Flica: 'É necessário conhecer a África que produz conhecimento', diz Iweala
Por Marília Moreira | Cachoeira
Foto: Marília Moreira/ Bahia Notícias
Última mesa internacional da Festa Literária Internacional de Cachoeira (Flica), “Territórios Interiores” reuniu, na noite deste sábado (20), às 19h, o escritor angolano José Eduardo Agualusa e o norte-americano Uzodinma Iweala. Grandes viajantes, ambos os autores mantém o hábito de conhecer gente – inclusive, “gente” é uma das palavras que mais Iweala gosta no português do Brasil – e de navegar por terras interiores.
Na conversa mais esperada da Flica, mediada por Rosel Soares, Iweala disse estar encantado com a cidade de Cachoeira, ter encontrado muita gente boa no Brasil e garantiu que irá aprender português até o final do ano que vem. Mantendo o tom familiar, Agualusa, que assina o texto da contracapa das versões portuguesa e brasileira do livro “Feras de Lugar Nenhum”, de Iwela, disse se sentir muito honrado em dividir a mesa com o colega. “Os dois livros que Iwela está desenvolvendo – um já em fase de escrita, outro só no pensamento – já me parecem muito interessantes”, adiantou Agualusa.
Foto: Divulgação/ Vinicius Xavier
Único livro de Uzodinma Iweala traduzido para o português, “Feras de Lugar Nenhum”, recebeu algumas críticas negativas por uma suposta generalização da África. Questionado sobre esse assunto pelo mediador Rosel Soares, Iweala disse que não se importa mais com a crítica. “Há pessoas para as quais eu mando meu trabalho e dizem que está ótimo. Outras, que está péssimo. Tem horas que isso não importa. Sobre essa crítica, eu não sei como se criou isso, já que é um recorte bem específico sobre Aids na Nigéria, no país de onde venho. A Aids na Nigéria e na África do Sul, por exemplo, são bem diferentes. Talvez a pessoa que fez a crítica nem leu o livro, mas isso também não interessa”, afirmou.
Os autores deram opiniões diferentes sobre como as viagens alteram a forma deles verem o mundo e fazerem literatura. “Há muitas discussões interessantes sobre ser um andarilho, estar em lugares diferentes de onde você nasceu. Se movimentar , estar fora de seu país, é ter uma ideia de como é estar no mundo”, disse Iweala. Agualusa, por sua vez, apesar de sempre estar em trânsito, afirma que nunca abandona suas bases de entendimento do mundo. “Eu acho que a gente nunca deixa o nosso lugar. Estou convencido disso! Nós nunca saímos do entendimento do nosso território. É sobre essa base que estamos a ver o outro, a ver o mundo”, afirmou.
Habilidosos com as palavras e sonoridades, os escritores contaram como estão atentos à língua em seus trabalhos literários. “Como escritores, tentamos usar uma palavra do modo de que não tenha outra palavra para ficar no lugar. Você usa palavras para ficar sem palavras. É um pouco paradoxal, mas esse é o sentimento que tenho. Quando termino de escrever, não tenho mais o que dizer”, sintetizou Iweala. Para ilustrar, Agualusa - que se interessa, sobretudo, pela língua portuguesa -, contou como sua obra “Milagário Pessoal” abusa destes recursos ao ter como tema central os neologismos. O autor também disse que o livro "Teoria Geral do Esquecimento” será lançado no Brasil, na próxima semana.
Habilidosos com as palavras e sonoridades, os escritores contaram como estão atentos à língua em seus trabalhos literários. “Como escritores, tentamos usar uma palavra do modo de que não tenha outra palavra para ficar no lugar. Você usa palavras para ficar sem palavras. É um pouco paradoxal, mas esse é o sentimento que tenho. Quando termino de escrever, não tenho mais o que dizer”, sintetizou Iweala. Para ilustrar, Agualusa - que se interessa, sobretudo, pela língua portuguesa -, contou como sua obra “Milagário Pessoal” abusa destes recursos ao ter como tema central os neologismos. O autor também disse que o livro "Teoria Geral do Esquecimento” será lançado no Brasil, na próxima semana.
Com tantas viagens no currículo, temas como cultura global, guerras, fronteiras e estereótipos não deixaram de vir à tona durante a conversa. “Eu e meus irmãos nos sentimos cidadãos do mundo. A gente passou por muitos lugares, encontrou educação, oportunidades de trabalho. Isso é cultura global, uma coisa que às vezes é ruim, mas pode ser muito boa. Eu sempre tenho de me movimentar”, explicou Uzodinma Iweala.
Foto: Divulgação/ Vinicius Xavier
Ainda sobre a questão das guerras e fronteiras, Iweala afirmou espantado que não entende a glorificação que a guerra tem. “Estou lendo agora ‘Guerra e Paz’ e eu tenho pensado muito, não só por conta desse livro, sobre esse assunto. Eu ainda não entendo essa glorificação da guerra. A gente demora muito pra construir as coisas e leva muito pouco para destruir tudo isso”. E continuou: “Eu acho que a guerra é uma coisa fascinante para quem não conhece a guerra. Eu lembro a expectativa dos meus colegas de faculdade quando ia começar a guerra do Iraque. Creio que essa fascinação seja derivada do modo como os EUA viviam, de uma forma muito pacífica. O que é assustador, com relação ao Oriente Médio, é que as pessoas começam a ficar motivadas de novo e esquecem do quão destrutivo isso é.”, afirmou. Para Agualusa, as guerras sempre estiveram presentes em sua vida e ela é responsável por levar alguns temas para a literatura. “Vale a pena pensar utopias. Eu tenho muitos escritos sobre polícia de fronteiras como uma forma de exorcizar isso”, disse Agualusa. A mesa terminou com uma convocação aos brasileiros de conhecer a África além dos estereótipos. “Tem muito estereótipos e mitos sobre a África. É necessário conhecer a África que produz conhecimento e produz pensamentos revolucionários também”, concluiu Iweala.