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A Fórmula 1 pode estar retornando ao continente africano depois de mais de 30 anos sem ter um GP. O presidente da Federação de Automobilismo de Ruanda, Christian Gakwaya, confirmou o interesse do país em sediar uma etapa da principal categoria do automobilismo mundial.
Essa confirmação ocorre após declarações do CEO da F1, Stefano Domenicali, que anunciou uma reunião com representantes ruandeses em setembro para discutir a possibilidade de realizar uma corrida no país.
Ruanda vem se posicionando como um destino para grandes eventos esportivos, sendo sede da cerimônia de premiação da FIA deste ano e um ativo patrocinador de clubes de futebol como PSG e Arsenal.
A última corrida da F1 no continente africano ocorreu em 1993, na África do Sul. Caso o projeto ruandês realmente aconteça, irá marcar um retorno histórico para a categoria e para os apaixonados pelo esporte no continente.
Em visita à Etiópia, o presidente brasileiro Luís Inácio Lula da Silva afirmou neste domingo (18) que o Brasil tem uma dívida histórica com a África e defendeu que os países do hemisfério sul fortaleçam suas relações. A viagem ocorreu por ocasião da 37ª Cúpula da União Africana, que reuniu chefes de Estado e membros de governos dos 54 países do continente africano. Lula, que participou como convidado, também aproveitou a oportunidade para realizar reuniões e estreitar laços bilaterais.
"O Brasil não tem tudo, mas tudo o que o Brasil tem, a gente quer compartilhar com o continente africano. A gente quer devolver para eles, em forma de possibilidade e de desenvolvimento, aquilo que eles nos deram como força de trabalho durante 350 anos", disse Lula, em menção ao período em que perdurou a escravidão no Brasil. A contagem vai da chegada dos primeiros negros escravizados no Recife, em 1538, até a assinatura da Lei Áurea, em 1888.
De acordo com informações da Agência Brasil, Lula defendeu que o Brasil tenha uma relação preferencial com o continente africano e que sejam desenvolvidas parcerias estratégicas envolvendo a transição energética, a agricultura de baixo carbono e outros temas associados à questão climática. "Não só porque a África faz parte da nossa história, da nossa cultura, da nossa cor e do nosso jeito de ser, de falar e de cantar. Mas também porque o continente africano é uma espaço extraodrinário de futuro para quem acredita que o sul global será a novidade do século 21 na economia mundial", disse.
O presidente associou as dificuldades enfrentadas pela África com o histórico de colonização. "Isso vem desde a Conferência de Berlim de 1884, quando a África foi dividida pelos países do Velho Continente, para a Inglaterra, para a França e sobretudo para a Alemanha. A África era autossuficiente na produção dos seus próprios alimentos. Depois da colonização, esses países, muitos deles, deixaram de ser autossuficientes e hoje dependem da comida que vem dos antigos colonizadores", observou.
Para Lula, os países do hemisfério sul devem se fortalecer, ampliando os negócios entre si. "Já fomos conhecidos pelo planeta afora como países pobres, como países do terceiro mundo, como países subdesenvolvidos, como países em desenvolvimento. Não. Agora nós somos a economia do sul global. Queremos nos dar uma chance para que a gente faça com que o sul global, que tem parte do que o mundo precisa hoje, possa ocupar o seu espaço na economia, na política e na cultura mundial".
BILATERAIS
De acordo com o presidente, a viagem à Etiópia foi a mais importante que ele já fez neste governo, pois a 37ª Cúpula da União Africana lhe deu a oportunidade de conversar de uma só vez com quase todos os chefes de Estado do continente africano. "Se eu fosse visitar cada país seriam 54 viagens e seria impossível fazer".
Durante a visita ao continente, Lula teve reuniões bilaterais com alguns chefes de Estado. Uma delas foi com o presidente do Quênia, William Ruto, o qual manifestou interesse no maquinário agrícola do Brasil. Em outro encontro, com o presidente do Conselho Presidencial da Líbia, Mohamed al-Menfi, foi debatida a reabertura da embaixada brasileira no país, desativada desde 2014.
O deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO), associou a existência de ditaduras em países da África à falta de "capacidade cognitiva" da população africana, e afirmou que o "Brasil está emburrecido" e "segue o mesmo caminho das nações africanas".
Após a fala do parlamentar, que aconteceu durante um podcast, gravado na semana passada, foi emitido um pedido de cassação do deputado por racismo no Conselho de Ética da Câmara, pelas federais Duda Salabert (PDT-MG) e Tábata Amaral (PSB-SP).
Gayer publicou um vídeo afirmando que a fala dele foi tirada de contexto, e que o QI dos países africanos só seria menor que outros por conta da subnutrição, "que afetaria a educação e o conhecimento" e seria espalhada de forma proposital pelos ditadores.
Em outro momento do podcast, o deputado ofendeu o movimento feminista. O corte do trecho do vídeo ainda foi publicado pelo parlamentar em suas redes sociais.
O parlamentar já é alvo de outras duas representações no colegiado da Casa.
Quem é baiano provavelmente já ouviu os versos da cantiga que diz “São Cosme mandou fazer/ Duas camisinha azul/ No dia da festa dele/ São Cosme quer caruru”. É certo também que muita gente fica eufórica em setembro, na ânsia pelos convites para se esbaldar nos tradicionais banquetes em homenagem a Cosme e Damião e aos Ibejis.
Na esteira dos festejos, após receber muitos pedidos por orientações sobre o preparo dos pratos típicos do período, a afrochef baiana Paloma Zahir, que comanda o Kissanga Restaurante, em Salvador, resolveu fazer mais do que ensinar os passos dessa gastronomia regada a dendê. Ela decidiu desvendar os mistérios por trás desse costume bem baiano, juntando cozinha, história, cultura, religião, tradição e solidariedade.
“[Elas perguntavam] ‘Paloma, como é que faz o caruru, como faz o vatapá? O xinxim o tempero não pega direito, tem algum toque, tem algum segredo?’. E aí eu parei pra pensar em como entregar um conteúdo com mais qualidade para as pessoas. Eu falei ‘pô, não quero ficar só dando direcionamentos curtos, vou formular uma coisa mais completa’. E aí, pelo fato de eu ser uma mulher de Axé, de ser iniciada no Candomblé, eu lembrei de como iniciou a tradição aqui do caruru de Cosme e Damião e toda essa questão também da fraternidade, de matar a fome das pessoas”, explica a cozinheira, que, neste sentido, resolveu criar o Workshop Caruru dos Ibejis, para apresentar dicas culinárias, mas também promover discussões sobre ancestralidade (saiba mais).
