estudados. A juventude também faz parte do perfil mais vitimado: 62,0% dos mortos tinham entre 18 e 29 anos e 102 jovens de 12 a 17 anos foram mortos por agentes de segurança.
A violência policial na Bahia carrega uma história marcada por episódios que abalaram a sociedade e levantaram questionamentos sobre o uso excessivo da força e a impunidade. Ao longo das décadas, casos emblemáticos expuseram a fragilidade na relação entre as forças de segurança e a população, especialmente nas comunidades mais vulneráveis. Relembre, a seguir, alguns desses episódios que deixaram cicatrizes profundas no estado e continuam a ecoar na memória coletiva como símbolos da luta por justiça e direitos humanos.
Nesta reportagem, revisitamos momentos que definiram a relação entre a polícia e as comunidades, levantando questões sobre a impunidade, os direitos humanos e a busca por justiça em um estado marcado pela desigualdade.
Geovane Mascarenhas
No fim da tarde de 2 de agosto de 2014, Geovane Santana dos Santos, de 22 anos, foi abordado de maneira brutal pela Rondesp enquanto pilotava sua moto na Rua Nilo Peçanha, na região da Calçada, em Salvador. O jovem foi levado pelo subtenente Claudio Bonfim Borges, e os soldados Jesimiel e Jailson.
Na abordagem, Geovane foi conduzido na viatura 2.2211, junto com sua moto, até a Rua Luiz Maria, próximo ao Atacadão Recôncavo. Ali, foi apresentado a uma mulher que havia relatado ser vítima de roubo. No entanto, ela não reconheceu Geovane como o autor do crime.
Minutos depois, às 17h21, uma segunda viatura, de número 2.2203, chegou ao local com mais policiais, incluindo o sargento Gilson Conceição Santos e os soldados Cláudio José, Fabio Azevedo e Jocenilton Almeida. Ambas as viaturas permaneceram na cena até às 17h25, antes de seguirem para a sede da Rondesp, no bairro do Lobato.
É nesse ponto que o caso se torna ainda mais estarrecedor. Nas dependências da corporação, Geovane foi torturado e executado. Segundo a denúncia apresentada pelo Ministério Público do Estado da Bahia (MPE), os policiais decapitaram o jovem, mutilaram seu corpo, incluindo a remoção das mãos, genitália e partes das tatuagens, numa tentativa de dificultar sua identificação.
Horas após a execução, às 21h, um grupo de policiais deixou a sede da Rondesp em duas viaturas, 2.2204 e R-10. Entre eles estavam Cláudio Bonfim, Jesimiel, o sargento Daniel e os soldados Roberto, Alan e Alex. O corpo mutilado de Geovane foi transportado até a Travessa São Rafael, na Rua das Casinhas, próximo ao Parque São Bartolomeu. No local, os acusados atearam fogo no cadáver, abandonando-o em uma casa sem moradores.
No dia seguinte, o corpo foi encontrado por moradores da região. A motocicleta e o celular de Geovane também foram subtraídos pelos policiais, conforme a denúncia. A brutalidade do caso chocou a população e levantou questionamentos sobre a conduta da polícia baiana.
Após quase 20 dias procurando Geovane, seu pai descobriu que um corpo decapitado, que tinha sido encontrado no Parque São Bartolomeu, que estava no Instituto Médico Legal pertencia ao seu filho. Para provar que seu filho havia desaparecido após uma abordagem policial, o pai foi até o bairro da Calçada onde encontrou imagens de uma câmera de segurança que mostra seu filho sendo abordado, agredido e levado pelos policiais.
Apesar das tentativas dos acusados de encobrir seus atos, a tecnologia foi decisiva para elucidar os fatos. Durante a abordagem inicial, os policiais desligaram o GPS da viatura 2.2211 e cortaram a fiação da câmera instalada no veículo. Contudo, o sistema de rastreamento continuou emitindo sinais para uma central localizada em outro estado. Além disso, os radiocomunicadores portáteis e fixos das viaturas também registraram as localizações exatas dos veículos.
Essas evidências desmentiram o relatório de serviço elaborado pelos policiais, que alegaram terem realizado rondas em locais totalmente diferentes. As provas tecnológicas, combinadas com depoimentos de testemunhas, apontaram para a responsabilidade dos acusados no sequestro, tortura e assassinato de Geovane.
O Ministério Público destacou a motivação “torpe” do crime, afirmando que os policiais agiram de maneira arbitrária, valendo-se da autoridade conferida pelo Estado para cometerem a execução. Relatos indicam que Jesimiel conhecia Geovane previamente, pois o jovem era primo da esposa de sua ex-companheira. Há indícios de que a antipatia pessoal pode ter influenciado a abordagem inicial e o desfecho trágico.
A execução de Geovane escancara a fragilidade do controle sobre as ações policiais em Salvador. Embora os acusados tenham sido presos temporariamente entre 15 de agosto e 12 de outubro de 2014, o caso lança luz sobre a violência institucional e a necessidade de responsabilização de agentes do Estado.
Para a família de Geovane, o luto é permanente, mas a esperança é de que a justiça seja feita. E para a sociedade, o caso é um lembrete doloroso de que a luta contra os abusos policiais continua longe de terminar.
Quatro anos depois do crime, em 2018, foi decidido que seis dos 11 policiais militares denunciados pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA) por suspeita de envolvimento na morte de Geovane Santana Mascarenhas iriam a júri popular. Após idas e vindas, houve a decisão da juíza Gelzi Maria Almeida de Souza, do 1º Juízo da 1ª Vara do Júri, para o veredito popular. A última decisão é de 2023, mas o júri ainda não aconteceu.
Vão a júri Cláudio Bonfim Borges; Jesimiel da Silva Rezende; Daniel Pereira de Sousa Santos; Alan Morais Galiza dos Santos; Alex Santos Caetano; Roberto dos Santos Oliveira.
Os demais policiais foram inocentados pela Justiça por "inexistência de indícios suficientes de autoria". Os 11 policiais respondem ao processo em liberdade e, conforme a PM, desempenham atualmente funções administrativas. Todos foram denunciados pelos crimes de sequestro, roubo e homicídio qualificado por motivo torpe e sem possibilidade de defesa da vítima. Dos onze, seis policiais ainda foram denunciados por ocultação de cadáver.
Curtas do Poder
Pérolas do Dia
Capitão Alden
"Estamos preparados, estamos em guerra. Toda e qualquer eventual postura mais enérgica, estaremos prontos para estar revidando".
Disse o deputado federal Capitão Alden (PL) sobre possível retirada à força da obstrução dos apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Congresso Nacional.