MPF instaura inquérito para investigar suposta violação de direitos quilombolas em licenciamentos ambientais
Por Aline Gama
O Ministério Público Federal (MPF) instaurou um Inquérito Civil Público, nesta quarta-feira (1º), para apurar se o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) adotou medidas legislativas que violam garantias constitucionais e internacionais dessas populações tradicionais, com foco específico na Instrução Normativa INCRA n.º 111/2021.
A investigação foi desencadeada a partir de um ofício encaminhado pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA), que alertava para a aprovação de uma moção pela suspensão imediata da referida instrução normativa. O documento do Incra, que regulamenta a atuação do órgão nos processos de licenciamento ambiental em terras quilombolas, é alvo de críticas por excluir expressamente de sua abrangência os territórios quilombolas que ainda não tiveram sua Relação Técnica de Identificação e Delimitação (RTID) publicada.
A base legal da argumentação do MPF assenta-se no direito à consulta prévia, livre e informada, consagrado pela Convenção n.º 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. De acordo com a Convenção, o Estado é obrigado a consultar os povos interessados por meio de suas instituições representativas sempre que forem previstas medidas legislativas ou administrativas que possam afetá-los diretamente. O MPF sustenta que a edição da IN 111/2021, por ter potencial impacto direto sobre os territórios e modos de vida quilombolas, deveria ter sido precedida por esse processo consultivo, o que, segundo o documento, alegadamente, não ocorreu.
O parecer do Procurador da República citou ainda a Recomendação n.º 6 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), que já pedia a suspensão imediata da norma do Incra. Fundamentando seu entendimento, a autoridade ministerial recorreu a enunciados consolidados da 6ª Câmara de Revisão e Coordenação do MPF, especializada em povos e comunidades tradicionais. Entre eles, destacam-se o Enunciado n.º 49, que estabelece que audiências públicas no licenciamento ambiental não substituem a consulta prévia da OIT, e o Enunciado nº 47, que reconhece a autodeclaração dos territórios tradicionais como legítima e com repercussões jurídicas, independentemente da conclusão dos trâmites de titulação estatal.
De acordo com o MPF, o inquérito possui dois objetivos. Primeiramente, visa apurar as medidas que o Poder Público, notadamente o Incra, tem adotado ou planeja adotar para adequar a IN 111/2021 aos marcos legais, assegurando o direito à consulta e outros direitos étnico-raciais e territoriais. Em segundo lugar, determina a investigação para verificar a necessidade de anulação ou revogação de atos normativos ou concretos que impliquem a negação ou mitigação de garantias previstas não apenas na Convenção da OIT, mas também na Convenção Americana de Direitos Humanos e na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O Procurador da República Helder Magno da Silva determinou o acompanhamento do inquérito por um prazo inicial de um ano para sua conclusão.