Totalmente virtual, o projeto será ministrado ao vivo, na próxima segunda-feira (20), a partir das 13h, por meio da plataforma Zoom. Para aqueles que não puderem acompanhar em tempo real, o conteúdo ficará disponível pelo período de um mês. O ingresso custa R$ 50 e a renda vai ser totalmente revertida para o Instituto Conceição Macedo, que apoia pessoas soropositivas na capital baiana. Além disso, o caruru preparado durante a atividade também será doado em quentinhas distribuídas nas ruas de Salvador, para pessoas em vulnerabilidade social. “Com toda essa pegada caótica que a gente está tendo na economia e como está mais difícil pra colocar comida na mesa, é uma forma também de eu estar entregando meu Axé às pessoas, em forma de comida, em forma de afeto”, pontua Paloma.
"É uma forma também de eu estar entregando meu Axé às pessoas", diz chef baiana que promove workshop sobre o tradicional caruru de Ibejis ou de Cosme e Damião | Foto: Divulgação
DICAS PARA MANDAR BEM NO CARURU
Ao Bahia Notícias, a chef deu alguns macetes para fazer um caruru como manda a tradição, sem sair de um orçamento que caiba no bolso. “Partindo da situação econômica do país, uma dica coringa é você começar a comprar os ingredientes com antecedência”, alerta a especialista, garantindo “uma economia absurda” para aqueles que não deixam para adquirir os produtos em cima da hora.
Outro ponto importante apontado por Paloma Zahir é evitar os excessos. “Em relação à questão de tempero, acho que as pessoas erram quando colocam mais itens do que o necessário. Porque comida baiana, principalmente o caruru de Cosme e Damião, dos Ibejis, que é uma comida votiva [comida preparada para oferecer a divindades], o tempero não é cheio de ingredientes”, adverte a cozinheira. “O único que leva mais tempero mesmo é o vatapá, com as oleaginosas, o amendoim e a castanha. Mas no caruru, no xinxim e outras coisas, o tempero é básico. Tem gente que eu vejo colocando coentro, colocando tomate, que são coisas que não devem ser utilizadas”, instrui.
Paloma explica ainda que na gastronomia baiana há uma base simples para o preparo da maioria dos pratos: cebola e camarão defumado. Mas não o crustáceo tingido com corantes, que custa mais barato, e sim aquele que passa por um processo de cura com fumaça de verdade. “O segredo do caruru é você ter um bom camarão. O camarão é um dos personagens principais na composição do tempero”, resume.
“O segredo do caruru é você ter um bom camarão", alerta a cozinheira | Foto: Divulgação
A HISTÓRIA POR TRÁS DO BANQUETE
Todo mundo já foi criança um dia, e, na Bahia, provavelmente já figurou entre os sete meninos servidos com o caruru de Cosme e Damião, ou dos Ibejis. A origem desta tradição, assim como o motivo da celebração no mês de setembro e o porquê de um banquete tão vasto em guarnições são algumas das informações que serão detalhadas no workshop.
“Vou falar como iniciou a tradição, vou contar os itans, porque se originou essa tradição na Bahia, como tudo ocorreu, para as pessoas entenderem. Porque o pessoal tem muito a cultura de comer o caruru, mas não procurar saber o porquê. Por que ele é em setembro? Como se iniciou?”, promete a afrochef. “Então, a questão é mesmo de trazer esses questionamentos e mostrar o quanto a cultura e a religião é potente ainda no nosso dia a dia”, pontua.
Para os leitores do BN, Paloma adiantou algumas explicações. Conta a lenda que Exu costumava entrar no palácio e devorar toda a comida servida ao rei Xangô. Contrariado, o orixá da justiça resolveu armar uma cilada com a ajuda de seus dois filhos gêmeos, os Ibejis, que propuseram um desafio para que o visitante parasse de “roubar” a comida do pai.
“Essa questão dos pratos vem do Itan, os contos africanos. O que acontece? Os Ibejis são os filhos de Oyá e Xangô. Teve uma certa vez que Exú desafiou Xangô em questão de dança, e aí Xangô colocou seus filhos, sem Exu saber. Então, a questão era, Exu disse que aguentava dançar por muito tempo. Xangô então colocou um dos Ibejis pra tocar. Ele tocava, tocava, tocava, e quando um ficava cansado o outro trocava de lugar. E Exu não percebia isso, porque, na verdade, ele estava comendo as coisas de Xangô. E aí ficou nessa questão e Exu não aguentou (risos) e perdeu”, conta Paloma.
Vencida a aposta, Xangô decidiu dar uma compensação aos filhos. “Aí, em comemoração a isso, Xangô perguntou aos Ibejis o que eles queriam. Eles falaram que queriam o que ele recebia, mas como Xangô comia amalá, com rabada e pimenta, que Ibejis não gostam, eles disseram que poderia ser o caruru mesmo”, narra a chef baiana, lembrando que a celebração não ficou restrita aos gêmeos. “Ele convidou também os outros orixás e cada um levou seu prato preferido, por isso que é o banquete. Tem o caruru de Ibeji; tem o vatapá, que é uma associação ao ipeté de Oxum; você vê a abóbora, que tem enredo com Iansã; o abará a Oxum também; arroz a Iemanjá; o milho branco a Oxalá; e por aí vai. Então, todos os orixás são representados ali naquele banquete. Por isso que o banquete é grande, porque todos os orixás estão ali em comunhão com Ibeji”, detalha os motivos pelos quais o caruru dos Ibejis é tão farto.
Os sete meninos, por sua vez, são representados pelos Ibejis, que não são apenas os dois gêmeos filhos de Xangô. “Tem uma legião de sete crianças, de sete divindades africanas, que não são cultuadas totalmente aqui no Brasil, porque a cultura foi se perdendo. Com o tráfico dos negros pela a travessia atlântica e aquela questão de você não ficar com pessoas da mesma região, então as culturas foram se dispersando, foram tendo uma fusão com a questão da resistência. Então aqui ficou só o culto a Ibeji no Ketu, ou Vunje na nação de Angola, Jeje, por essa questão. Então eles pegaram e cultuaram dois, que é Taiwo e Kehinde, mas tem as outras cinco divindades”, conta a chef. Os outros cinco são Idhoú, Alabá, Talabí, Adoká e Adosú, sobre os quais ela também vai falar no seu workshop.
