“Lei para todos”: Justiça bloqueia mais de R$ 160 mi em dinheiro, carros, imóveis, barcos e aeronaves do “Jogo do Bicho”
Por Redação
Uma organização criminosa que opera esquema ilegal de jogo do bicho e máquinas caça-níqueis em Salvador entrou na mira do Ministério Público da Bahia (MP-BA) e é alvo da Operação "Lei para todos". A investigação se concentra em desmantelar a rede criminosa que tem como foco a lavagem de dinheiro proveniente das atividades ilícitas.
O Bahia Notícias teve acesso, com exclusividade, à denúncia promovida pelo MP-BA, através do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas e Investigações Criminais (Gaeco). Em mais de 130 páginas, o documento detalha como seria o funcionamento do esquema com o grupo que atua há mais de 25 anos. Mas a investigação se concentrou entre 2010 e 2020, período para o qual foi obtida a quebra de sigilo bancário e fiscal, quando mais de R$ 5 bilhões foram movimentados.
A denúncia aponta que as apostas do jogo do bicho eram registradas em máquinas, muitas vezes disfarçadas de pontos de recarga de celular. Um software adicionava essa funcionalidade às máquinas, permitindo o registro e gerenciamento das apostas. Além disso, o grupo utilizava empresas de fachada e contas bancárias de laranjas para movimentar e ocultar os lucros ilegais.
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As investigações do Gaeco também indicam que a organização se divide em três núcleos principais na composição da estrutura hierárquica. São eles:
- Núcleo do Jogo do Bicho: responsável pela administração geral da "Paratodos", a principal loteria ilegal explorada pelo grupo, e pela gestão das bancas do jogo do bicho. Responsáveis por administrar os pontos de jogo do bicho, arrecadar os valores das apostas e gerenciar a complexa rede de empresas de fachada para lavagem de dinheiro;
- Núcleo de máquinas caça-níqueis: gerencia a exploração de máquinas caça-níqueis, incluindo a importação ilegal de peças;
- Núcleo do Bicho Eletrônico: modernização do jogo do bicho através da introdução de sistemas eletrônicos de apostas. Atuação no desenvolvimento, instalação e manutenção de softwares para registro e transmissão eletrônica das apostas, além da gestão de empresas de fachada.
Apesar da divisão em núcleos, os três grupos atuavam de forma interligada e colaborativa, com vínculos financeiros diretos e indiretos, visando dominar o mercado ilegal de jogos de azar na Bahia. A divisão de tarefas permitia que cada núcleo se especializasse em um ramo específico da jogatina, contribuindo para o sucesso da organização criminosa como um todo.
BLOQUEIOS
No curso das investigações, o Ministério Público solicitou indisponibilidade de ativos financeiros de todos os denunciados e das pessoas jurídicas listadas na apuração no valor de R$ 101,4 milhões. Foram localizados em contas R$ 92.799.009,97.
Além disso, o parquet pediu o bloqueio total de todos os veículos dos denunciados, incluindo venda, transferência e circulação. Ao todo, foram bloqueados 91 veículos, 18 aeronaves, 13 lanchas, 3 moto-aquáticas e um iate. Apenas os veículos têm valor estimado em R$ 13.425.931,40.
Outra solicitação feita pelo Gaeco foi o sequestro de imóveis registrados em nome dos denunciados, cuja listagem ainda não foi concluída. Até aqui, foram sequestrados 58 imóveis no valor total R$ 55.456.781,19.
A Justiça acatou todos os pedidos de bloqueio do MP-BA.
MODUS OPERANDI
Conforme descrito na denúncia, o modus operandi da organização criminosa era complexo e envolvia diversas etapas, desde a arrecadação do dinheiro proveniente das apostas até a sua integração ao sistema financeiro com aparência de legalidade.
O grupo operava uma rede de pontos de jogos do bicho espalhados pela cidade de Salvador. As apostas eram recebidas em dinheiro e registradas eletronicamente, utilizando softwares desenvolvidos e instalados pela empresa Projeta Tecnologia e Projetos.
Um dos pontos centrais do esquema, a empresa Cellcred Telecomunicações e Serviços Ltda atuava especificamente no núcleo do Jogo do Bicho, liderado por A. S. P., A. S. P. J. e L. R. A.
