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Justiça restaurativa pode evitar espiral de vitimização em casos de violência doméstica

Por Cláudia Cardozo / Jade Coelho

Justiça restaurativa pode evitar espiral de vitimização em casos de violência doméstica
Foto: Reprodução/Pixabay

No 5º país com maior taxa de homicídios de mulheres no mundo e em que a cada dois minutos é registrado um caso de violência doméstica, a ausência da aplicação de justiça restaurativa (JR) nesses casos só fortalece a chamada "espiral de vitimização". As práticas de JR tentam solucionar conflitos e violência através da escuta dos agressores e das vítimas, da admissão do erro e do comprometimento do agressor em se autorresponsabilizar.

 

A tese foi defendida pela advogada especialista em Direito Público Thaize de Carvalho durante o mestrado na Universidade Federal da Bahia (Ufba). Para ela, as técnicas restaurativas tentam, com mais afinco, que as vítimas participem do processo de construção da resposta ao seu problema, permitem que o agressor ouça o que fez sob o ponto de vista da agredida e tenha a possibilidade de agir para reparar o mal causado de algum modo. 

 

No entendimento de Thaize, através das técnicas de enfrentamento pessoal do conflito praticadas na JR, é possível desfazer o que ela aponta como espiral de vitimização. “Porque o processo penal tradicional, retributivo, não dá importância aos desejos e anseios da vítima. Então não interessa o que eu ela sentiu, o que ela gostaria. E isso acaba reforçando esse processo de vitimização”, explicou a advogada.

 

Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública 2019

 

O Brasil convive com elevadas estatísticas de violências praticadas contra mulheres. A cada 8 minutos uma brasileira é vitima de estupro, e no ano passado mais de 100 mulheres foram alvo de feminicídio a cada mês, conforme dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública 2019.

 

A advogada criminalista e professora doutora pela Ufba, Daniela Portugal, explica que o código penal dentro do modelo tradicional prevê três tipos de soluções: as penas privativas liberdade, as restritivas de direito (penas alternativas), e a pena de multa. Na visão dela, que atualmente preside a Comissão da Mulher Advogada, esse modelo não necessariamente soluciona conflitos.

 

“O Estado pode processar alguém, aplicar pena e o problema continuar existindo, e isso é muito frequente”, lamentou Daniela, ao apontar que o desafio em relação a violência doméstica seria buscar outras formas de resolução de conflitos. “É aí que entram as práticas restaurativas, que são recomendadas pelos CNJ [Conselho Nacional de Justiça], que trata da matéria em uma resolução e está ligada a uma recomendação internacional”, explicou.

 

O tema foi discutido durante o 2º Seminário sobre a Política Nacional de Justiça Restaurativa, realizado na segunda e terça-feira (10 e 11) pelo Conselho Nacional de Justiça com o apoio do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA), da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e da Universidade Corporativa TJ-BA (Unicorp).

 

A desembargadora Joanice Guimarães, coordenadora dos Centros Judiciários de Solução Consensual de Conflitos (Cejuscs), vê a justiça restaurativa como uma mudança de cultura, de paradigma e de entendimento do grupo. Para ela é preciso tomar conhecimento e dar luz às possibilidades que se mostrem melhores do que o encarceramento, “onde as pessoas ficam paradas, encarceradas, sem fazer nada, esperando que os anos decorram para voltarem à sociedade”. “Voltar à sociedade para fazer o quê?”, questionou a magistrada.

 

A coordenadora do Cejuscs ainda explicou que as ações restaurativas trabalham o indivíduo, e não a coletividade. Não têm o intuito de firmar acordos e nem objetivam o perdão. “É no sentido da responsabilidade, do reconhecimento das suas ações, e na mudança e transformação disso”, acrescentou. 

 

“A justiça restaurativa não encarcera, ela trabalha com essa pessoa prospectivamente, para o futuro, ela vai trabalhar para se responsabilizar pelo que fez e mudar sua atitude. Então, diferente da justiça punitiva, ela exige daquela pessoa que praticou algum delito uma ação prospectiva e em favor da vítima”, defendeu a desembargadora Joanice Guimarães, que ainda destacou que esse modelo de resolução é voluntário, ou seja, é necessário que as partes estejam dispostas a participar.

 

Sobre esta “exigência”, Thaize de Carvalho explica que para que realmente funcione a vítima tem que se dispor a falar pelo que passou e o agressor precisa admitir o que fez de forma voluntária. No processo tradicional, retributivo, a advogada destaca que o mais comum é que o agressor negue, uma vez que ele não é incentivado a assumir e a partir daí se autorresponsabilizar. A advogada ainda destacou que nos países onde se implementa a justiça restaurativa os percentuais de satisfação “são altíssimos”. 

 

Atualmente a Bahia aplica a justiça restaurativa no juizado especial criminal. A desembargadora lembra que desde 2005 a prática foi implementada, inicialmente em Salvador, e depois foi interiorizada para cidades como Alagoinhas, Brumado, Vitória da Conquista, Ilhéus, Itabuna e Ipiaú. 

 

No entanto, nos casos de violência doméstica não existe essa aplicação. “A gente não aplica a justiça restaurativa nesses crimes no Brasil inteiro, não é só na Bahia. Nossa legislação não acolheu a JR em crimes de maior gravidade, na verdade pela legislação a gente não tem justiça restaurativa tratando de violência de adulto em nenhuma lei”, explicou Thaize.

 

Ainda assim, a especialista em Direito Público acredita que haveria espaço para aplicar as práticas restaurativas na Bahia. Para justificar a tese, ela afirma que as estatísticas criminais demonstram que o cárcere é ineficaz e que não há desistímulo à prática de violência doméstica e outros crimes através do atual sistema de Justiça criminal. “Encarcerar e punir pessoas punir através das penas privativas de liberdade não tem reduzido o numero de delitos”, reconheceu Thaize de Carvalho.