Registro de Pierre Verger do Caruru de Sete Meninos
TRADIÇÃO NA BAHIA E ASSOCIAÇÃO COM COSME E DAMIÃO
Não é segredo para ninguém que existiu e ainda segue existindo preconceito contra as religiões de matriz africana no Brasil. Foi por isso, que na Bahia, o caruru dos Ibejis foi associado aos santos Cosme e Damião, celebrados pelos católicos em 26 de setembro.
“A gente tem os Ibejis, que são as duas crianças, e temos Cosme e Damião. Como já tinha essa cultura da comemoração do dia de Cosme e Damião, uma grande ialorixá aqui da Bahia fez isso [associar as divindades africanas aos santos], porque ela queria continuar a dar o caruru, que era uma tradição dos Ibejis, mas tinha a questão da perseguição religiosa”, explica Paloma Zahir. “Não gosto do termo sincretismo religioso, eu vejo isso como uma questão de resistência mesmo que os negros tiveram naquela época pra poder continuar a seguir com sua religião e sua culturas”, pontua.
“Pra ter liberação desse culto, tinha que dizer que era de Cosme e Damião, já que ficava próximo da data de comemoração deles. Então, é mais uma maneira de fortalecer e seguir a tradição, e um jeito de burlar mesmo a perseguição”, destaca a cozinheira sobre a estratégia usada para manter um costume que era proibido pelas autoridades da época. “O que aconteceu foi que as crianças começaram a aparecer próximo da roça de Candomblé, e aí ela serviu o caruru, as crianças ficaram brincando, teve aquela profusão de crianças, e daí continuou essa cultura, essa tradição, até os dias de hoje. O caruru de Cosme e Damião, o caruru dos Ibejis, veio em celebração a matar a fome das crianças que estavam passando por necessidade. Foi uma maneira também que o Candomblé achou de ajudar ao próximo, ajudar os seus irmãos”, acrescenta.
E foi assim que o célebre caruru se tornou um delicioso costume em setembro na Bahia. Especificamente, a festa é celebrada no dia 26 pelos devotos de Cosme e Damião e 27 por aqueles que cultuam os Ibejis, mas o hábito acabou se estendendo por todo mês de setembro.
Consumir os pratos típicos da culinária baiana virou tradição também às sextas-feiras. Segundo Paloma, isso é fruto de herança ancestral dos negros, pois é neste dia da semana que eles se reorganizam e fazem um banquete para entrar em comunhao entre si e comer bem. “As pessoas acham, erroneamente, que preto não pode ter fartura, mas os africanos têm fartura em sua essência. E a sexta-feira é o dia de estarem entre si, de lembrarem de onde vieram. Acaba sendo um momento de resistência”, conclui a chef, orgulhosa de ser mulher, preta, baiana e de Axé.
Exibir perspectivas fílmicas presentes em África e ir para além da identidade coletiva que se pensa quando menciona-se as produções artísticas e culturais do continente além mar. Esse é o objetivo da Mostra de Cinemas Africanos, que este ano acontece de maneira virtual, entre os dias 12 e 22 de março.
Com o conteúdo totalmente gratuito e disponibilizado na plataforma Spcine Play, a edição de 2021 traz obras que abordam realidades distintas em duas categorias: de documentários, intitulada "Ativismo, crítica social e protagonismo feminino", e de curtas, que gira em torno das temáticas "memórias, vivências e corpo-território".
Frame do longa "Pare de nos Filmar" (2020) | Foto: Divulgação
No evento realizado desde 2018, a novidade está no incremento do Cineclube Mário Gusmão, um grupo de pesquisa e extensão da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), na produção do evento e no processo de seleção dos curtas-metragens que serão disponibilizados.
Para a cineasta Jamile Cazumbá, coordenadora do Mário Gusmão, a participação do grupo faz com que sejam postas as diversas performances destas pessoas que compõem o grupo e com que este momento participativo também seja um mecanismo de caráter formativo que expande a experiência dos estudantes universitários para além do espaço acadêmico.
"A própria Mostra de Cinemas Africanos tem na sua história trazer narrativas que abriguem esse lugar do continente, obviamente, e principalmente, trazer as pluralidades e indivudualidades. Então, são filmes, curtas-metragens, longas, que vão mostrar histórias inseridas em um lugar político/histórico de cada vivência, mas também trazer um caráter que tem a ver com o subjetivo e com as pessoas desses lugares", explica Jamile sobre a conversa com as potências plurais na mostra.
Cazumbá ainda conta que a intenção da mostra, que tem um leque de atividades, é atingir um público amplo. Além das exibições de filmes, a programação conta com comentários de especialistas nos programas de curtas, uma mesa redonda sobre o documentário nos cinemas africanos contemporâneos e a produção de um catálogo com apresentações dos filmes e textos de convidados.
Curta "Boa Noite" (2019) | Foto: Divulgação
Uma das idealizadoras da mostra e integrante da equipe curatorial de longas, junto com Beatriz Leal Riesco, Ana Camila Esteves destaca que a escolha pelos documentários como o gênero cinematográfico desta edição se deu por causa da grande produção de filmes africanos que seguiam esse direcionamento vista em festivais que circularam mundo afora.
"A África tem uma produção excelente de documentários e os destaques a gente quis trazer. Quisemos focar um pouco no cinema-documentário, discutir um pouco nos contextos dos cinemas africanos. Selecionamos sete longas, todos inéditos no Brasil e que giram em torno dessa ideia de ativismos contemporâneos no continente africano", reforça Ana Camila.
O intuito, explica a realizadora, é gerar uma reflexão sobre como se dá a representação dos ativismos contemporâneos nesses cinemas africanos, surgidos na década de 1960, em um contexto marcado por resistências e uma luta anticolonial. O repertório de filmes lança luz sobre protestos, eleições em países africanos e resistências sobre experiências individuais em situações específicas.
Outro objetivo é dar ênfase para produções rodadas na África, pouco visibilizadas no Brasil. "A mostra existe para preencher essa lacuna. Os filmes só vão ter visibilidade se forem exibidos. No Brasil, existe uma falta de interesse dos curadores de festivais, dos críticos de cinema e de confiança das distribuidoras desses filmes no circuito comercial", desenvolve Ana Camila.
Ela diz observar uma dinâmica de crescimento do evento ao longo dos anos e um futuro promissor devido a demanda que existe acerca do acesso do público a esta produção.