Isso porque a partir da quebra do sigilo bancário da Cellcred, a investigação observou que entre os anos de 2010 e 2014, a principal fonte de crédito da empresa foram os depósitos em espécie. "A. J., denunciado, em apenas um ano (26/12/2012 a 11/12/2013), efetuou ao menos 92 depósitos em espécie nas contas bancárias da CELLCRED, totalizando quase R$ 30 milhões", diz a denúncia.
Também foi detalhado pelas autoridades que a Cellcred possui "CNAE bastante amplo, desde adesivamento para fins publicitários até brigada de incêndio de empresa privada, o que torna difícil o controle e constatação de contabilidade, obstaculizando, dessa maneira, o rastreamento dos recursos obtidos ilegalmente".
Além disso, uma empresa de transporte de valores seria a principal responsável pelos depósitos em espécie na Cellcred, tendo depositado R$ 239.287.884,00 entre 2010 e 2014. O uso de uma empresa de transporte de valores adicionava uma camada de complexidade ao esquema, dificultando ainda mais a identificação da origem do dinheiro.
Após o dinheiro entrar na Cellcred, os líderes do esquema o transferiam para suas contas pessoais como "repartição de lucros", simulando uma atividade empresarial legítima.
Movimentação Financeira Exponencial: Entre 2010 e 2013, a Cellcred movimentou quantias bilionárias, evidenciando o sucesso do esquema de lavagem de dinheiro. A empresa recebia em média R$ 7,7 milhões por mês em depósitos em espécie de valor igual ou superior a R$ 100 mil.
Em 2013, a Cellcred foi alvo da "Operação Dominó", que investigava a exploração ilegal de jogos de azar. Após a operação, a movimentação financeira da empresa caiu drasticamente e líderes do esquema a substituíram por outras empresas.
O dinheiro arrecadado era transportado para a "fortaleza do jogo do bicho", no bairro da Liberdade, onde era contabilizado e preparado para a lavagem. O grupo utilizava uma complexa rede de empresas de fachada, divididas em dois níveis, para lavar o dinheiro proveniente dos jogos de azar.
Empresas de primeiro nível: Eram usadas para inserir o dinheiro sujo na economia formal, através de depósitos em espécie fracionados, sem identificação do depositante, ou por meio de empresas de transporte de valores.
Empresas de segundo nível: Constituídas em nome dos líderes ou de seus familiares, eram usadas para blindagem patrimonial e mescla de recursos ilícitos com recursos lícitos, obtidos com a exploração de atividades econômicas formais.
O documento também indica que o dinheiro era movimentado entre as empresas do grupo, simulando transações comerciais e pagamentos de serviços, para dificultar o rastreamento e a identificação da origem ilícita. Os líderes realizavam investimentos em bens imóveis, planos de previdência privada e outras atividades lícitas, utilizando o dinheiro lavado para aumentar seus patrimônios e se beneficiar dos lucros.
(Atualizado às 16h35 de 26/03/2025 para adicionar o posicionamento da empresa Brink's Segurança e Transporte de Valores Ltda)
POSICIONAMENTO DA EMPRESA
Após a publicação, a Brink's Segurança e Transporte de Valores Ltda requereu informações junto ao Bahia Notícias e ao Ministério Público da Bahia e encaminhou a resposta abaixo:
A Brink's Segurança e Transporte de Valores Ltda. tomou conhecimento da matéria publicada em 18/12/2024, intitulada “Lei para todos”: Justiça bloqueia mais de R$ 160 mi em dinheiro, carros, imóveis, barcos e aeronaves do “Jogo do Bicho”, e esclarece, de forma categórica, que não possui qualquer relação com as atividades ilícitas investigadas na Operação “Lei para todos”.
A empresa não realiza depósitos em espécie, conforme está equivocadamente mencionado na reportagem. A atividade da empresa consiste exclusivamente no transporte seguro de valores, conforme regulamentações legais. Além disso, não há, nos autos da investigação do MP-BA, citação formal ou provas que vinculem a Brink's às operações da Cellcred ou ao esquema descrito.
Reiteramos nosso compromisso com a transparência e a legalidade, bem como nossa disponibilidade para colaborar com esclarecimentos adicionais.