Confira a programação completa da Mostra de Cinemas Africanos:
- 12/03 (sexta-feira): Pare de nos filmar (República Democrática do Congo, 2020)
- 13/03 (sábado): Programa de curtas 1: Memória: performatividades entre-tempos. Filmes: Um cemitério de pombos (Nigéria), Invisíveis (Namíbia), Treino Periférico (Guiné Bissau), Bablinga (Burkina Faso), A lutadora de boxe (Senegal)
- 14/03 (domingo): Softie (Quênia, 2020)
- 15/03 (segunda-feira) Programa de curtas 2: Vivências do novo e perspectivas do agora. Filmes: Encrenqueiro (Nigéria), Perdendo Minha Fé (Nigéria), Tab (África do Sul), Cabelo com Balanço (África do Sul), Boa Noite (Gana)
- 16/03 (terça-feira): Um Lugar sob o Sol (Marrocos, 2019)
- 17/03 (quarta-feira): Programa de curtas 3: Corpo-território: transversalizando os espaços. Filmes: Ethereality (Ruanda), Ward e a Festa da Henna (Egito), O Azul Branco Vermelho do meu Cabelo (França), Gagarine (França)
- 19/03 (sexta-feira): Sakawa (Gana, 2018)
- 20/03 (sábado): Descobrindo Sally (Etiópia, 2020)
- 21/03 (domingo): Vamos Conversar (Egito, 2019)
- 22/03 (segunda-feira): Me Chamo Samuel (Quênia, 2020)
Com formação em jornalismo, o carioca Rafael Cosme diz nunca ter exercido o ofício, mas há cerca de três anos conta histórias através de retratos de tempos remotos, no projeto “O Passado é Um Ponto de Luz”. “Eu fico o dia inteiro, basicamente, caçando histórias do passado, pautas de outros tempos”, reflete. O músico e pesquisador revela que a iniciativa surgiu a partir de um trabalho de pesquisa e do garimpo de fotografias em brechós, feiras de antiguidades e depósitos, para o livro “Sonho Rio”, obra sobre o Rio de Janeiro antigo, classificado como uma espécie de “guia de uma cidade que não existe mais”, que ele terminou de escrever recentemente.
“Fui reunindo as fotos e em algum momento eu vi que tinha um acervo muito rico de fotografia amadora. E aí a minha motivação, na verdade, é que comecei a entender que muitos fotógrafos não profissionais deixaram obras muito bonitas também, eles simplesmente não tiveram projeção e oportunidade de divulgar seus trabalhos. Então comecei a entender que existe muita beleza na fotografia amadora”, lembra o carioca, que já reuniu mais de 3 mil fotos. “Elas ficam acumulando poeira por décadas e o meu trabalho é justamente buscar esses acervos com obras legais de pessoas que não tinham exatamente uma pretensão artística e dar luz a elas, revelar essas obras”, explica.
Parte desse vasto material pode ser conferido no Instagram de Rafael Cosme, que conta com registros do Rio entre as décadas de 1950 e 1990, a exemplo de fotos inéditas de Milton Nascimento, datadas de 1968. “Apesar de muito sério, o projeto começou a ser apresentado de maneira muito despretensiosa, para os meus amigos mais próximos, pelo Instagram. De repente, ele tomou uma proporção muito grande, porque muita gente começou a me seguir”, explica o carioca, que diz ter planos de “levar o projeto pra outros lugares”.
Foi dentro de “O Passado é Um Ponto de Luz” que chegaram a público, nesta semana, fotografias raras da Festa de Iemanjá datadas da década de 1970. Uma das imagens, inclusive, mostra um homem que, segundo Rafael, “muito possivelmente” é Pierre Verger, fotógrafo francês radicado na Bahia.
A descoberta deste material se deu porque, já habituado ao garimpo em sua terra natal, Rafael teve o interesse de investigar fotografias antigas em Salvador, considerada por ele sua cidade favorita no Brasil. “Esse acervo especificamente eu encontrei faz dois anos, numa loja no Santo Antônio Além do Carmo, que é o Brechó do Cabral”, conta o pesquisador, lembrando que o os negativos e slides sequer estavam expostos, mas sim guardados no sótão, porque acreditava-se que ninguém se interessaria por eles.
“Eu saí daquela loja com uma bolsa enorme de negativos de um fotógrafo que eles também não sabiam de quem se tratava. Voltei pra casa com essa bolsa sem saber exatamente a origem e o material. Estava tudo muito bem organizado, com datas e descrições dos eventos. E quando eu digitalizo isso me deparo com um acervo enorme de festas, cultos e terreiros de Salvador”, relembra.
Imagem da Festa de Iemanjá com a possível presença de Pierre Verger, em destaque | Foto: Acervo
Do que foi encontrado na capital baiana, Rafael considera que catalogou cerca de 300 registros, tanto em preto e branco, como coloridos, datados dos anos 1960 e 1970, com imagens da Bahia e também de uma viagem à África. “Essa série do Dois de Fevereiro é a primeira de muitas que eu vou publicar, porque tem muita coisa nesse acervo”, prevê o pesquisador, que tem em mãos registros antigos da Lavagem do Bonfim e também fotografias de terreiros.
Ainda no início do trabalho de reconhecimento do acervo, a autoria das fotos encontradas na capital baiana segue sendo um mistério. “Não havia nenhum registro ou identificação do autor nos envelopes”, conta Rafael Cosme, que atualmente pretende contactar profissionais locais para ajudá-lo a identificar e mapear os registros, com o objetivo de entender o contexto das fotografias.
RIQUEZA DO PASSADO, MIRANDO O FUTURO
Além de se debruçar neste material que já tem em mãos, Rafael Cosme pretende dar continuidade aos planos “interrompidos pela pandemia” e divulgar mais todo o acervo. “Ano passado eu ia fazer uma exposição em julho aqui no Rio, mas obviamente foi cancelada. Mas eu tenho planos de fazer exposições com essas fotos, de levar esse material para galerias, dar um tratamento de arte mais sério a ele e tirar ele da rede, apesar de ser um bom lugar”, planeja.
O pesquisador conta ainda que tem o desejo de replicar a experiência do garimpo feito na capital baiana em outras cidades. “Um projeto que eu tenho para esse ano é viajar pelo Brasil, como fiz em Salvador, em busca desses acervos fotográficos, rodar pelas cidades pequenas do Nordeste”, revela. “Toda cidade pequena tinha algum fotógrafo na praça que registrava uma geração inteira, e eu vou atrás disso”, pontua.
Dentro dessas andanças, ele diz que planeja também realizar na Bahia o que fez em sua terra natal. “O meu plano é, assim que as coisas se acalmarem, ir pra Salvador e transportar esse projeto do Rio para aí também. Quero criar raízes e buscar mais acervos pelo Recôncavo, por exemplo. Quero passar um tempo em Cachoeira e buscar acervos de lá, e, com certeza, está no meu radar expor essas fotos aí”, garante. “Porque, na verdade, elas pertecem aos brasileiros, mas, acima de tudo, pertencem aos baianos”, destaca.
Outra ambição de Rafael é conseguir, ainda em 2021, publicar um novo livro, com as fotos do projeto “O Passado é Um Ponto de Luz”.
A montagem Embarque Imediato será encenada nesta quarta-feira (8), às 21h30, no perfil do Sesc ao vivo (Instagram) e no canal do Sesc São Paulo, no Youtube. Estrelando os atores Antônio e Rocco Pitanga e a atriz Camila Pitanga, o espetáculo narra a história de um pesquisador brasileiro (Rocco) e um idoso africano (Antônio), que são confinados pela imigração numa sala de aeroporto.
O primeiro perdeu passaporte e identidade; o segundo, um descendente dos Agudás - africanos escravizados no Brasil que retornaram ao país de origem após alforria - foi retido sem explicações. Os dois discutem as diferentes gerações da diáspora equanto, em vídeo, Camila Pitanga vive uma agente de imigração.
A peça coloca pela primeira vez em cena Antônio Pitanga e seu filho, o ator Rocco Pitanga. Embarque Imediato é também a celebração dos 80 anos de Antônio Pitanga, um artista importante para o cinema, teatro e TV brasileiros, além de uma das vozes na defesa dos direitos de negros e negras no país.
SERVIÇO
O QUE: Espetáculo "Embarque Imediado"
QUANDO: Quarta-feira, 8 de julho.
ONDE: Nos canais Sesc ao vivo (Instagram) e Sesc São Paulo (no Youtube)
QUANTO: Gratuito
Com a participação de baianos e turistas, gente de todas a cores e credos, além dos contrastes da liturgia e devoção das oferendas em contraponto ao descompromisso do profano expresso por como shows musicais e latinhas de cerveja, hoje a Festa de Iemanjá é um dos mais importantes eventos calendarizados realizados em Salvador. Ela, no entanto, remonta a uma tradição ancestral africana que cruzou o Atlântico e chegou ao Brasil através da diáspora e que, ao longo do tempo, foi reformulada.
“Se você vai para a África, Iemanjá é cultuada no período de colheita do inhame e tem uma ligação direta com a alimentação que envolve a cidade toda. Então, é muito próximo ao que a gente vê no 2 de Fevereiro. Não é o inhame, mas é o mar. Ela é o mar. Para além de qualquer coisa, vão estar relacionados os marisqueiros, pescadores, vendedoras. Existe um circuito de pessoas que está preservado”, explica Luciana de Castro N. Novaes, ialorixá, professora, historiadora, mestre em Estudos Étnicos e Africanos pela Ufba e em Arqueologia pela UFS, além mergulhadora científica de águas profundas, doutora em Ambientes Aquáticos e doutoranda em Antropologia.
Luciana lembra que, na capital baiana, o evento oficial está registrado na década de 1920, a partir da colônia de pescadores do Rio Vermelho, por intermédio da ialorixá Julia Bugan, com o objetivo de pedir por fartura nas redes. “Havia uma queixa de que não havia peixes, que reduziu essa quantidade, e aí uma mulher misteriosa aparece dentro desse contexto para indicar essa criação para a Mãe D’Água. O termo Iemanjá neste momento ainda não existe, mesmo que exista a nível pessoal. A forma que essas pessoas vão entender isso ainda é como Mãe Iara, Mãe D’Água, esses são os dois principais nomes”, lembra a pesquisadora, destacando que a festa soteropolitana nasceu e ganhou contornos específicos, frutos das tradições africanas. “O princípio de culto às águas é universal, é global, está em todas as culturas, mas a nossa relação com o culto às águas está genuinamente ligada ao panteão africano”, afirma Luciana. “Dentro dos meus estudos, Iara nunca existiu entre as sociedades indígenas. Iara é uma corruptela nominal que desdobra do termo Ipupiara, que é um monstro marinho. Os Tupinambás aqui do litoral da Bahia não tinham uma relação positiva com o mar. O mar, a praia, era um espaço, vamos dizer assim, selvagem, um espaço que não era domesticado. Eles moravam após os cordões de areia das nossas dunas. Então, essa relação com o mar em específico está diretamente ligada à diáspora africana e a um culto já milenar às águas, tanto na África Ocidental, quando na África Central, de onde vieram os maiores fluxos linguísticos para produzir civilização nesse território americano”, detalha.
A historiadora conta ainda que o Rio Vermelho não foi o único local da cidade no qual existia o culto à Mãe D’Água, e que isso ocorria em diversos pontos da Baia de Todos-os-Santos. “Você vai ver pequenas grutas ainda em Ondina; eu vi uma notícia tenho que confirmar se é isso mesmo, sobre uma perto do MAM; tem uma perto da Ribeira, ou seja, havia uma construção específica, que era a gruta de pedras na beira do mar, em que havia esse culto”, revela Luciana. “Isso é inédito. É um objeto de pesquisa que eu venho namorando há alguns anos. O que eu consegui até agora concluir é que essas casinhas de pedra marcam uma transformação, que é, de fato, o controle dessa manifestação religiosa na esfera pública como um marcador de tradição africana. Então, oficialmente, o presente a Iemanjá surge na década de 1920, entretanto, minhas pesquisas dentro desse mundo aquático estão mostrando, desde o final do século XIX, principalmente nas primeiras décadas do século XX, pela figura de Artur Ramos, que havia já uma devoção às águas na praia da Boa Viagem. O que ele comenta é que no posterior à festa, meninos iam para os arrecifes, os corais, para coletar de tudo um pouco. Pentes, espelhos, bordados, tecidos e cartas. Essas cartas é que me fazem compreender que existe mais que uma correlação do que uma ruptura entre esses momentos que vão ser ao longo do século XX”, acrescenta.
Historiadora e arqueóloga, Luciana de Castro recua no tempo para explicar a origem do evento | Foto: Paulo Victor Nadal / Bahia Notícias
RIO VERMELHO E O 2 DE FEVEREIRO
A consolidação do 2 de fevereiro como data e do Rio Vermelho como palco do que conhecemos como Festa de Iemanjá se deram por uma confluência de fatores, um deles o fato de neste período ocorrerem no bairro as festividades para Nossa Senhora de Santana. “No Rio Vermelho ganhou essa proporção, essa popularização, primeiro porque a gente está na parte litorânea fora da Baía de Todos-os-Santos, ou seja, já faz parte de um processo de extensão da cidade. A gente também tem que pensar que a festa surge através de pessoas, e a colônia de pescadores naquela região era algo forte, algo potente. A gente tinha ali a Casa de Peso, que hoje não existe mais e ficava perto da igreja de Nossa Senhora de Santana, havia um circuito complexo de trabalho, compra, venda. Fora que Nossa Senhora de Santana sempre foi muito popular, e foi uma freguesia também poderosa dentro desse contexto do final do século XIX”, explica a pesquisadora, destacando a conjuntura que favoreceu os contornos da festa. “Nesse sentido, o que acontece é que você transforma algo que é um princípio da vida humana, que é essa oferta, essa gratidão, conversação, em uma tradição. O que é uma tradição? Hora, dia, lugar, signos, é um conjunto. Então, a tendência é, de fato, difundir quando você tem algo organizado, seja uma festa ou uma ideia, um pensamento. Qualquer coisa, quando está muito redondo, acontece”, pontua.
Apesar da coincidência da data da festa com o momento em que se celebrava uma santa do cristianismo – hoje a festa de Nossa Senhora de Santana acontece em 26 de julho -, Luciana de Castro destaca que, entre 1920 e 1930, a Festa de Iemanjá adquiriu uma autonomia direta ao culto à orixá. “Você vê que o nome Festa de Iemanjá carrega uma nomenclatura iorubá que está dentro de um nome. É a única festa que não é sincrética. Não é a Festa de Nossa Senhora da Conceição da Praia, que você cultua Iemanjá, Oxum, Nanã. Não é o dia das mães ou o réveillon, que tem uma nomenclatura francesa. É a única festa que carrega na sua identificação pra quem é. Você vai lá não porque vai cultuar Nossa Senhora da Conceição, você vai para cultuar Iemanjá”, conclui.
EMBRANQUECIMENTO E APAGAMENTO DA HISTÓRIA
No ano passado a cidade vivenciou um momento controverso, após a prefeitura utilizar peças publicitárias nas quais a nomenclatura “Festa de Iemanjá” foi substituída por apenas “2 de Fevereiro”. Na ocasião, o Ministério Público estadual (MP-BA) recomendou que a administração municipal excluísse ou alterasse a propaganda (clique aqui). A promotora de Justiça Lívia Vaz defendeu que a manifestação é denominada como tal por conta de sua origem associada ao candomblé, e que, portanto, o desvirtuamento ofende a integridade dos legados cultural e identitário dos povos de terreiros de religiões afro-brasieiras. “Cabe ao poder público, portanto, preservar e garantir a integridade, respeitabilidade e a permanência dos valores da tradicional manifestação cultural e religiosa”, afirmou a promotora.
Diante da pressão, o poder público não só reverteu a propaganda, como a Justiça deu o pontapé inicial para que ela fosse reconhecida como Patrimônio Cultural de Salvador (clique aqui e saiba mais). “Precisava haver uma abertura de um processo que garantisse a patrimonialização da festa. Então, assim foi feito. Não foi por mim, mas outras pessoas importantes também se sentiram incomodadas com esse processo de desidentificação, de embranquecimento”, comentou a historiadora Luciana da Costa. “Você pode colocar seu palco, fazer sua festa, mas você não pode destituir este dia no calendário para nomear outra coisa”, acrescenta.
Propaganda da prefeitura reacendeu discussão sobre embranquecimento e desidentificação | Foto: Divulgação
APROPRIAÇÃO CULTURAL
Apesar de casos como o apagamento da identidade por meio de ações como a omissão de Iemanjá no nome do evento, Luciana destaca que nem tudo é apropriação cultural, mas grande parte das atitudes são fundamentadas pelo racismo estrutural da sociedade, expressas muitas vezes pelo desconhecimento e ignorância. “As pessoas que estão ali na Festa de Iemanjá, duvido muito que aquelas que pegam a fila, que vão deixar o presente ou colocar uma rosa estão em processo de apropriação cultural. Porque naquele momento ela está em uma relação íntima, pessoal, e não pública de massa, aparência ou estética. Ela está ligada aos seus desejos internos. Necessariamente, ela pode não estar em processo de apropriação cultural, mas ser racista”, avalia a historiadora. “O que eu penso sobre apropriação cultural é, por exemplo, transformar o 2 de Fevereiro, que é uma festa historicamente marcada pela liturgia, pelo religioso, como um festival musical. A apropriação cultural em festas públicas está para além das pessoas e alcança as empresas, que transformam isso dentro de uma lógica mercadológica e que negam”, explica a pesquisadora, definindo a apropriação cultural como “quando você transforma símbolos, signos e significados de uma outra cultura, dentro de uma interpretação que só atende a você, branco, e critérios não históricos”.
Citando o exemplo de mulheres que não são do Axé, mas se vestem de Iemanjá, ela pontuou que este é um momento de se observar. “Dentro desse específico ponto, é um momento de se pensar a apropriação cultural, porque quando se vende a festa, não se vende mais a festa. As redes sociais, o senso comum, o boca a boca vende como mais uma festa de largo, como mais uma lavagem, que é de fato a característica que da década de 1940 pra cá veio sendo construída”, avalia, destacando que a Festa de Iemanjá não pode ser entendida como propriedade de uma única religião, mas que é importante observá-la como festa pública com valor de patrimônio. Tendo isto em vista, ela explica que não existe um protocolo ou um “beabá” de como a pessoa se comportar para não ser racista, já que esta não é uma questão somente comportamental, mas também de consciência. “Pode ir de branco, colorido, pode ir de tudo, porque ali não é uma festa sagrada de caráter religioso particular, para uma religião específica, mas sim com contornos patrimoniais”, diz Luciana. “A gente percebe aquela pessoa que usa conta, a guia, o colar, porque é da religião, ou até simpatizante, ou aquele indivíduo que utiliza este dia para se fantasiar ou se integrar à multidão. No sentimento comunal, de partilha, já que a gente vive em ilhas dentro da cidade. Então as festas de largo e as lavagens têm esse principio da reunião da cidade. Você vai ver representantes de todos os bairros” afirma, lembrando que quem garante a manutenção da tradição, de fato, são as pessoas do Axé, os negros e pessoas com consciência étnico-racial. “A gente tem que parar de taxar o outro. Você não sabe o que está passando na cabeça daquela criança. Ela pode estar lá toda de sereia, de tudo, mas na cabeça dela é uma forma amorosa de relação. Agora, quando você abrir a boca, saiba falar, pra sua máscara não cair”, pondera.
Luciana destaca caráter íntimo no ato de participar de homenagem a Iemanjá Foto: Jamile Amine / Bahia Notícias
RACISMO INSTITUCIONAL
Outro ponto importante destacado pela antropóloga é o racismo institucional, manifestado através campanhas, que podem até ser bem intencionadas, mas que não dão conta de explicar a amplitude da tradição e acabam incentivando o preconceito. Um exemplo disto é a mobilização para o uso de oferendas ecológicas, sem que haja a preocupação em deixar claro para a população que a Festa de Iemanjá nasce justamente pelo culto à água e está pautada também na preocupação com o meio ambiente. “A problemática está muito no nível da esfera das políticas públicas, porque, por exemplo, existe, concordo, faço na minha casa o pensamento de um presente ecológico. A tendência é essa, mundial, global, a preocupação com o meio ambiente. Só que a festa é, na verdade, uma valoração aos ambientes aquáticos, entretanto, há uma política pública voltada massificamente para se pensar no que vai se entregar à divindade Iemanjá. No entanto, eu não vejo medidas, durante o ano todo, que afetem outra comunidade que não a afro-baiana”, questiona a pesquisadora. “Não existe uma preocupação com o esgoto, com o sistema pluvial, não tem preocupação nenhuma em como reduzir a quantidade de material poluído no mar. Então, mais uma vez eu consigo visualizar isso como uma prática de racismo institucional, em que você condena uma determinada parcela da população, única vez no ano, para simplesmente falar de toda uma problemática industrial e empresarial”, conclui.
Prestes a estrear no Teatro Sesi, o espetáculo infanto-juvenil "O Jabuti e a Sabedoria do Mundo" leva ao palco três mitos de origem nigeriana. Com direção de Guilherme Hunder e encenação do Cooxia Coletivo, as lendas são contadas por cinco jabutis-griôs brasileiros, que se reúnem em um mundo distópico para dividir histórias sobre o continente africano.
Em conversa com o Bahia Notícias, o diretor explica que o primeiro ato é tomado pela lenda "Ossain e o Poder das Ervas". Adaptado das narrativas do fotógrafo baiano Pierre Verger, o texto conta como Ossain começou a partilhar a sabedoria das folhas com os outros orixás.
Em seguida, a história que dá nome à peça será narrada. Ela fala sobre um jabuti que viajou o mundo inteiro roubando a sabedoria de todos os lugares para mantê-la só para si. Spoiler: no final, ele descobre que, por mais que a esconda, a sabedoria sempre se renova.
Por último, os jabutis apresentam "O Caçador Serpente". Neste conto, um velho recorre a um feitiço para recuperar suas habilidades de caça, já que sente que sua família passou a esnobá-lo. Um feiticeiro atende seu pedido, dando a ele a possibilidade de se transformar em cobra para caçar, mas seu segredo é descoberto e o homem fica para sempre preso no corpo de serpente.
"A gente queria falar muito dessa coisa da ancestralidade e aí de um ano pra cá, eu comecei a me debruçar muito sobre essas histórias. Cheguei a um livro que chama "Tem Oba Oba no Baobá", de Claudia Lins. Depois comecei a pesquisar outros materiais, a gente foi afunilando... Mas falar de assuntos que tangem à diáspora africana e não apresentar esse universo, não integrá-lo à questão da mitologia no que diz respeito aos orixás, por exemplo, não tem muito sentido, já que é o que é mais discriminado pelo senso comum", defende Hunder.
Foto: Diney Araújo
A peça infantil está prevista para ficar em cartaz durante quase todos os fins de semana de novembro, período em que se celebra o Mês da Consciência Negra. Esse escolha, claro, foi intencional.
Ao BN, o diretor disse que o plano era estrear o espetáculo na metade do mês, mais próximo ao Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro. “A gente já estava pensando nesse sentido por ser um mês simbólico, mas aconteceu de estrear logo no comecinho, o que também é bem bacana porque a gente está somando forças nesse período tão significativo”, ressalta.
“O Jabuti e a Sabedoria do Mundo” será encenado sempre aos sábados e domingos, de 2 a 24 de novembro, no Teatro Sesi Rio Vermelho. As sessões iniciam às 16h. Os ingressos, que já estão à venda no portal Sympla, custam R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada).
SERVIÇO
O QUÊ: Espetáculo ‘O Jabuti e a Sabedoria do Mundo’
QUEM: Cooxia Coletivo
QUANDO: Todos os sábados e domingos, de 02 a 24 de novembro, às 16h
ONDE: Teatro Sesi Rio Vermelho
QUANTO: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada).
Um relatório elaborado por dois universitários pede ao Estado francês que devolva aos países africanos as obras de artes que estão instaladas em museus do país europeu. De acordo com o UOL, o documento foi entregue ao presidente Emmanuel Macron nesta sexta-feira (23). Caberá a ele a decisão de prosseguir com o julgamento ou negar o pedido feito.
A intenção do projeto é a recuperação de boa parte dos bens retirados dos povos que compõem a África. Cerca de 90% destes bens culturais estão localizados fora do continente africano.
Alguns museus de nações da África estão comemorando a possibilidade do retorno das obras, mas por outro lado, críticos do projeto afirmam que no possível destino desses bens não há estrutura adequada para recebê-los e conservá-los. Pessoas contrárias a mudança também negam que boa parte dos objetos foram retirados dos povos por meio da violência. Eles alegam que muito deles foram abandonados e vendidos.
O fotógrafo baiano Glad Macedo propõe uma viagem cultural à Tanzania com a exposição “África Yetu”, que fica em cartaz desta terça-feira (13) até o dia 30 de novembro, no piso L1 do Salvador Shopping. Através de 20 imagens icônicas, o artista convida o público a conhecer a biodiversidade do país africano e a beleza do povo Maasai, que vive em aldeias entre o sul do Quénia e o norte da Tanzânia. A mostra é fruto de uma expedição de 15 dias à Tanzânia, realizada por Glad, em novembro de 2015. “África Yetu é a realização de um sonho. Diferente da imagem que muitos têm sobre a África, vivi na Tanzânia uma experiência única, e percebi uma terra próspera, com um povo feliz e acolhedor”, conta o fotógrafo. “Meu objetivo é mostrar que a arte pode ser acessível, e que pode fazer parte da vida de cada um”, completa o artista baiano, que apresenta um documentário sobre o tema em escolas e faculdades e planeja transformar o projeto em livro.
SERVIÇO
O QUÊ: Mostra fotográfica “África Yetu”
QUANDO: 13 a 30 de novembro – no horário de funcionamento do shopping
ONDE: Piso L1 do Salvador Shopping – Salvador (BA)
VALOR: Gratuito
São 12 faixas, todas elas autorais e algumas parcerias. Compostas nos anos 70 junto com Dadinho – ex-companheiro no grupo Os Tincoãs –, as canções “Obatotô” e “Filha! Diga o que vê?” ganharam releituras. Carlinhos Brown é outro colaborador presente no álbum, com a música “Convênio no Orum”. “Foi feita naquela fase que nós fizemos ‘Maimbê Dandá’”, revela Mateus Aleluia, lembrando da composição que fez sucesso em 2004 na voz de Daniela Mercury. “Então, na esteira daquele trabalho que estávamos fazendo surgiu essa”, completa o músico.
Relembre outra parceria entre Carlinhos Brown e Mateus Aleluia:
“Bahia, Angola, África, o nosso lugar não está localizável. O nosso lugar é a nossa cultura”, escreveu o produtor cultural Sérgio Guerra na apresentação do disco, cuja produção musical é assinada por Alê Siqueira. O álbum é, de fato, um retrato das vivências e olhares de Mateus Aleluia, e, portanto, um mosaico de impressões e expressões da cultura afro-brasileira. “Seo Mateus canta a Bahia, canta Angola, canta a nossa alma, o nosso lugar no mundo. Faz isso de maneira orgânica porque faz parte da forma dele estar no mundo. Banto, Gege, Nagô. Seja em Angola, Salvador, Benin ou Cachoeira ele traz o canto desse lugar com uma voz invulgar que sai do coração e alimenta a nossa alma. Fala dos nossos deuses com essa simplicidade que só quem o é pode se expressar”, descreve Sérgio Guerra, coordenador geral e patrocinador deste projeto.

Nesta sexta (26), o grupo retorna a Salvador para uma apresentação única de lançamento do álbum. O show será realizado às 20h no Largo Tereza Batista, no Pelourinho. Mas, com nove anos de estrada, o grupo não vê como prova de crescimento se apresentar para grandes plateias. Na sua primeira apresentação na cidade, o Metá Metá fez um show no Lalá Multiespaço e, se depender do trio, eles vão continuar a tocar em pequenos espaços. “A gente vai fazer esse show do Tereza Batista e a gente vai continuar a fazer esse show no Lalá também, a gente reconhece a existência dele no Rio Vermelho. Vão ser shows diferentes com repertórios distintos. No Tereza, vai ser um show pra galera dançar, no Lalá vai ser mais introspectivo”, defende França. O saxofonista destaca ainda a importância de cada espaço dentro do cenário cultural da cidade, ressaltando o viés artístico seguido pelo trio. “A gente entende que a construção da nossa carreira também está atrelada a uma cena inteira. É de certa forma um posicionamento político nosso, de, inclusive, chamar a atenção das pessoas para aqueles lugares”, afirma.
Além do “MM3” na íntegra, o trio vai apresentar também algumas canções do primeiro e segundo disco, “Metá Metá” e “MetaL MetaL” e outras faixas que já fazem parte do repertório. “A gente nunca sabe exatamente como vai ser, vamos tocar bastante. Salvador é um lugar que a gente tem uma conexão muito forte, a coisa do candomblé que é muito presente nas músicas, a energia é muito forte”, comenta o músico. Em duas horas de show, França promete surpresas.
Serviço:
O quê: Lançamento do álbum MM3
Quem: Metá Metá
Quando: 26 de agosto, às 20h
Onde: Largo Tereza Batista
Valor: 2º Lote: R$50,00 (inteira) e 3º Lote: R$60,00 (inteira) - www.sympla.com.br
Imagem: PrintScreen / Facebook Ilê Aiyê
A atriz destacou que o júri de sete membros possui maioria feminina, além de incluir um crítico de cinema e uma fotógrafa. "Iremos atentar para coisas diferentes neste filme, mas somos seres humanos, e o cinema é uma experiência emotiva, então... Iremos tomar nossas decisões com base no que nossas mentes querem dizer", afirmou. Para Meryl, a diversidade no trabalho dos membros do grupo trará pontos de vista diversos para o júri como um todo. "Mas primeiro somos afetados pelo coração, então é um processo interessante. Mal posso esperar", completou.
"África"
Data: até 15 de novembro
Local: Centro Cultural Solar Ferrão
Entrada Franca


Foto: Divulgação/ Vinicius Xavier
Único livro de Uzodinma Iweala traduzido para o português, “Feras de Lugar Nenhum”, recebeu algumas críticas negativas por uma suposta generalização da África. Questionado sobre esse assunto pelo mediador Rosel Soares, Iweala disse que não se importa mais com a crítica. “Há pessoas para as quais eu mando meu trabalho e dizem que está ótimo. Outras, que está péssimo. Tem horas que isso não importa. Sobre essa crítica, eu não sei como se criou isso, já que é um recorte bem específico sobre Aids na Nigéria, no país de onde venho. A Aids na Nigéria e na África do Sul, por exemplo, são bem diferentes. Talvez a pessoa que fez a crítica nem leu o livro, mas isso também não interessa”, afirmou.
Habilidosos com as palavras e sonoridades, os escritores contaram como estão atentos à língua em seus trabalhos literários. “Como escritores, tentamos usar uma palavra do modo de que não tenha outra palavra para ficar no lugar. Você usa palavras para ficar sem palavras. É um pouco paradoxal, mas esse é o sentimento que tenho. Quando termino de escrever, não tenho mais o que dizer”, sintetizou Iweala. Para ilustrar, Agualusa - que se interessa, sobretudo, pela língua portuguesa -, contou como sua obra “Milagário Pessoal” abusa destes recursos ao ter como tema central os neologismos. O autor também disse que o livro "Teoria Geral do Esquecimento” será lançado no Brasil, na próxima semana.
Foto: Divulgação/ Vinicius Xavier
Curtas do Poder
Pérolas do Dia
Cármen Lúcia
"Todos! Mas desde que seja rápido porque também nós mulheres ficamos dois mil anos caladas, nós queremos ter o direito de falar, mas eu concedo, como sempre. Apartes estão no regimento do STF, o debate faz parte do julgamento, tenho o maior gosto em ouvir, eu sou da prosa".
Disse a ministra Cármen Lúcia ao comentar uma fala do ministro Flávio Dino e brincar sobre interrupções às falas um do outro.